quarta-feira, 7 de maio de 2014

Houve ou não reformas?


Luís Naves
Uma polémica com Miguel Noronha, de O Insurgente, deu origem a uma troca de comentários naquele blogue e uma resposta em que o autor afirma não conhecer as reformas essenciais que foram concretizadas ao longo dos três anos de ajustamento. É uma afirmação estranha, na realidade um mito que faz o seu caminho na opinião pública. E julgo que combater os mitos do Olimpo é uma obrigação intelectual, por muito difícil que isso seja. 

O memorando de entendimento assinado com a troika em 2011 identificava três áreas prioritárias para as reformas estruturais: rendas excessivas, mercado laboral e justiça. O memorando previa ainda mudanças na segurança social, no sistema político e na dimensão do Estado, o que se convencionou chamar ‘reforma do Estado’ e que não era para concluir apenas em três anos. Mas o essencial dizia respeito à eficácia dos tribunais, flexibilidade laboral e custos de energia, saúde e estradas.

Foram executadas mais de 200 medidas no âmbito dos três bloqueios identificados. O Estado tem hoje menos 100 mil trabalhadores do que tinha em 2010, o País já não possui o problema de rigidez das leis laborais que a troika identificou, foi feita uma ambiciosa reforma da justiça, foram aprovadas novas leis da concorrência, elevada a idade da reforma, contidos os exageros nas reformas antecipadas, controlados os gastos do sector empresarial do Estado, reduzidos de forma muito substancial os custos dos medicamentos. Foram também extintos organismos redundantes e reduzidos os gastos com chefias. O PIB caiu 6% durante o ajustamento, mas mesmo assim os gastos do governo, em percentagem da riqueza total, baixaram. Este ano será possível obter um orçamento com saldo primário positivo. Portugal passou em 12 avaliações da troika e o memorando foi integralmente cumprido. Se estas não são reformas estruturais, o que são reformas estruturais?

Isto foi conseguido com a economia em queda, com oito chumbos (até agora) do Tribunal Constitucional e com a quase total hostilidade da comunicação social. Foi conseguido apesar das enormes contradições dentro da coligação no poder e das pressões quase insustentável dos grupos de interesses que tinham mais a perder.

O problema é que as reformas estruturais levam tempo a produzir frutos e estas não escapam à regra. Dentro de dois ou três anos, serão evidentes as vantagens dos sacrifícios que o País fez durante o período de ajustamento, mas a reforma do Estado levará uma década a concluir, pois há mudanças que não se esgotam num único mandato, quanto mais em três anos, o que exigirá discussão e votação, daí que eu mencione o próximo ciclo político. E nunca podemos esquecer os erros da troika, que tinha divisões internas e manteve uma atitude ambígua de polícia bom e polícia mau (europeus e FMI), que acabou por se traduzir em erros, impaciência, falta de apoio nos momentos cruciais e até alguma estupidez burocrática. A troika foi várias vezes um desastre, sobretudo por causa do FMI, e não temos de agradecer nada, pelo contrário.
Título, Imagem e Texto: Luís Naves, Fragmentário, 07-05-2014

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