Essa imensa e transversal
corporação do “país pendurado no Estado” não só trabalha com genica e despudor
em causa própria como reciclou a velha linguagem da luta de classes numa
espécie de língua de pau em que a defesa dos seus interesses é sempre
apresentada como a defesa do serviço público.
De repente, na Nacional 1,
surge a Ponderosa. Lembram-se? Aquele que foi um ponto de paragem obrigatória
na nossa infância, que tinha um motel como nos filmes americanos, piscina,
máquina automática para lavar automóveis, bar e, garante-me um amigo que a
cobiçou sem sucesso, uma carruagem como as do Oeste em cima da lareira. Agora
com um ar decadente que a aproxima de facto daquelas cidades do velho Oeste,
que de um dia para o outro viram os seus habitantes rumar para outras paragens,
estava ali a Ponderosa. Só que estava praticamente vazia.
Não foi a corrida ao ouro quem
desviou os forasteiros da sua porta mas sim as A's, os IP'ês, os IC'ês e todo
esse emaranhado de rodovias que transformaram a velha Nacional 1 num percurso
para camionistas que não querem pagar portagens e viajantes ocasionais. Poucas
vezes como diante das portas fechadas dos outrora grandes restaurantes da
Nacional 1, se me tornou tão óbvio que existem dois países: um, assente no
Estado e que usa o seu poder nos conselhos, nos tribunais, nas ordens, nos
sindicatos, nas confederações, nas fundações, nos partidos... - ou seja nas
instâncias alegadamente reguladoras - para resistir à mudança ou para adiá-la o
mais possível de modo a já não ser afectado por ela. O outro é aquele que não
tem poder para impedir a mudança ou condicionar as opções do Estado e como tal
fica sujeito às suas crises, caprichos, opções e falências.
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Foto: O Sinaleiro |
Nos últimos três anos vimos
bispos eméritos terem visões infernais de fogueiras nos subúrbios.
Observatórios observando que a guerra civil estava a chegar. Antigos
presidentes da República e generais apelando ao corte de cabeças. Tivemos
também coronéis a fazerem a apologia de golpes de Estado. Reformados de ouro
com direito a pensão de sobrevivência a falar de fome. Sindicalistas vitalícios
cantando loas à subversão. Artistas, bolseiros do berço à cova e cantores por
conta das autarquias anunciando-nos o fim da Pátria porque a Pátria ia ficar
privada de os ver, ouvir e ler. Aparelhos partidários invocando a solidariedade
social. E todos, todos unidos numa frente contra a austeridade que, diziam, a
‘troika' impusera.
Mas não, não era da
austeridade de que falavam nem foi ela - que aliás sabem indispensável e por
isso dizem ser contra "esta" austeridade, como se outra existisse -
que os levou a correr para os estúdios de televisão, a eles que se diziam tão
cansados de mediatismo e do simplismo do discurso jornalístico! O que os
sobressaltou foi, sim, o receio de que esse olhar estrangeiro caísse sobre os
vícios e as manhas do País. Ou seja sobre tudo aquilo que tem garantido o poder
e o prestígio da grande corporação que vive do Estado, essa corporação tão
grande e tão poderosa que senta à mesma mesa desde velhos inimigos de 1975 a
bispos e maçons.
Perante a ‘troika' a grande
corporação teve medo. Medo de que o seu estatuto fosse abalado, de que o seu
mundo de certezas tremesse como aquelas tabuletas que o vento faz oscilar ao
longo da Nacional 1 em locais onde agora já não pára ninguém. Medo de que algo
tivesse de mudar na fundação, no gabinete, na confederação, na empresa pública
ou na empresa privada que faz de conta que é pública. Mas agora que a ‘troika'
está quase a partir todos sabemos que a grande corporação não só sobreviveu à
crise como se prepara para novas conquistas. Quem sabe talvez resolvam até
fazer a Casa-museu Ponderosa em nome das nossas memórias de infância. Afinal já
se fizeram outras bem menos justificadas e certamente com menos procura.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 13-05-2014
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