Francisco Vianna
Há exatamente 70 anos, do dia
de hoje, centenas de delegados de 44 nações estavam aferrados ao trabalho, em Bretton Woods,
no pequeno estado americano de New Hampshire, para criarem um novo sistema
financeiro para o mundo livre. A Segunda Guerra Mundial tinha acabado de
terminar e a Europa estava em ruínas.
E, uma vez que os EUA eram,
simultaneamente, a maior economia do mundo, o principal vencedor da guerra, e a
única grande potência com sua capacidade produtiva intacta, não foi difícil
para os americanos ditarem seus termos: o dólar iria dominar o novo sistema
financeiro mundial. Cada nação passaria a acumular dólares como moeda de
reserva primária, e o dólar seria trocado por ouro a razão de 35 dólares por
onça do metal. Além disso, o comércio global seria realizado e liquidado em
dólares e esses assentamentos abririam através do sistema bancário dos EUA.
Naturalmente, isso criou uma
demanda substancial de moeda americana por governos estrangeiros que precisavam
começar a acumular dólares para garantir suas reservas e equilibrar o comércio
internacional. Assim, através de uma variedade de programas, desde o Plano
Marshall ao FMI e o Banco Mundial, os EUA começaram a inundar o mundo com
dólares.
Inicialmente tudo correu conforme
o planejado. Mas logo o governo dos EUA percebeu que algo importante na demanda
estrangeira pelo dólar foi tão forte que eles passaram a impressão de ter mais
dólares do que tinham em ouro. Isto lhes permitiu executar todos os tipos de
déficits e iniciativas de gastos – mais guerra, mais bem-estar, mais lixo... –
tudo com responsabilidade mínima. Inicialmente, as consequências foram
insignificantes. Claro que o preço do ouro em Londres foi alguns dólares mais
elevado do que nos EUA (eles chamavam isso de "janela do ouro"). Mas
a demanda para o dólar ainda era forte. Então, por que se preocupar em mudar,
não é mesmo?
Em 1971, a situação já tinha
ficado muito pior. Outra década de guerra e os gastos excessivos, os déficits
comerciais e a impressão de dinheiro sem lastro já havia empurrado muitas
nações estrangeiras para situações pré-falimentares. As reservas em dólar das
nações estrangeiras superaram as participações do governo dos EUA em ouro. E,
com a confiança em declínio, muitos começaram a resgatar seus dólares por ouro.
Apenas alguns dias depois
disso, Richard Nixon pôs um fim a isso e rescindiu unilateralmente a
conversibilidade do dólar dos EUA ao ouro. Estava anulado o padrão ouro como
base de lastro do dólar no mundo.
Pense agora sobre a magnitude
dessa decisão: Nixon efetivamente deu “um calote de colarinho branco” nas
obrigações norte-americanas para com o resto do mundo – uma traição completa de
sua confiança e aos princípios do capitalismo privado. No entanto, apesar de
tal choque enorme redefinir o sistema financeiro global, o dólar de alguma
forma conseguiu manter-se a moeda número um da reserva financeira do mundo.
Você acha que os EUA deviam
ter sido gratos, dando graças à sua ‘estrela da sorte’ pelo fato de o resto do
mundo lhes dar uma segunda chance? Mas não. Ao longo dos últimos 43 anos, os
EUA continuaram a imprimir, desvalorizar e vilipendiar o dólar.
Depois, outro democrata
‘progressista’, Bill Clinton, agravou muito mais as coisas usando o incipiente
capitalismo de estado americano para corromper todas as medidas de segurança do
mais poderoso sistema bancário do mundo e forçá-lo a por em prática, ainda que
de modo indireto, o distributivismo socialista de crédito para que “todos os
americanos pudessem adquirir, mesmo sem poder, suas casas próprias e outras
coisinhas mais típicas do ‘sonho de estilo de vida americano’”.
A bolha do subprime então
cresceu vertiginosamente e explodiu na cara daqueles que compraram os falsos
papéis ‘tóxicos’ do Banco Central Americano, o FED, mas que acabou gerando um
tsunami no ambiente financeiro internacional cujas consequências ainda não
foram totalmente contornadas.
Ao longo desse caminho, o FED
criou outras bolhas não tão épicas e choques financeiros não tão destrutivos
que atingiram direta ou indiretamente todas as demais nações do planeta. Essas
nações, por sua vez, passaram a correr atrás dos maiores déficits e atingir
níveis de endividamento jamais vistos na história do mundo. Brigavam
internamente ao ponto de tentarem desligar seus governos de suas economias. O
bloco da União Europeia, que tentava se transformar numa espécie de “Estados
Unidos da Europa” empacou e seus países membros voltaram a se aferrar aos seus
nacionalismos tradicionais. Bom isso, na medida em que o bloco voltou a ser
apenas um bloco econômico, para desânimo da Alemanha.
O Congresso americano fez
aprovar regulamentos dolorosamente arrogantes e que forçaram o resto do mundo a
embarcar, sob ameaças, em algo equivalente a um homicídio financeiro. Puseram
suas autoridades fiscais e valores mobiliários para aterrorizar qualquer um que
não fizesse negócios com os EUA ou que passassem a fazer negócios com países
desafetos dos americanos.
A Casa Branca e o FED
ignoraram totalmente os apelos estrangeiros para a reestruturação do FMI e do
Banco Mundial. Surraram os bancos estrangeiros com multas recordes,
simplesmente por fazer negócios com outras nações que não fossem os EUA ou que
os EUA não gostassem.
Acontece que o lastro real
para as emissões de moeda, em dólares, autorizadas pelo FED americano, na
verdade, era o montante da dívida dos demais países com Washington, dívida essa
que não poderia ser liquidada quer com dólares quer com qualquer outro metal ou
valor de mercadoria disponível, inclusive o petróleo.
Assim sendo, o Tesouro
americano encontrou afinal uma “fórmula” para receber essa dívida do resto do
mundo: imprimir dólares. E apesar dos trilhões impressos, acreditem, eles ainda
têm muitos outros a receber do resto do mundo, que ajudaram a conhecer a maior
prosperidade de todos os tempos: a ocorrida na segunda metade do século XX.
Os países que hoje querem sair
desse redemoinho financeiro, como os BRICS, se esforçam para instituir um novo
padrão financeiro para o mundo e para o comércio internacional. Todavia, a
dívida para com os americanos ainda é grande demais e muitos não acreditam que
conseguirão o que pretendem, mesmo porque, com exceção da China, suas ambições
extrapolam os limites do econômico e invadem perigosamente o âmbito do político.
Em todo o caso, desde a
supressão do padrão ouro pela administração democrata de Richard Nixon,
qualquer tipo de calote pode ser considerado a partir desse calote americano. O
que não sabem é se podem arcar com as consequências disso.
Se isso for possível sem
guerra, o dólar deverá desaparecer como padrão monetário internacional em
questão de dois a três anos. Caso contrário continuará a financiar a “pax
americana”, como a maioria parece desejar.
Na verdade, procura-se uma
nova Bretton Woods para o mundo atual... Mas o Grupo de Bilderberg não parece
disposto a incluir o tema em sua agenda.
Título e Texto: Francisco Vianna, 16-07-2014
Muito bem explicado. Mas o “refúgio” no dólar continuará em razão do que se chama “segurança jurídica”...
ResponderExcluirAí está uma bela fantasia (sem dó menor/maior) – querer imaginar o mundo, sobretudo Global.
O fato é que na atual e persistente crise global – criou-se a ilusão que o mundo pode conviver com três ou quatro grandes moedas (reserva de divisas), ou seja, o Dólar, Euro e Yuan, mais o flamante Rublo.
As grandes economias investem em títulos norte-americano como China, Japão, Alemanha e, também o Brasil, atraídos pelo que se chama de segurança jurídica...
O resto é bolivarianismo explícito.
Rivadávia Rosa
Já se passaram mais de três anos...
ResponderExcluir4 anos!
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