sábado, 27 de junho de 2015

Sobre o Dilema Estético-Sentimental da Política Evangélica Contemporânea

Guilherme de Carvalho 
Escrevo a contragosto, arrancado do meu exílio blogosférico pela força das circunstâncias. Deveria estar agora trabalhando em meu livro encomendado em eras passadas, inacabado e, aparentemente, inacabável. Mas é dura cousa golpear os aguilhões do processo histórico.

Para encurtar, lancemo-nos diretamente ao assunto, introduzido de forma pedante no título por uma absoluta falta de imaginação nessa tarde fria de sexta feira: afirmo que o problema da política evangélica hoje é um problema estético; um problema de aisthesis, de distúrbios de percepção e de efeito sentimental, que ocultam uma fragilidade mais profunda: a falta da fonte verdadeira dos sentimentos verdadeiros, que é a beleza verdadeira, a que nasce da união entre o bem e a verdade.

DOIS EVANGELICISMOS POLÍTICOS
Assisti ontem a dois vídeos emblemáticos. O primeiro, publicado pela Carta Capital (veja aqui), mostra alguns líderes Cristãos bastante conhecidos, como Ed René Kivitz, Levi Correa e o Deputado Carlos Alberto Bezerra explicando ao público estupefato da TV Carta que os evangélicos não são todos iguais: há evangélicos progressistas que compreendem as complexidades da vida moderna, que são pluralistas e dialógicos e, acima de tudo, que não devem ser confundidos com a “bancada evangélica”, a famigerada corja fundamentalista e (na maioria) neopentecostal que se apossou da representação política do protestantismo nos últimos anos. No conjunto, o vídeo constitui um ato político pedagógico ou educacional, visando publicizar divergências políticas dentro da comunidade evangélica; seu interesse parece duplo: (a) proteger a respeitabilidade pública do evangelicismo progressista e, quem sabe, de quebra, da fé evangélica; e (b) agremiar e capitalizar o setor mais progressista da igreja evangélica, hoje bastante “órfão” ou, ao menos, abandonado diante do crescente avanço do neopentecostalismo fundamentalista.

O segundo vídeo, gravado pela TV Câmara ontem (veja nota d'O Globo'), mostra mais uma façanha do excêntrico e impagável Silas Malafaia. Poderia ser uma comédia, se o assunto não fosse tão grave. No vídeo o pastor, ícone, para as esquerdas, da bancada “BBB” (Bíblia, Bala e Boi) submete as ideias da deputada esquerdista Érika Kokay a um impiedoso escrutínio público, mostrando as inconsistências manipulativas de seu discurso, sua flagrante inconstitucionalidade, sua dependência da ingerência do ativismo judiciário brasileiro sobre o legislativo, e sua visão distorcida sobre a laicidade do Estado, que faria do legislativo uma casa laicizante – sonho impossível e perverso, como apontou o pastor, já que a casa representa toda a sociedade em sua pluralidade, incluindo, com isso, as populações religiosas. A deputada abandona o plenário a certa altura, enquanto as expressões de apoio ao BBB e a chacota à dignitária humilhada em público transformam o lugar em um campo de futebol. Fragorosa derrota. (Veja vídeo)

O BELO, O FEIO E O MAU
O problema é notoriamente estético. Não apenas isso, naturalmente; mas é impossível não observar a trama estética que se desenha. O pastor Silas Malafaia é um desastre estético; fere a percepção; é iracundo, agressivo, gritando atropeladamente seus argumentos com aquela vozinha desesperadamente irritante, sem pausas, sem nuances, sem pedir atenção, gesticulando loucamente, como se estivesse em um bate-boca de adolescentes no intervalo da escola. Uma coisa horrorosa.

Horrorosa, sim; mas só ouvi verdades. Não humilhou Érika Kokay porque foi indelicado, ofensivo ou estridente, mas porque expôs a hipocrisia biopolítica da esquerda. Expôs sua perversa intenção de contornar instâncias menores da estrutura social – a família, acima de tudo – para atingir diretamente a criança e o adolescente através da pregação politicamente correta de um estado aparelhado pela ideologia de gênero (que alguns “evangélicos” a serviço sabe-se lá de quem, insistem em negar). Um amigo disse que Malafaia “mitou”. Mitou mesmo, meus amigos; odeio admiti-lo, pois odeio a teologia da prosperidade pregada e praticada por esse indivíduo, mas… Noblesse Oblige.

Mesmo assim, foi feio, desagradável, indigesto; esteticamente desastroso. Nesse sentido, a fala do Pastor Levi Correia no vídeo da Carta Capital é mais do que iluminadora:
“derrepente se juntam, formam uma tal de uma bancada da bíblia, que junto com a bala, que junto com a bancada do boi, que junto com a bancada da jaula, formam a bancada mais horrorosa que esse país já teve, e o pior: com batuta de camarada que se diz evangélico…”

Claro, claro, o termo “horrorosa”, aqui, tem o sentido de uma analogia estética; é como quando dizemos que “o fulando teve uma vida bonita”, querendo com isso dizer que foi uma vida ética e coerente. A bancada é horrorosa porque é imoral, ou injusta, ou perversa.

Mas isso está claro? De jeito nenhum. A bancada mais horrorosa que o país já teve não é a bancada da Bíblia; ou melhor: talvez ela seja a mais horrorosa, mas isso é insuficiente. A feiura é a desproporção, a desarmonia; muitas coisas podem tornar algo horroroso; entre elas, o desarranjo de uma coisa bela forçada entre coisas feias. A bancada da Bíblia pode ser horrível porque há uma desarmonia entre suas bandeiras e o seu comportamento; ou pode ser horrível porque suas bandeiras são todas horrorosas; ou pode ser horrível porque não combina com a estética política da esquerda.

Mas sem dúvida há coisas igualmente ou até mais horrorosas do que a bancada da bíblia, no circo de horrores da política Brasileira. Por exemplo: o governo petista tem se tornado uma das coisas mais feias que o país já viu. Lula virou o sapo-barbudo de novo. E os evangélicos progressistas que apoiaram o avanço recente da esquerda, estão, em sua incrível recalcitrância, virando sapos também, um a um – pelo menos do ponto de vista do evangelicismo e do catolicismo conservador. A esquerda perdeu grande parte da sua “beleza” nos últimos meses, e a feiura da conivência e do silêncio está ferindo os olhos e ouvidos até dos mais simpáticos.
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Título e Texto: Guilherme de Carvalho, 26-6-2015
Colaboração: Vitor Grando
Leia a íntegra do artigo aqui.

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