terça-feira, 20 de agosto de 2019

[Aparecido rasga o verbo] Diferentes formas de encarar a dor

Aparecido Raimundo de Souza

O EDUCADOR, COMO UM ETERNO PROFESSOR, tem por norma, por objetivo, civilizar, colocar no caminho correto a dor. Dispô-la diplomaticamente em excelente patamar. Talvez, dessa forma, a maldita não faça as pessoas passarem por maus bocados. O Congelador, noutro trilho, enregelado como sempre, só tem ideias congelantes na cabeça. Não quer saber de graça. Vive para esfriar, refrescar, refrigerar. O Aspirador não fica atrás. É viciado em cheirar. Ama se embebedar da catinga da dor. E o faz com sofreguidão, com ânsia descomedida. Sorve as mazelas da infeliz por dentro, como se ela fosse uma nuvem gigantesca de poeira e fuligem. Em linha paralela, o Computador, com toda tecnologia de ponta a seu favor, para se livrar do estresse, computa. Sem uma puta por perto. Longe das obrigações do Lenhador, que mete o machado e deixa a dor em petição de misérias.

Não podemos nos esquecer do Buzinador. Esse trombeteiro inveterado fonfona intermitentemente nos ouvidos da dor, deixando-a com os ouvidos em pandarecos, quase às raias de uma loucura totalmente insana. E o que falaríamos do Diagramador? Pouca coisa. O Diagramador diagrama a dor. Grafica. Dá-lhe ares de publicidade. Idêntica brecha, o Encanador. Embora não seja polícia nem tenha parentesco na civil, tampouco na militar, canaliza, encaminha a dor para uma cela de delegacia de periferia. O Batalhador, incansável, luta tenaz e ferozmente contra a dor. Peleja, desesperadamente com todas as armas que possui. Quer vencê-la a qualquer custo. Na maioria das vezes, perde a contenda. O Liquidificador, em caminho oposto, a torna líquida. Derrete, liquesce, dissolve. Mas não acaba com a danada.

O Abanador, ora, o Abanador se traveste de leque e, como tal, chacoalha a dor, abana, agita. A dor, como é do saber geral, sente calor. Um pouco acima que os seres humanos. O Esmolador é mais preguiçoso. Sem nada para fazer na vida, mendiga, piranganda e pede. Implora para a dor não ir embora. Vejam que sem vergonha! O Triturador, não fica atrás, nem se deixa levar pelas conversas moles do Esmolador.  Como um abestalhado, se debate, quer despedaçar, macerar, machucar, quebrar, retalhar a dor. Geralmente a deixa em frangalhos, a mercê de um amontoado de resíduos.  O Aparador, mais calmo e sereno, afunila, aplaina, desbasta, segura a dor quando ela está na iminência de cair.  Quem sabe, dessa forma ela (não vindo abaixo), não doa tanto nos costados dos viventes. O Embromador, primo do Aparador, sem alternativa alguma, brinca, moteja, troça, bigodeia, trambica barra, engrupa. Dito de outra forma escarnece com a dor. De repente, surge em cena o Espanador, irmão do Aspirador, saído não se sabe de onde e, sem que ninguém espere por esse gesto, retira o pó acumulado, limpa, espalha, insufla e bafeja para que a infeliz vá parar nos quintos do inferno.

Temos igualmente o Elevador. Arisco, não fica de fora, vem lá de baixo e suspende. Sobe e desce, desce e sobe. Ergue, levanta, edifica, eleva a dor ao topo. Põe a vagabunda lá no alto. Quer jogá-la do trigésimo oitavo para ver se a marrenta se esborracha na calçada, mas ela, oportunista, acaba voltando para a rua usando as escadas. O Contador, mais astuto e sagaz, tenta levar a dor no papo. Faz de tudo para alcançar seus objetivos. Pinta, relata, traça planos e metas, sem marcos definidos, verdade seja dita, mas não deixa de fazer a sua parte suja. Por debaixo dos panos, coloca a dor na berlinda, mostra a ela o balanço, esperando, evidentemente, ver o líquido no final do mês. O resto, que se dane. O Historiador é um caso diferente, à parte. Põe tudo no papel e minucia a dor. Descreve as suas várias formas e facetas. Temos também o Estofador, sujeito insatisfeito, para dessestressar a sua fúria, trinca a dor, escorcha, escoria, esfola com ela. Não bastasse, exulcera a filha da mãe e a escarpela.

O Condor, mais velhaco, tenta inutilmente se livrar da sua presença nefasta. Contudo, está sempre com uma dor novinha em folha, um incômodo diferente a lhe ferir os brios. A coisa parece eterna. Enquanto isso, o Governador, na maior tranquilidade, capitaneia a dor em benefício próprio. Geralmente trabalha para que ela doa com força total no bolso de quem o colocou no poder. Em conluio com o Estofador enchumaça a dor. Procura lhe propiciar formas mais sucintas. Em outro prumo, o Condutor conduz a dor. Pensa em levá-la para longe. Oferece carona, mas qual o quê! O Destruidor, em paralelo, sonha com mais percuciência. Quer, a qualquer custo, desmantelar, extinguir definitivamente com ela. Como o Exterminador do futuro, o Demolidor cobiça, no mesmo pontapé, arrancar a sua raiz, derrocar de uma vez por todas com a desgranhenta.  O Gozador alheio a todos, não leva nada a sério. Ri, pois, de todo mundo e ainda moteja da cara da dor.

O Extrator extrai a dor e salta de banda. O Mergulhador pula de cabeça, vai fundo, tenta afogá-la, porém, a peste sempre sai vencedora. O Sublocador arrenda a dor a quem estiver interessado. Tem livre acesso a corredores de hospitais, notadamente os depósitos de pessoas em estado terminal nas mãos do INSS. O Bocejador, feito um babaca de carteirinha, abre espasmodicamente a boca e oscita arreganhando os dentes. A dor o vê com olhos mansos. O Eletrocutor, malvado e sem coração, aplica uma descarga na dor. Todavia, mesmo com esse choque terrível em seu lombo, ela não perde a pose, não sucumbe. Não recua, resiste, persiste, insiste. Num contrassenso inexplicável, o Bajulador dando uma de bom samaritano, se desfaz em mesuras e acaba se tornando um capacho da fatídica figura. Vira, na verdade, um tremendo puxa saco dela e não há quem o demova dessa situação constrangedora. O Enlatador suste a dor. Faz dela uma espécie de sardinha sem cabeça e sem conserva. O Cantador em versos rítmicos modilha as suas proezas. O Opressor oprime a dor.

O Comedor, nessa altura do campeonato, é o único que tenta sair bonitinho na foto e, de fato, se dá bem, escapando de fininho, pela tangente, como quem não quer nada. Ele come em silêncio, pelas beiradas, devora, tira a virgindade. Depois esconde o ato praticado, a fim de não ser preso com o comedor de lavagem na botija. Em seguida, volteia por cima, deita na cama, se cobre com o lençol da fama e para não perder a moral se posa de “fudião” descabaçador. Nesse horizonte de vários matizes, temos ainda o Escridor, perdão, o Escritor. O sujeito, como o nome indica, escreve sobre a dor. O Sofredor, outro lado do desafortunado, esse, coitado, não tem saída. Sofre, padece muito, se aflige indefinidamente. Quieto, rabinho entre as pernas suporta calado em todos os sentidos, as situações mais infamantes e injustas. Isso porque a dor, a dor não se afasta da sua beira. Fez morada eterna dentro de sua alma, de sua vida, e não larga, nunca, do seu pé.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo. 20-8-2019

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