O Estado de S.Paulo
Criada pela Constituição de 88
para defender o Executivo nos tribunais e assessorar juridicamente o presidente
da República, a Advocacia-Geral da União (AGU) está vivendo a maior crise de
sua história. Instalado em 1993, o órgão tem 7.481 integrantes, entre advogados
da União, procuradores federais e procuradores da Fazenda Nacional - todos
selecionados por concurso público. Mas, numa decisão tomada sem consulta a
esses profissionais, o chefe do órgão, Luís Inácio Adams, elaborou um projeto
de lei complementar que prevê a nomeação, como advogados federais, de pessoas
de fora da carreira e sem concurso.
O projeto foi encaminhado ao
Congresso no dia 29 de agosto pela presidente Dilma Rousseff. O Fórum Nacional
da Advocacia Pública Federal - integrado por sete entidades de procuradores da
Fazenda, Previdência Social, do Banco Central e de procuradores lotados em
autarquias e ministérios - acusa Dilma e Adams de tentar aparelhar
politicamente a AGU, colocando-a a serviço do Partido dos Trabalhadores (PT).
Para os dirigentes do Fórum, a partir do momento em que Adams assumiu a AGU, em
outubro de 2009, ela deixou de ser um órgão de Estado, convertendo-se em órgão
de assessoria jurídica e política dos ocupantes do Palácio do Planalto e dos
líderes da base aliada na Câmara e no Senado.
Os dirigentes do Fórum também
alegam que a gestão de Adams é "caótica", do ponto de vista do
interesse público, e afirmam que o polêmico projeto de lei foi elaborado na
surdina, para criar um fato consumado. Pela legislação em vigor, apenas o
advogado-geral da União pode ser de fora do quadro de profissionais do órgão.
Todos os demais cargos são exclusivos de servidores concursados. Pelo projeto
de lei complementar enviado por Dilma ao Congresso, os postos de procurador-geral
da União, procurador-geral da Fazenda Nacional, procurador-geral federal,
procurador-chefe do Banco Central, consultor-geral e consultores jurídicos dos
Ministérios são de livre indicação do chefe da AGU - que, por sua vez, exerce
um cargo de confiança do chefe do Executivo.
O projeto de Adams tem outros
pontos polêmicos. Ao redefinir as atribuições do chefe da AGU, ele aumenta
significativamente seus poderes decisórios, esvaziando parte das competências
dos advogados públicos concursados. E também tipifica como infração funcional o
parecer do advogado público que contrariar as ordens de seus superiores
hierárquicos. Assim, a vontade dos procuradores-chefes, indicados com base em
conveniências políticas, prevaleceria sobre o entendimento técnico dos
advogados de carreira.
Hoje, mesmo não sendo
aprovados pelos chefes, os pareceres dos advogados e procuradores são anexados
aos processos administrativos e judiciais - o que permite à população conhecer
as discussões jurídicas travadas dentro de órgãos e autarquias. "Vai ser
falta grave o profissional concursado da AGU contrariar a orientação
administrativa de seu chefe. É o outro lado do aparelhamento, ao tirar a
independência funcional dos advogados de carreira", diz Marcos Luiz Silva,
presidente da Associação Nacional dos Advogados da União. "A possibilidade
de eliminação de pareceres contrários ao entendimento do superior hierárquico
fulmina a independência que se exige para o exercício de uma advocacia de
Estado, possibilitando intervenção política em diversas matérias sensíveis à
sociedade, como os pareceres em licitações e convênios. O projeto é um atentado
ao Estado Democrático de Direito e põe em risco a existência da própria
AGU", afirmam os dirigentes do Fórum Nacional da Advocacia Pública
Federal.
Após a condenação do deputado
João Paulo Cunha (PT-SP) pelo Supremo Tribunal Federal, por crimes de
corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, o presidente do PT, Rui Falcão,
afirmou que o mensalão foi um "golpe da elite", que recorreu a
"setores conservadores da Justiça para derrotar o partido".
O projeto de lei complementar
que abre caminho para o aparelhamento da AGU é a primeira tentativa efetiva do
PT de interferir no universo jurídico, esvaziando sua independência e
atrelando-o aos interesses do partido.
Título e Texto: Editorial, O Estado de São Paulo, 10-9-2012
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