Jordan Peterson
Uma verdade incontestável da
biologia é que a evolução é conservadora. Quando algo evolui, deve ser
construído a partir do que a natureza já produziu. Novas características podem
ser acrescentadas e características antigas, sofrer alguma alteração, mas a
maioria das coisas permanece igual. É por esse motivo que as asas dos morcegos,
as mãos dos seres humanos e as barbatanas das baleias são incrivelmente
semelhantes em suas formas esqueléticas. Elas têm, inclusive, o mesmo número de
ossos. A evolução lançou a pedra fundamental para a fisiologia básica muito
tempo atrás.
Agora, em grande parte, a
evolução funciona através da variação e da seleção natural. A variação existe
por vários motivos, incluindo a reorganização dos genes (para dizer de forma
simples) e a mutação aleatória. Os indivíduos variam em uma mesma espécie por
esses motivos. A natureza escolhe entre eles ao longo do tempo.
Essa teoria, da maneira que
foi colocada, parece responder pela alteração contínua das formas de vida ao
longo dos éons. Mas há outra questão espreitando sob a superfície: o que
exatamente é a “natureza” na “seleção natural”? O que exatamente é o “ambiente”
ao qual os animais se adaptam?
Criamos muitas hipóteses sobre
a natureza – o ambiente – e isso traz consequências. Mark Twain disse certa
vez: “O que nos causa problemas não é o que não sabemos. É o que temos certeza
que sabemos e que, ao final, não é verdade.”

O Ser, para os taoistas – a
realidade em si – é composto por dois princípios opostos, geralmente traduzidos
como feminino e masculino ou, ainda mais limitadamente, como fêmea e macho.
Porém, yin e yang são mais corretamente compreendidos como caos e ordem.
O símbolo taoista é um círculo
encerrando duas serpentes da cabeça ao rabo. A serpente preta, o caos, tem um
ponto branco em sua cabeça. A serpente branca, a ordem, um preto. Isso porque o
caos e a ordem são intercambiáveis, assim como eternamente justapostos.
Não há nada tão certo que não
possa se transformar. Até o sol tem seus ciclos de instabilidade. Da mesma
forma, não há nada tão mutável que não possa ser fixado. Toda revolução produz
uma nova ordem. Toda morte é, simultaneamente, uma metamorfose.
Considerar a natureza como
puramente estática resulta em erros graves de entendimento. A natureza
“seleciona”. A ideia de selecionar permanece implicitamente alojada
dentro da ideia de aptidão. É a “aptidão” que é “selecionada”. A
aptidão, genericamente falando, é a probabilidade de que dado organismo deixe
descendência (propague seus genes no decorrer do tempo). O “apto” em “aptidão”
é, portanto, a combinação entre o atributo do organismo com a demanda do
ambiente.
Se essa demanda for
conceitualizada como eterna e imutável –, então a evolução é uma série linear
infinita de melhorias e a aptidão, algo do qual pode-se infinitamente chegar
cada vez mais perto ao longo do tempo.
A ideia vitoriana sobre o
progresso evolucionário, ainda poderosa, tendo o homem no ápice é uma
consequência parcial desse modelo de natureza. Ela produz a noção equivocada de
que há um destino para a seleção natural (aumentar a aptidão ao ambiente) e de
que pode ser conceitualizada como um ponto fixo.
Por sua natureza, o agente
seletor não é estático – não em qualquer sentido simples. A natureza se veste
diferentemente para cada ocasião. A natureza varia como em uma partitura – e
isso explica, em parte, porque a música produz insinuações profundas de significado.
À medida que o ambiente que suporta uma espécie se transforma e muda, as
características que tornam um dado indivíduo bem-sucedido em sobreviver e se
reproduzir também se transformam e mudam. Desse modo, a teoria da seleção
natural não propõe criaturas se combinando com uma precisão cada vez maior a um
modelo especificado pelo mundo.
É mais como se as criaturas
estivessem dançando com a natureza, embora seja uma dança mortal. “No meu
reino”, diz a Rainha de Copas em Alice no País das Maravilhas, “você precisa
correr o mais rápido que puder apenas para ficar no mesmo lugar”. Ninguém que
fica parado consegue triunfar, por mais bem constituído que seja.
A natureza tampouco é
simplesmente dinâmica. Algumas coisas mudam rapidamente, mas essas estão
alinhadas dentro de outras que mudam menos rapidamente (a música frequentemente
segue esse modelo). As folhas mudam mais rapidamente do que as árvores, e as
árvores, do que as florestas. O tempo muda mais rapidamente do que o clima. Se
não fosse assim, o conservadorismo da evolução não funcionaria, uma vez que a
morfologia básica dos braços e mãos teria que mudar na mesma velocidade que o
comprimento dos ossos do braço e a função dos dedos.
É o caos dentro da ordem,
dentro do caos, dentro de uma ordem maior. A ordem mais real é aquela que é
mais imutável – e não necessariamente a ordem que é mais facilmente observada.
A folha, quando é percebida, pode fazer com que o observador não veja a árvore.
A árvore pode fazer com que ele não veja a floresta. E algumas coisas que são
mais reais (tais como a eterna presença da hierarquia da dominância) não podem
ser “observadas” de jeito algum.
Também seria um equívoco
conceitualizar a natureza romanticamente. Moradores de cidades modernas e
ricas, cercados por concreto escaldante, imaginam a natureza como algo puro e
paradisíaco, como uma paisagem impressionista francesa.
![]() |
Claude Monet, Les coquelicots (As papoulas), 1873, Museu d'Orsay |
Não fantasiamos sobre a beleza
desses aspectos da natureza, embora sejam tão reais como seus equivalentes
edênicos.
É pela existência de tais
coisas, é claro, que tentamos modificar nosso entorno, protegendo nossos
filhos, construindo cidades e sistemas de transporte, e produzindo alimentos e
energia. Se a Mãe Natureza não fosse tão determinada em nos destruir, seria
mais fácil existirmos em simples harmonia com seus ditames.
E isso nos leva a um terceiro
conceito equivocado: que a natureza é algo estritamente segregado de nossas
construções culturais que emergiram dentro dela. A ordem que se insere no caos
e na ordem do Ser é cada vez mais “natural” conforme perdura por mais tempo.
Isso porque “natureza” é “aquilo que seleciona”, e quanto mais tempo uma
característica tem existido, mais tempo teve para ser selecionada – e para
moldar a vida.
Não importa se a
característica é física, biológica, social ou cultural. Tudo o que importa, sob
uma perspectiva darwinista, é a permanência – e a hierarquia de dominância,
embora possa parecer social ou cultural, está presente há cerca de meio bilhão
de anos. É permanente. É real.
A hierarquia de dominância não
é o capitalismo. Tampouco é o comunismo. Não é o complexo militar industrial.
Não é o patriarcado – aquele artefato cultural descartável, maleável e
arbitrário. Muito menos uma criação humana; não em um sentido mais profundo.
Pelo contrário, é um aspecto quase eterno do ambiente e muito daquilo cuja
culpa colocamos nessas manifestações efêmeras é uma consequência de sua existência
imutável.
Nós (o nós soberano,
presente desde o princípio da vida) temos vivido em uma hierarquia de
dominância há muito, muito tempo. Estávamos lutando por posições antes mesmo de
termos pele, mãos, pulmões ou ossos. Não há quase nada mais natural do que a
cultura. As hierarquias de dominância são mais velhas do que as árvores.
A parte de nosso cérebro que
registra nossa posição na hierarquia de dominância é, portanto,
excepcionalmente antiga e fundamental. É um sistema mestre de controle
ajustando nossas percepções, valores, emoções, pensamentos e ações. Ele afeta
poderosamente cada aspecto do nosso Ser, tanto consciente quanto inconsciente.
É por isso que quando somos derrotados agimos como aquela lagosta que perdeu a
batalha. Nossa postura se inclina. Ficamos com o rosto voltado para o chão.
Sentimo-nos ameaçados, machucados, ansiosos e fracos.
Se as coisas não melhorarem,
tornamo-nos cronicamente deprimidos. Sob tais condições, não conseguimos
aguentar as lutas impostas pela vida com facilidade e nos tornamos alvos fáceis
para os bullies de casca grossa. E não são apenas as semelhanças
comportamentais e experimentais que são impressionantes. Muito da neuroquímica
básica é a mesma.
Considere a serotonina, a
substância química que controla a postura e a fuga nas lagostas. Aquelas em
posições inferiores produzem níveis baixos de serotonina. Isso também é válido
para seres humanos em posições inferiores (e esses níveis baixos caem mais a
cada derrota).
Um nível baixo de serotonina
significa reagir mais ao estresse e ter um preparo físico para emergências mais
dispendioso – uma vez que na base da hierarquia de dominância qualquer coisa
pode acontecer a qualquer momento (e raramente alguma coisa boa).
Um nível baixo de serotonina
significa menos felicidade, mais dor, ansiedade, doença e uma expectativa de
vida menor – tanto entre os seres humanos quanto entre os crustáceos.
Lugares mais altos na
hierarquia de dominância e caracterizados por menos doenças, tristezas e
mortes, mesmo quando fatores como renda absoluta – ou a quantidade de restos de
comida no fundo do oceano – são constantes. A importância disso é inestimável.
Título e Texto: Jordan Peterson, páginas 12 a 16 no
livro “12 regras para a vida”, Alta Books Editora.
Digitação: JP, 12-8-2019
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