Luís Rocha
O futuro o confirmará, mas
estou convicto que a venda ao Grupo Gateway, de Pedrosa e Neeleman,
foi a melhor decisão. Iria até mais longe, acredito que, a confirmar-se a
operação (falta ainda o acordo dos “eurocratas”), ela pode representar uma
autêntica “taluda” para a TAP e assegurar-lhe um crescimento da actividade que
poucos antecipariam. Acredito ainda que tiradas aparentemente imbecis como esta,
não constituem restrições de maior, pois resultam da preocupação permanente de
todos os líderes do PS em terem a sua “ala Syrizica” apaziguada e mobilizada.
A minha tese é
que a entrada de Neeleman na TAP pode ser a primeira pedra na
construção de um interessante grupo transnacional. Consolidará a posição da TAP
como uma companhia de referência nas rotas do Atlântico Sul e potenciará a
internacionalização da Azul e da JetBlue, duas agressivas low-cost nos
respectivos mercados domésticos e que poderão ser as primeiras a
competirem com as legacy carriers nos voos
intercontinentais.
De acordo com declarações
do próprio, Neeleman pretenderá aumentar as rotas da TAP para os Estados Unidos
(confirmando o que eu já aqui ventilara),
o que indicia que procurará replicar as parcerias que estabeleceu no Brasil
entre a Azul e a JetBlue e a United. A sua estratégia passará por criar um
“triângulo intercontinental” no Atlântico, com a Azul no vértice sul-americano,
a JetBlue e a United no norte-americano e a TAP no europeu. Tentará beneficiar
do facto de a TAP e a United integrarem a Star Alliance (na qual pretende
também integrar a Azul) para criar acordos conjuntos de code sharing nos
mercados norte-americano e europeu.
Idênticos acordos tentará
estabelecer com a JetBlue. Desde logo, isto permitirá à TAP acesso a aeroportos
americanos, bases ou hubs daquelas empresas: Boston, New York/JFK, Orlando e
Fort Lauderdale da JetBlue, Chicago, Washington/Dulles e Houston da United.
Numa segunda fase, assim consiga ampliar a frota de longo curso, pode ainda
almejar Los Angeles, San Francisco e Denver.
Neeleman já confirmou que tem
para já em vista abrir rotas para Boston, Chicago e Washington, o que pode
significar existirem já acordos com os seus parceiros americanos. Quase
todos aqueles aeroportos movimentam anualmente mais de quarenta milhões de
passageiros e qualquer pequenofeeding por parte das companhias
incumbentes terá um enorme efeito multiplicador na actividade da TAP. Chicago,
o segundo maior aeroporto do mundo, é de resto o principal hub da United e
quiçá o ponto de maior confluência entre rotas do Atlântico e do Pacífico.
Junte-se todo este potencial tráfego ao que já provém hoje do Brasil e que
também pode ser catapultado com os Clientes da Azul e estarão criadas as
condições para a TAP triplicar a sua actividade em menos de uma década.
Pode porém questionar-se o
racional desta estratégia. O Brasil oferecerá menos dúvidas, uma vez que a TAP
já tem uma posição consolidada, tendo o exclusivo de algumas rotas a partir da
Europa. Neeleman pretende abrir mais algumas, visando obviamente a cobertura
integral das bases da Azul. Mas qual o valor acrescentado da TAP na
distribuição do tráfego Europa/América do Norte? Que oferta adicional pode
fazer que não esteja já contemplada pelas grandes transportadoras de ambos os
lados?
Julgo que Neeleman irá
posicionar a TAP na Europa no segmento “low-cost topo-de-gama”,
onde ele já tem obra feita e, à semelhança do que já fez na JetBlue e na Azul,
irá à procura de nichos não cobertos. E, olhando para leste a partir de
Portugal, depara-se-lhe de imediato o Mediterrâneo (com sol, praias,
História, cultura, excelente gastronomia, atractivos facilmente vendáveis à
classe média americana) e a deficiente cobertura da United nessa área,
comparativamente aos seus concorrentes Delta e American Airlines.
Estas, para além de operarem
mais rotas para os países mediterrânicos, beneficiam de uma cobertura mais
densa feita por parceiros locais, designadamente a Air France e a Alitalia,
parceiras da Delta no SkyTeam e a Iberia/British Airways, associadas à American
Airlines no One World. A United cobre directamente os principais destinos
destes mercados e os secundários através da Lufthansa, seu principal parceiro
europeu. Porém, esta não os cobre com a mesma capilaridade das companhias
incumbentes e fá-lo apenas a partir dos seus hubs, Frankfurt, Munich e
Zurique, bem menos convenientes do que Lisboa para quem viaje da América do
Norte para um destino em Espanha, Itália ou Marrocos.
Neeleman irá
portanto fazer uma realocação de destinos na Europa, fechar alguns não
rentáveis (o que já começou a ser feito) e privilegiar, nas novas rotas a
abrir, cidades secundárias em Espanha, Itália e França, com relevância
histórica e turística. Para além do segmento do lazer, sempre disponível a
conhecer novos destinos, as comunidades italiana e hispânica, quer nos Estados
Unidos, quer no Brasil, constituirão outro importante alvo na oferta
das novas rotas. Para a United, cuja estratégia actual passa por consolidar no
Pacífico (onde já é a empresa americana dominante) e crescer na América Latina
(onde a Azul se prepara para ser um dos seus principais distribuidores de
tráfego), uma parceria com a TAP para a Europa mediterrânica permitir-lhe-ia
crescer nesta região com alocação mínima de frota. E ter um parceiro já
conhecido, só facilita as negociações.
Duas incógnitas subsistem:
·
Por um lado, a capacidade de Neeleman mobilizar
recursos financeiros, não só para repor na TAP níveis mínimos de solvabilidade,
mas também para fazer face à renovação e ampliação da frota. Na conferência de
imprensa de ontem, após assinatura do contrato com o Estado, foi aventado um
reforço financeiro, entre capitais próprios e alheios, que poderia atingir oitocentos
milhões. Parece-me manifestamente insuficiente, quando se pretende adquirir
mais de cinquenta novas aeronaves e abrir até dez novas rotas nos USA e mais
algumas no Brasil. A confiança dos mercados financeiros em Neeleman será aqui a
variável fundamental;
·
Por outro lado, haverá que ver a reacção da
Lufthansa, uma das companhias líder do Grupo Star Alliance. Num cenário como o
acima exposto, eles seriam claros perdedores, principalmente nas ligações do
tráfego proveniente dos USA com destino a Itália. Nada porém que não seja
possível negociar com benefícios mútuos. À United poderá ser conveniente
descontinuar alguns voos com destino à Alemanha, que passariam a ser feitos
com aeronaves da Lufthansa a quem cederia slots, e realocar os seus
aviões para outras rotas que se lhe afigurem mais rentáveis; algo semelhante
pode ser feito pela TAP, “cedendo” alguns voos à Lufthansa entre Portugal e
Alemanha, mas “oferecendo” em troca os destinos brasileiros nos seus aviões a
partir de Lisboa.
Existe portanto racional para
um cenário como o acima exposto e a sua implementação é sobretudo condicionada
pela restrição financeira. Ultrapassada esta, tem boas condições de sucesso e
pode amanhã ser replicado com a Air Canada (também membro da Star Alliance)
e/ou com a WestJet, umalow-cost também fundada por Neeleman e que
ele certamente bem conhece.
Daqui a dois ou três anos já
será possível fazer um primeiro balanço da estratégia pós-privatização seguida
pela TAP. Nessa altura, espero rever e gargalhar intensamente com os Prós e
Contras que recentemente se fizeram sobre o tema e, designadamente, com as
indignações quixotescas do cineasta.
É, parece que Deus estava de costas, quando o Império do mal se apossou da Varig.
ResponderExcluirNormalmente Ele não comete erros, mas satanás estava à espreita e lhe passou a perna.
O resto, todo mundo sabe
José manuel