Reinaldo Azevedo
Se alguém me perguntar o que
mais me irrita na vida pública brasileira além da roubalheira, da
incompetência, da desídia — essas coisas que irritam toda gente —, a minha
resposta será esta: a falta de decoro. As autoridades brasileiras, com raras
exceções, estão perdendo qualquer senso de solenidade — muito especialmente a
solenidade do cargo que ocupam. É um dos aspectos que admiro no presidente Michel
Temer: encarna o que me parece ser a correta neutralidade do estado. “Ah,
ninguém é neutro etc. e tal…” Eu sei. Mas deixemos isso para ser decodificado
por analistas, cientistas sociais, críticos profissionais, jornalistas… Que a
autoridade se esforce!
Lewandovski, foto de Alan Marques/Folhapress |
Infelizmente, não é o que
temos visto. O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, comportou-se muito mal
nesta quinta na abertura, em Porto Seguro, do 6º Encontro Nacional de Juízes
Estaduais, que é realizado a cada três anos pela AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros). Ah, sim: com direito a show de Ivete Sangalo e Diogo
Nogueira. Tá certo… Não faria muito sentido um encontro de magistrados, sei lá,
na periferia de Salvador, de São Paulo ou do Rio, onde estão os que têm fome de
Justiça, certo? Pareceu demagógico? Só estou evidenciando como é fácil fazer
demagogia, outra das práticas corriqueiras no Brasil que me causam asco.
Pois bem! Lá estava o ministro
do Supremo, certo? Um dos 11 varões e varoas de Plutarco da República. O único
discurso que lhe cabe é o institucional. A única coisa aceitável é falar dos
consensos que nos unem. Até os dissensos devem ser guardados para a Corte. A
única tarefa de quem presidiu o Supremo até outro dia era falar em favor do
povo brasileiro.
Mas não foi isso o que fez
Lewandowski. A voz que se ouviu era a de um militante sindical, e do tipo que
carrega no sotaque cutista. Disse ele, diante da categoria que compõe a elite
salarial do Brasil, sobre a reivindicação dos magistrados por aumento de
vencimentos: “Não há vergonha nenhuma nisso, porque os juízes, no fundo, são trabalhadores
como outros quaisquer e têm seus vencimentos corroídos pela inflação (…).
Condomínio aumenta, IPTU aumenta, a escola aumenta, a gasolina aumenta, o
supermercado aumenta, e o salário do juiz não aumenta? E reivindicar é feio? É
antissocial isso? Absolutamente, não”.
Foi aplaudido com entusiasmo.
Ele tinha mais a declarar:
“Para que possamos prestar um
serviço digno, é preciso que tenhamos condições de trabalho dignas e
vencimentos condizentes com o valor do serviço que prestamos para a sociedade
brasileira”.
Não quero parecer amargo, mas,
se o brasileiro pobre fosse convidado a dizer quanto vale, na média, o serviço
da Justiça, as palavras poderiam não ser as mais doces.
Notem: é claro que acho que
juízes têm o direito de reivindicar reajuste de salário e que defendo que
tenham vencimentos dignos. E eles têm! Mas disso devem cuidar as múltiplas
associações de magistrados.
As há mais no Brasil que
queijos na França. É de um ridículo ímpar que um ministro do Supremo vá falar
como líder de corporação.
Mais: é claro que ele sabe o
peso dessas palavras num momento em que se discute a MP 241. Parece que
Lewandowski está expressando uma opinião política, não? Ele sabe que também o
Judiciário vai ter de lidar com algo que lhe era estranho: teto de gastos. Um
ministro do Supremo tem a obrigação moral de falar para pacificar a nação e as
contendas, não para exacerbá-las. Um ministro do Supremo não pode ter grupo. Nem
lado.
Que os senhores da AMB e os
presentes se manifestassem nesses termos, vá lá. Que o homem que compõe a
cúpula de um Poder, que ele próprio presidiu até outro dia, resolva discursar
como sindicalista, bem, aí não dá.
Falta decoro.
Falta pudor.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, VEJA,
4-11-2016
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