domingo, 4 de agosto de 2019

[O cão tabagista conversou com...] Tania Teixeira: “Existem outros fatores que são também importantes para a profissão, como saber e querer lidar com o público em geral.”

Nome completo: Tania Mara Teixeira.  

Nome de Guerra: Tania Teixeira

Onde e quando nasceu?
Nasci em 5 de junho de 1951, no Rio de Janeiro, Botafogo.

Onde estudou?
Estudei no Colégio Bennett, Rio de Janeiro e fiz Faculdade de Letras Neolatinas na USP - Universidade de São Paulo.

Onde passou a infância e juventude?
Morei no Rio de Janeiro até os dez anos de idade. Depois, até os dezesseis em Praia de Cabeçudas, Itajaí, Santa Catarina. Dos dezesseis até aos dezenove anos em Santos, Estado de São Paulo.

Voltei para o Rio com dezenove anos, quando entrei na Varig uma semana antes de fazer vinte anos.

Qual (ou quais) acontecimento marcou a sua infância e juventude?
Ver minha mãe ir ao velório do presidente da República, Getúlio Vargas, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, quando eu era pequenina. As filas eram intermináveis.


A minha família é da mesma linhagem de outro presidente do Brasil, Floriano Peixoto.

Outro acontecimento importante: a mudança da capital da República para Brasília. Quando eu era pequena a capital era a minha cidade natal, Rio de Janeiro.

Quando começou a trabalhar?
Em junho de 1971, na Varig.

Então, foi o seu primeiro emprego?
Sim, a Varig foi o meu primeiro emprego.

Saí da faculdade direto para o voo.

O que a levou à Varig?
Quando fazia faculdade acompanhei uma amiga que queria ser comissária de bordo. Fomos à Pan American, British Caledonian, atualmente British Airways, e Varig. Ela não passou em nenhuma, mas me foi oferecido o emprego por todas as três companhias, porque eu já era fluente em inglês, italiano e espanhol e tinha os atributos requeridos pelas três companhias: 1m77 de altura e 58 quilos.

Tive, porém, que esperar mais um ano, pois tinha somente 18 anos e era necessário ter 19.

Quando completei 19, me chamaram de novo, e entre as três escolhi a Varig por ser do meu país.

Na sua opinião, qual o atributo que pesou mais: 1m77 de altura ou os idiomas? 😉
Hahaha!
Claro que os idiomas! Só mencionei a altura e o peso porque na época eram muito rígidos com a aparência pessoal.

Nesta profissão, julgo que deveriam continuar a ser “rígidos com a aparência”, de homens e mulheres. Concorda ou discorda?
Concordo que as companhias deveriam continuar com a preocupação com a aparência pessoal de seus comissários, como peso e dentes, por exemplo.

Porém, não tão rígidas como eram no meu tempo. Pessoas de menos de 1m60 não foram admitidas em minha turma, que acabou sendo uma turma pequena de vinte e oito pessoas.

Existem outros fatores que são também importantes para a profissão, como saber e querer lidar com o público em geral.

Muita gente boa acaba não conseguindo por não ser alta e não ser o que se chama erroneamente de bonito.
Espero terem me entendido!

Sim, entendido.
Você se achava (erroneamente) bonita? 😊
Me julgava e ainda julgo uma pessoa normal. A beleza, na minha opinião, está nos olhos de quem a vê.

Lembra do seu primeiro voo?
Sim, para Belo Horizonte, de Avro, comandante Mello e instrutora Gervásio.

Depois dos primeiros voos, você achou que era isso mesmo o que queria?
Sim, gostei muito do contato com os passageiros, me senti útil, e como adoro conversar...
Acho que os japoneses têm razão quando dizem que servir é uma honra!

Voava também a Ponte Aérea?
Em 1971 as pontes aéreas eram feitas de Avro, com dois comissários, e de Electra com três. Também de um avião de asa alta, do qual só me lembro o apelido, Boko Moko, este levava só um comissário. Todos da rede Nacional faziam ponte aérea e conexões Rio-São Paulo para os voos internacionais.

Quando é promovida?
A promoção em 1971 passava primeiro pela etapa de ir do Electra para o Boeing 727, chamado Boeinguinho pelos comissários.

A minha ida para o 727 foi em 1972, menos de um ano de Electra. As comissárias ainda não ocupavam cargos, só os homens.

Ressalto um fato que talvez o interesse: em maio de 1972, fazendo um voo para Porto Alegre com escalas, meu avião foi sequestrado e ficamos treze horas dentro do avião lotado (oitenta e nove passageiros), no trecho São Paulo-Curitiba.

Este fato me rendeu a Medalha Ordem do Mérito Santos Dumont, que recebi junto com toda a tripulação do voo, em solenidade muito bonita e emocionante na Base Aérea da Aeronáutica em Cumbica.

Esta medalha é dada por serviços prestados à Aeronáutica Brasileira e por bravura, o que faz a gente sentir muito orgulho de ser comissária de bordo!

Claro que nos interessa!
Conte mais, por favor.
Onde, exatamente, se deu o sequestro?
Quantos sequestradores?
Não tenho autorização para falar do sequestro. A FAB, na época, nos fez vários briefings.

Doze horas no solo em Congonhas, após o sequestrador requisitar três paraquedas e um milhão, na moeda corrente da época, colocar as instruções no painel de controle do avião e tirar todas as pessoas da primeira cabine e as colocar no lounge do Electra.

O voo era para Porto Alegre, no Electra PP-VJN.

VJN no dia do sequestro - 30 de maio de 1972 - Fonte: Revista Veja edição 196

Peço que procure nos anais da Varig.

Me é difícil falar sobre isso, por favor, entenda!

Tenho a certeza de que encontrará tudo na mídia do ano de 1972.

(Leia aqui a história do sequestro do Electra II, em 30 de maio de 1972)

Tripulação: Comte. Celso Caldeira, 1º Oficial, Edimar, Mecânicos de Voo, Pegrucci e J. Gonçalves, e Comissários Raposo, Viesti, Tania Teixeira e Maria.



Ficou alguma sequela/trauma?
Não, nenhuma sequela ou trauma, apenas recordações de um incidente não bem-vindo.

Então, menos de um ano depois, você é promovida para o B-727...
Exatamente, e nove meses depois para a rede Internacional, na época Boeing 707. Mais adiante, quando chegou o DC 10, fui promovida de novo para as primeiras tripulações do avião novo que começou a voar em junho de 1974.

Desde 1973 era comissária da primeira classe. Essa rapidez das promoções femininas era devida aos idiomas e principalmente porque só com a vinda do DC 10 é que começaram a se dar cargos de comando às mulheres. No caso, primeira comissária, voando na classe executiva e recebendo como um chefe de cabine.

Quais os pernoites que mais gostava?
Roma ou Milão e Londres.

Como ocupava o seu tempo nos pernoites?
Visitando locais históricos e museus.

Museu do Prado (Madrid), Louvre (Paris), Metropolitan Museum of Art (Nova Iorque), Museo di Roma... qual o seu preferido?
Sem sombra de dúvida, Prado, em Madrid. Sou estudiosa amadora de história antiga. Me formei na faculdade também em Literatura Grega e morei em Madrid por um ano baseada com a Varig de 1977 a 1978.
Não gosto muito de arte moderna, o que me atrai é o período antigo e medieval.

Então, deve ter visitado Toledo mais de uma vez, para admirar o senhor Doménikos...
Sim, fui muito a Toledo 😃🥴

Quais os seus pintores e escultores favoritos?
Rodin, Bernini, como escultores. Pintores, Rembrandt, para mim o maior deles, El Greco e Goya, sem deixar de lado Michelangelo e Da Vinci.

O Enterro do Conde de Orgaz, óleo sobre tela, El Greco, 1586–1588, na igreja de São Tomé, Toledo, Espanha
Além do sequestro em 1972, passou por outras situações de emergência na sua carreira profissional?
Sim, várias, como todos nós passamos: bomba a bordo, ameaça de bomba e bomba realmente encontrada, evacuação de um 727 lotado indo para o Uruguai e tendo que fazer pouso de emergência em Porto Alegre, fogo na turbina de um DC-10, tendo que alijar combustível, e outras mais brandas.
Repito, todos nós passamos por essas coisas.

Quando os dois primeiros DC-10 chegaram, foi adotado o sistema de tripulação fixa. Lembra da sua primeira tripulação?
Sim, fiz o curso com o Chefe de Equipe, Imperatore, em maio de 1974 quando o primeiro DC 10 chegou.

Depois, quando fomos voar para Frankfurt no dia 2 de julho as tripulações haviam sofrido mudanças, e a minha foi então por seis meses a do C/E De Sousa, (Pássaro Preto), Tâmara, na primeira classe: Andipa na galley, Geyer e Tania Teixeira no corredor; Chefes de Cabine: Enelruy e Lourival Dias.
Na executiva:  comissária Jo e Da Rocha

Na turista: chefe de cabine Moura, comissárias Tania Maria, depois conhecida como Tania Milan, e Myrian Machado, comissário Tietzmann e mais um comissário que agora me falta a lembrança do nome. Eram cinco na turista quando o DC 10 chegou.

Tania, acho que o Enelruy foi promovido a Chefe de Cabine quando chegaram os outros dois aviões...
Não, querido, o Enelruy já era chefe de cabine quando eu comecei a voar com o Pássaro, lembro bem do primeiro voo para Frankfurt em 2 de julho num dos primeiros DC-10 que chegaram.

Lembro bem porque eu voava com a Geyer que depois virou Gladys Geyer, e ela era bem séria e ficou com o chefe de cabine mais gentil, e eu com o Lourival que era mais nervoso, mas comigo era um amigo querido e nos dávamos muito bem.

Lembra que no começo o serviço era feito em dois pares nos dois corredores do DC10 na primeira classe?
Tenho fotos dessa tripulação só não sei onde estão... saudades imensas desse tempo!

Essa aviação não volta mais...
Hoje, você voltaria a ser Comissária de Voo?
Sem sombra de dúvida, sim.

Quando chegaram esses outros dois (novembro/dezembro de 1974) este ‘locutor’ foi promovido para o DC-10. Justamente para a tripulação do Pássaro... voamos juntos?
Em novembro mudou a tripulação e eu fui para outra, não me lembro direito se voamos juntos.

Você se aposentou?
Sim, em 1996 por tempo de serviço, 25 anos de voo. E depois em 2005 pelo Aerus, total de voo: 34 anos.
Esclarecendo que aposentei pelo Aerus em 2005 fazendo acordo com a Varig porque tinha 53 anos e meio, só faria 54 em junho, e aposentei em fevereiro, acordo esse que eu não recebi totalmente. A Varig ainda me deve muitas promissórias.

Tem saudades da RG?
Muita! Demais! Foi o melhor tempo da minha vida, e o meu maior orgulho é ter sido comissária de bordo da Varig.

E sobre o Aerus, qual é a sua avaliação?
Espero que façam um acordo com todos os que têm direito, aposentados e ativos.
Fiquei por muitos anos com minha aposentadoria reduzida e sei a falta que faz.

Depois de aposentada abraçou outra atividade?
Não, não trabalho mais desde a aposentadoria.

Mora no Rio ou em São Paulo?
Moro no Rio de Janeiro e passo de três a quatro meses por ano em Londres na casa de minha filha.

Já tem netos?
Sim, tenho uma, Beatrice, de 13 anos, mora em Londres com minha filha Melissa, nasceu lá.



Como vai o Rio de Janeiro?
Sempre bonito, sempre a Cidade Maravilhosa. Porém, infelizmente, muito perigo nas ruas com assaltos. Não está tão bom para viver como sempre foi.

E o Brasil, está melhor ou pior do que o Rio?
Vou sempre para Santa Catarina no mês de outubro, por duas semanas, e posso ver que por lá as coisas estão diferentes, mais calmas e menos perigosas, mas a nossa situação política está deixando a todos de cabelo em pé 🦶.

Por quê?
Porque morei lá por seis anos na Praia de Cabeçudas, bairro de Itajaí e tenho muitos amigos lá, é o meu lugar preferido do Brasil!

Tania, perguntei por que a situação política está ‘deixando todos de cabelo em pé’?... 😊
Acho que as pessoas estão bastante preocupadas com a situação política, pelo que posso ver pelo Facebook e por WhatsApps que recebo.

E você, também está preocupada?
Eu estou torcendo para que as coisas deem certo. Não gosto de política e nem falo muito sobre isso.
Sou católica praticante e tenho fé, isso me conforta. Não gosto de multidão e não vou a demonstração política.
Tenho minha opinião a respeito do assunto, mas respeito a dos outros se a tiverem diferente da minha.


Tania, que coincidência! A minha próxima pergunta seria “Você acredita em Deus?”. Mas você já respondeu...

Lê autores cristãos contemporâneos, como C.S. Lewis, Tim Keller, John Piper...?
Não muito, prefiro ler autores antigos, de preferência ingleses ou irlandeses, Byron, James Joyce, Keats, Yeats, e contemporâneos destes.

E o Mundo, está melhor ou pior?
Está mudando, muitas coisas para melhor e outras parecem que regredimos. A cada dia vemos uma mudança, mas os resultados serão sentidos conforme o tempo passa.

A derradeira mensagem:
Minha mensagem seria uma frase que gosto muito.
A diferença entre as palavras reclamar e gratidão.
Quando você reclama, está chamando para si outra vez a mesma coisa: re-clamar; chamar de novo.
Quando você agradece, o está fazendo pelo que já veio a você de bom e pelo que está por vir ainda.
Então, eu diria a todos: agradeçamos e nunca reclamemos! Paz e Bem 🙏🏻

Obrigado, Tania!

Conversas anteriores:
Daniel Torres: “O enfermeiro atua em todo o ciclo de vida desde o nascimento até à morte, é aquela pessoa que está sempre lá. E é isso que me quero tornar...”

4 comentários:

  1. Que bom ver você por aqui. Foi ótimo ler sua entrevista e relembrar tantas coisas da aviação. Um grande abraço, Tania.
    Angela Arend

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  2. Tania ainda é uma linda mulher. Uma das mais belas aeromoças da Varig. Pessoa muito querida.

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  3. Parabéns pela Entrevista ! Muito bom relembrar nossa vivência na Varig, as pessoas citadas, com muita saudade de todas elas, desejo a todos muita Saúde e Alegrias, um forte Abraço Tânia !

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  4. Excelente entrevista!
    A Tania entrou na Varig quase um ano depois de mim , e aposentou-se no mesmo ano em que me aposentei ; temos preferências semelhantes e um "modus vivendi" muito parecido. A VARIG só aceitava ( contratava) pessoas que se adequassem à rigidez , quase igual a uma força armada ... ah ah ah.
    Mas assim fomos moldados em um trabalho gratificante , familiar e que fez de cada um de nós pessoas mais profissionais, humanas, solidárias e de grande bom senso e intelectualidade !
    Parabéns à entrevistada, com votos de grande prosperidade e vida longa para poder contar ainda a muitos , as magníficas histórias da aviação.
    PS : Adoramos Santa Catarina . Faz uma semana estivemos passando dias maravilhosos em Pomerode - A cidade mais alemã do Brasil !

    Grande abraço do amigo,

    Sidnei Oliveira
    Assistido AERUS
    Ex GIGKK Rio de janeiro.

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