Este Orçamento seria abençoado
por muitos se a assinatura fosse de Sócrates
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Foto: Filipe Casaca |
Ana Sá Lopes
À excepção de Fonseca Ferreira
(residual), de António José Seguro (activo nos bastidores mas silencioso em
público) e de Manuel Alegre (que oscilou entre uma grande violência verbal que
foi extinta quando se tornou candidato oficial às presidenciais) o PS de
Sócrates funcionava numa espécie de ditadura em que o iluminado apenas se
aconselhava com três pessoas.
O secretariado nacional, o
órgão de direcção do partido, tornou-se uma aberração – pura e simplesmente não
reunia, não existia e só não foi declarado extinto em nome da História e
memória, talvez.
Com a excepção da derrota das
europeias de 2009 – onde houve de facto contestação ao rumo das políticas – as
restantes reuniões da Comissão Política se não estavam ao nível de um encontro
de ex-alunos, estavam lá perto. Havia as tais excepções, mais Ana Gomes e pouco
mais.
Sócrates não se podia afrontar
porque não se podia afrontar. Muito poucos socialistas ousaram falar fora da
linha que era definida pelo secretário-geral cada vez mais refugiado dentro de
uma bolha, a bolha da sua cabeça omnipotente. O domínio de Sócrates sobre o PS
foi provavelmente mais obsessivo do que o domínio de Cavaco Silva sobre o PSD –
e Cavaco Silva não foi um menino de escola nesta matéria.
É importante lembrar a
história mais-do-que-recente quando, agora, a maioria dos defensores do envio
do Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional à revelia do
secretário-geral, estão precisamente aqueles que assinavam tudo o que Sócrates
dizia, por baixo e sem um suspiro de dúvida.
Um partido que se absteve
relativamente ao Orçamento do Estado para 2012 não pode ter dúvidas
constitucionais sérias. Se este orçamento fosse apresentado por José Sócrates –
e foi Sócrates que assinou o acordo da troika que obriga a metas inconcebíveis
– a maioria destes subscritores lamentaria profundamente, ficaria ao lado do
chefe com o supremo argumento de que por causa do memorando da troika não
haveria nada a fazer.
O que é desagradável nesta manobra para obrigar o Tribunal Constitucional a declarar a constitucionalidade do orçamento é que ela não se destina a atingir o governo – o alvo directo é
António José Seguro, que vai gerindo com extremas dificuldades o compromisso
entre estar ao lado da troika e, ao mesmo tempo, distante. A tentativa de
quadratura do círculo, nestas circunstâncias, é impossível. Seguro tem duas
opções: manter-se na oposição sem poder, aprovando tudo, acossado por quem
assinava o orçamento se a ordem fosse de Sócrates e ficando inelutavelmente
ligado à austeridade. A outra opção é aceitar entrar numa coligação, com poder.
Nenhuma das opções é boa, mas os riscos já são equivalentes.
Título e Texto: Ana Sá Lopes,
jornal “i”, 03-01-2012
Deputados do PS querem levar
Orçamento ao Tribunal Constitucional
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Foto: António Pedro Santos |
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