quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Custe o que custar para os lados da despesa, senhor primeiro-ministro

António Ribeiro Ferreira
Muitas vozes, os Velhos do Restelo do século XXI, andam por aí a dizer que Portugal não tem qualquer hipótese de cumprir o Memorando de entendimento, que o dinheiro contratado não vai chegar e que o melhor seria desde já renegociar os prazos de redução do défice e pedir mais uns 30 mil milhões de euros antes que a torneira europeia se feche. As mesmas almas, sempre cheias de certezas e verdades absolutas, também acham perfeitamente impossível que Portugal consiga cumprir o défice estrutural de 0,5% do PIB imposto no novo tratado orçamental assinado por 25 países da União Europeia.
Para esta gente, que tornou possível a bancarrota, a dívida externa brutal e criou as condições para o desemprego atingir níveis impensáveis, é impossível o Estado reduzir substancialmente a despesa pública e ainda mais baixar os impostos a médio prazo. Tudo é impossível. E bastaram algumas medidas mais fortes de corte nas despesas, nomeadamente com a redução de salários e o fim dos subsídios de Natal e de férias para a função pública, para as mais altas figuras do Estado saltarem para a praça pública com discursos fortes, alarmistas, mesmo apocalípticos. É o que Portugal tem e não há volta a dar. O senhor Presidente da República acha perfeitamente normal e possível que a economia nacional seja alimentada pelo investimento e pela despesa pública e que o Estado se endivide o necessário e o suficiente para manter bem gordinhas as empresas que só sobrevivem com as obras e os consumos das autarquias, das regiões autónomas e da monstruosa administração central.

O senhor Presidente da República acha possível e muito positivo que o Estado ande por aí a construir auto-estradas sem custos para o utilizador, que gaste milhões em TGV e aeroportos. Mas o senhor Presidente da República fica muito incomodado e acha inconcebível o governo só cortar os subsídios aos empregados do monstro. Provavelmente em privado, o senhor Presidente da República acha mesmo impossível que se reduza a despesa e se cumpram as metas da troika e do novo pacto orçamental. Com estes exemplos, é natural que outra figura do Estado, no caso a quarta, tenha aproveitado mais uma missa solene por alma da justiça para vir a terreiro defender os direitos adquiridos como algo de sagrado e imutável, num tom apocalíptico sobre o Inverno ou Inferno do descontentamento, como se o país tivesse alguma vez vivido no oásis ou no paraíso.
É por essas e por outras que é bom prevenir antes de remediar quando se ouve o primeiro-ministro dizer, em tom grave, que vai cumprir o programa da troika custe o que custar. A determinação é boa e obviamente que um governo responsável não tem mesmo outro remédio. Mas como há muitas maneiras de levar a água ao moinho e o hábito faz o monge, é preciso avisar Pedro Passos Coelho de que aumentar impostos não é de certeza o caminho certo para Portugal, os portugueses, a economia e o desemprego. Cumprir o programa pelo lado da receita é matar de vez o crescimento económico e atirar mais portugueses para a miséria absoluta.
Título e Texto: António Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 02-02-2012
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