Cristina Miranda
No governo de Sócrates, o país
gozou de uma prosperidade “caviar socialista” onde não faltou festa em todo o
sector público. O dinheiro que caía do céu aos trambolhões, “made in” UE, dava
para tudo. Não houve, na história de Portugal, período de maior regabofe que
este que nos hipotecou por décadas. Nele nasceram os piores negócios ruinosos
de sempre na CGD, com SWAPS e PPP. Depois da festa, Sócrates cortou pensões e
salários dos funcionários públicos para manter o barco à tona e subiu IVA. Mas
o buraco no casco era tão grande que em Março de 2011, já só havia dinheiro
para pagar mais um mês de salários e pensões. Estávamos falidos. Teixeira dos
Santos chama a Troika e o memorando de entendimento foi assinado. A UE
resgatou-nos.
Dizer-se que quem veio a seguir,
governou, é desonestidade intelectual. Na verdade, veio cumprir o que tinha
sido acordado pelo governo anterior. Portanto, na melhor das hipóteses, veio
aplicar o receituário ao doente, prescrito pelos médicos do anterior executivo,
ou seja, cumprir deveres assumidos. Sem alternativas. Recebeu um país doente,
quase moribundo, que era preciso curar antes de o pôr a produzir bem-estar. Por
isso, não pode ser imputada nenhuma responsabilidade pela austeridade imposta.
Os cortes nos salários e pensões já tinham sido feitos. O aumento do IVA para
23%, também. As outras decisões estavam definidas no memorando. Governar era a
fase seguinte. Aquela em que, depois de cumprida a missão de resgate, o país,
já estabilizado, retomaria seu caminho. Esse percurso foi de facto iniciado.
Mas foi abruptamente interrompido por eleições.
Sem vencer nas urnas, o nosso
“Indiana Jones” português, não perdeu tempo. Sabendo dos cofres cheios,
transformou-se em salteador da arca, e apoderou-se do poder enquanto havia
dinheiro para gastar. Uma manobra de mestre, diga-se, que, à conta de todo o
esforço sofrido dos contribuintes durante 4 anos, pagou promessas eleitorais a
uma classe amplamente privilegiada, com rendimentos acima da média e deu umas
migalhas para os asnos do privado. A popularidade subiu. Pelo meio, repete
incessantemente que o Passos é quem tem a culpa das dificuldades impostas aos
portugueses porque, claro, vem aí mais eleições e o dinheiro está a acabar. Por
isso há que ser rápido antes que a máscara caia…
Quem governa efectivamente e
sem desculpas, é Costa. Porque recebeu um país sem Troika, que no 2° trimestre
de 2015 subia a procura interna (3,7%); subia exportações (7,1%); subia
investimento (5,2%); subia crescimento (1,5%). Mas em igual período deste ano,
e sem explicação plausível, sem crise pelo meio, a sua geringonça baixou todos
os indicadores para valores miseráveis. Baixou todos alto lá! O défice aumentou
de 49 milhões para 933 milhões.
Ninguém pode dizer como seria
efectivamente se Passos tivesse governado, mas a avaliar pelo pouco legado que deixou,
teríamos, seguramente, à semelhança de Espanha, um franco crescimento, e
consequentemente mais emprego, menos impostos, juros mais baixos, reposições
graduais sustentadas de rendimentos, menos dívida. Nesse âmbito, teria havido
espaço para implementar políticas sociais que estiveram comprometidas com o
resgate.
Mas Passos não governou… ainda.
Não teve tempo. Resgatou apenas um país da bancarrota e isso faz toda a
diferença.
Que o diga Mário Soares, que
em 1983, depois de ele mesmo ter falido e resgatado o nosso país, afirmou:
“Fez-se a política de austeridade, sabendo de antemão que era tremendamente
impopular, embora imprescindível. E, efectivamente, fez-se sangue. O poder de
compra diminuiu, houve salários em atraso, contratos a prazo, falências… Era
inevitável. Mas a verdade é que não havia outro caminho.”
Porque em boa verdade, nas
falências não há políticas de direita nem de esquerda. Segue-se o receituário
da cura. Governar é sempre a seguir.
Título e Texto: Cristina
Miranda, Blasfémias,
16-12-2016
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