Mário Sabino
No dia 29 de janeiro de 2008,
a PF indiciou-me na esteira do escândalo dos aloprados. Durante dois anos, o
redator-chefe da revista Veja permaneceu como o único indiciado nessa vergonha.
Em 15 de setembro de 2006,
pouco antes do primeiro turno das eleições, petistas foram presos pela PF num
hotel de São Paulo, com o equivalente a mais de 1,7 milhão de reais em espécie.
O dinheiro era para comprar um dossiê falso contra José Serra, que concorria
contra Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo. Como de hábito, Lula correu
para dizer que não tinha nada a ver com aquilo, que se tratava de "um
bando de aloprados".
Reuni um editor-executivo e
três repórteres para fazer uma reportagem sobre o caso. A missão era obter a
foto da dinheirama – mantida sob sigilo pela PF – e informações exclusivas
sobre a malandragem. Missão dada, missão cumprida. Eles não apenas conseguiram
a foto, como descobriram que Freud Godoy, segurança de Lula, e José Carlos
Espinoza, assessor do então presidente da República na campanha de reeleição,
haviam visitado secretamente o aloprado Gedimar Passos na carceragem da PF.
Publicada a reportagem, a PF
negou o encontro de ambos com o preso, mas abriu uma sindicância interna para
apurar a história. Os repórteres foram gentilmente convidados a relatar de viva
voz a sua descoberta a um delegado. Eles foram acompanhados de uma advogada da
Abril.
Eu ainda estava em casa,
quando recebi um telefonema do editor-executivo que comandara a reportagem. Um
dos repórteres havia conseguido ligar para ele – na verdade, uma repórter – e,
muito nervosa, dissera que o delegado estava intimidando os jornalistas da
revista e a advogada da Abril, sob o silêncio da representante do Ministério
Público. O sujeito gritava que a reportagem da Veja era mentirosa, além de
exigir que eles revelassem fontes e como tinham obtido a foto do dinheiro.
Telefonei para Márcio Thomaz
Bastos e deixei recado para que me ligasse. Em seguida, entrei em contato com
Fernando Henrique Cardoso e o senador Tasso Jereissati, que estava em São
Paulo. Os dois se dispuseram a seguir para a sede paulista da PF, a fim de
exigir que os repórteres e a advogada fossem liberados. Nesse meio-tempo,
recebi o telefonema de Márcio Thomaz Bastos. Disse ao ministro da Justiça que
ele segurasse os seus aloprados. Márcio Thomaz Bastos mandou que a PF liberasse
todos imediatamente. A sua ordem foi seguida, sob comentários irônicos do
delegado intimidador.
Na redação, chamei os
envolvidos e cruzei as versões. Todos confirmaram a intimidação e me forneceram
detalhes idênticos. O editor-executivo ligou para a representante do MP, que
também relatou a situação vexatória sofrida pelos jornalistas e pela advogada.
A essa altura, os jornais começaram a me procurar. No dia seguinte, noticiaram
o absurdo. O Globo reproduziu o meu diálogo com Márcio Thomaz Bastos. Diante da
repercussão, a representante do MP voltou atrás na sua versão e afirmou que não
havia ocorrido intimidação. Os jornais colocaram a versão dos repórteres da
Veja em dúvida. Fui adiante, com o aval do diretor de redação. Escrevi uma
matéria para contar o episódio aos leitores da revista. A Veja ainda publicaria
mais duas reportagens sobre o delegado intimidador. Entre outras coisas,
descobriu-se que a PF o havia "importado" de Sorocaba, a fim de interrogar
os jornalistas.
A PF abriu outra sindicância
interna. Meses depois, concluiu que não havia ocorrido intimidação. O caminho
estava aberto para que o delegado intimidador me processasse por ter escrito a
reportagem que relatara o absurdo cometido contra a liberdade de imprensa. Fui
acusado de calúnia e difamação. Curiosamente, o delegado que conduziria o
inquérito era o mesmo que havia chegado à conclusão de que os repórteres e a
advogada da Abril eram mentirosos.
Ao ver que o clima estava
pesado para mim – eu também era alvo constante dos blogueiros sujos do PT –,
Roberto Civita resolveu contratar bons criminalistas. Roberto Podval e Paula
Kahan Mandel me defenderiam. Vi-me intimado a depor na mesma PF que havia
esquecido os aloprados, absolvidos que foram, em 2007, por "falta de
provas". O delegado havia acordado com os meus advogados que eu falaria e
sairia de lá sem acusação formal.
Prestei o depoimento, deram-me
a transcrição para eu ler, pedi para que corrigissem o português e assinei.
Levantei-me para ir embora, mas o delegado pediu que eu assinasse outro papel.
Era o meu indiciamento. Roberto Podval e Paula Kahan Mandel tomaram o papel das
minhas mãos e entraram numa discussão acalorada com o delegado. Saí da sala e,
apesar da porta fechada, o andar inteiro ouvia os gritos que de lá ecoavam. Fui
indiciado à revelia. O delegado recebera ordens para me indiciar de qualquer
jeito. A PF havia sido balcanizada pelo lulopetismo.
No início de 2010, finalmente,
depois de muitas idas e vindas, a ação penal contra mim foi trancada pela
Justiça Federal de São Paulo, mediante habeas corpus impetrado pelos meus
advogados. O desembargador Otavio Peixoto Junior escreveu:
"Óbvio que os jornalistas
não inventaram nada. Alguma coisa o delegado fez que foi sentida ou
interpretada como constrangimento e intimidação. Os repórteres não iriam
inventar, tirar isso do nada. A meu juízo, o que há é mera notícia de fatos no
exercício da liberdade de imprensa e isso é tudo. O que pode haver de mais é o
uso do inquérito como retaliação e não duvido que, fosse caso de dilação
probatória, surgissem elementos de convencimento dessa hipótese."
O delegado intimidador caiu do
telhado e morreu (não é piada). Paula Kahan Mandel deixou a advocacia e se
mudou para Nova Iorque. Roberto Podval se tornaria advogado de José Dirceu
("Mas o seu foi o caso mais difícil que enfrentei", brinca ele). A
advogada da Abril morreu de câncer. Os três repórteres e o editor-executivo
saíram da Veja bem antes de mim. O dinheiro dos aloprados foi para a União.
Título e Texto: Mário Sabino, Newsletter do
Antagonista, 15-8-2016
Esse episódio demonstra que ao contrário das declarações do Lulla e da Dillma de que nunca interferiram em investigações da PF, o lulopetismo criou obstáculos para evitar o indiciamento dos "aloprados", nome fantasioso dado pelo Lulla à sua quadrilha, chefiada pelo seu homem de confiança FREUD GODÓY!
ResponderExcluir