Helena Matos
“Queremos que os contribuintes dos outros
países continuem a financiar o nosso modo e nível de vida?” – Esta é a pergunta
a que os gregos gostavam de responder. Só que em política a mesma pergunta não
se faz duas vezes. E já foi a esta pergunta que os gregos responderam quando
elegeram o Syriza. Eles deram a maioria a um partido que lhes garantiu que ia
mandar no dinheiro dos outros. E isso não é possível.
Após cinco meses o impasse era
mais que inevitável. Tsipras não podia negociar. A cada regresso a Atenas isso
tornava-se-lhe mais óbvio. A notícia mais ou menos anedótica de que a sua
mulher o deixaria caso assinasse um acordo com os credores é simbólica do cerco
que se foi fechando em torno deste homem que para os seus apoiantes saía da
Grécia não para negociar mas sim para derrotar os seus parceiros
internacionais.
O desconcerto a que se
assistiu ao longo destes meses entre Atenas e a troika (ó fabulosa vitória
terem-lhe passsado a chamar instituições!) foi só este: os credores esperavam
que Tsipras negociasse condições. Atenas exigia que Tsipras arrasasse os
credores e, milagre da fé, que, arrasados, os credores continuassem a cumprir o
seu papel de credores financiando a tempo e horas a Grécia. Não sei se Tsipras
alguma vez quis negociar mas mesmo que quisesse muito francamente não podia.
Uma negociação é um processo de cedências mútuas em que a vitória está no
resultado (que para cúmulo só se vê daí a algum tempo) e não no fogacho de umas
declarações tão imediatas quanto espampanantes.
Durante cinco meses a Europa
exigiu aquilo que nem Tsipras nem o Syriza podiam dar. E esse aquilo chama-se
governo. A geração de líderes radicais (de que Tsipras é um exemplo) passou (ao
colo das instituições e dos jornalistas) das universidades para os estúdios de
televisão. Daí chegaram à política. Ou melhor dizendo aos movimentos. Não
distinguem os votos das audiências. E confundem palmas com resultados.
A fragmentação dos Syriza,
Podemos, BE, não acontece por acaso. São o resultado do excesso de egos e da
falta de pensamento político desses agrupamentos que naturalmente ao primeiro
choque com a realidade voltam ao seu estado natural: divididos e acusando-se de
torpezas e traições. O Syriza, o Podemos ou o BE apregoam todos os dias a sua
superioridade por enquanto movimentos serem uma alternativa aos velhos
partidos. Nada mais falso. Eles são movimentos porque não conseguem ser
partidos. Não têm líderes, não têm pensamento e não têm estratégia para tal.
Na verdade estes movimentos
não passam de grupos, cada um deles a achar-se mais puro e mais revolucionário
que os outros e o que nesta crise grega é crucial, sempre prontos a acusarem os
outros de terem traído, de se terem vendido… Era este calvário que Tsipras
sabia que o aguardava em Atenas caso negociasse. E para esse exercício de
solidão ele, Tsipras, o rapaz de quem as televisões gostavam, não tem nem
personalidade nem um partido.
É portanto um tremendo erro
esperar que movimentos como o Syriza, o Podemos ou o BE se comportem como
partidos. Por exemplo, que actuem como o PCP em Novembro de 1975: a 25 de
Novembro de 1975, Álvaro Cunhal deu ordem ao PCP para recuar. Porque já estava
consumada a transferência de Angola para a área de influência da URSS; porque o
líder do PCP sabia que não tinha condições para avançar ou sequer para se
manter em boa parte do país e porque o PCP ao recuar garantia a sua
sobrevivência. Naturalmente o PCP obedeceu. Muitos militantes não gostaram mas
obedeceram. O PCP perdeu a dinâmica revolucionária mas ganhou a Constituição e
manteve o controlo de inúmeras instituições. A isto chama-se negociar. E creio
não ser necessário explicar como essa aparente derrota se tornou a médio prazo
na melhor aposta política do PCP.
Nesta crise grega houve de
facto falta de experiência, de inteligência e de um partido que tivesse à
frente um líder capaz de negociar logo ceder em muita coisa para ganhar outras.
Não houve e daí o falhanço.
Tsipras nunca teve condições
políticas para negociar um acordo. E também não as conseguiu criar. Procura
agora condições para romper as negociações. Afinal o seu programa não é
governar a Grécia. É ficar bem na fotografia. Ou pelo menos não estragar a
imagem que ganhou nos estúdios de televisão onde politicamente nasceu e onde as
teses dos radicais fazem sempre mais sentido que todas as outras.
E agora? Agora a vida tem de
continuar seja qual for o caminho seguido pela Grécia. Mas que nos fique de
emenda: não é possível, não é honesto e não é justo que o governo de um país da
UE capture as atenções, o tempo e as energias das instituições europeias desta
forma durante meses.
E eu mesma acabo este texto
irritada comigo por ter perdido o meu tempo e o espaço desta crónica a escrever
sobre uns gaiatos que não sabem o quanto custa ganhar a vida e não sobre aquele
polícia espancado e esfaqueado numa “festa multicultural”. Azar o dele ser
polícia. Se fosse gato ou doutor-activista de festas multiculturais o país
estaria hoje verdadeiramente indignado. Assim não fosse o Correio da Manhã e
quase nem se dava pelo assunto.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
28-6-2015
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