Não se diz uma sílaba, entre os militantes da 'justiça social' e nos telejornais, sobre o sofrimento eterno da população das favelas
J. R. Guzzo
A guerra que o crime move há anos contra a população do Rio de Janeiro é uma história que tem um lado só — o lado dos bandidos. Nas classes intelectuais, na bolha em que vivem os políticos e na maioria dos meios de comunicação — para não falar numa vasta porção do aparelho judiciário —, os criminosos são tratados oficialmente como mártires de uma “luta social” dirigida contra os pobres, os negros e os favelados. Não importa, nunca, o que eles tenham feito: todas as vezes em que trocam tiros com a polícia, o Brasil “que pensa” diz automaticamente que houve um massacre — como se as forças da ordem tivessem entrado numa “comunidade” pacífica e começado a matar gente a torto e a direito. Não se diz, jamais, que a polícia se apresentou para cumprir o dever legal de combater o crime e cumprir ordens da Justiça. Nunca se diz, também, que os policiais foram recebidos à bala pelos bandidos, nem que os mortos eram criminosos; são apresentados ao público, simplesmente, como “pessoas” ou “moradores”.
Acaba de acontecer mais uma
vez no Rio, com uma operação policial que deixou 29 mortos na favela do
Jacarezinho. Desses 29, só um não era criminoso — justamente, um policial civil
que participou das ações. Três dos que morreram estavam denunciados pelo
Ministério Público e eram procurados pela Justiça. A polícia foi à favela para
cumprir ordens legais de desmontar esquemas em que os bandidos dão treinamento
de tiro a crianças e adolescentes, e os forçam a estar sempre na linha de
frente nos confrontos com a polícia; a adesão é obrigatória, sob ameaça de
morte. Parece perfeitamente justo que a autoridade policial tente fazer alguma
coisa para combater uma opressão particularmente cruel como essa. É
compreensível, também, que abram fogo se são recebidos com granadas e tiros de
fuzil automático. Só que não.
A reação da elite foi a mesma de sempre: “Mais uma vez a polícia massacra cidadãos da comunidade”. Segue-se, até o caso cair no esquecimento, uma maciça campanha de propaganda na mídia, no mundo político e na elite, pedindo “punição para os culpados” e verbas para “atender aos interesses da população das comunidades”. Desta vez houve também um manifesto “popular” pela legalização da maconha — armou-se, inclusive, uma comovida declaração de apoio do ministro Luís Roberto Barroso a essa tese. (Seu colega Edson Fachin já havia proibido a polícia de fazer voos de helicóptero sobre as favelas do Rio; também não pode chegar a menos de 100 metros de uma escola, o que transformou o setor escolar num território livre para o crime.)
Não se diz uma sílaba, entre
os militantes da “justiça social” e nos telejornais do horário nobre, sobre o
sofrimento eterno da maioria da população das favelas. As pessoas, ali, vivem
sujeitas à morte, o tempo todo, nos tiroteios entre as quadrilhas (nesse caso,
a mídia não fala em “massacre”; são “confrontos”, ou “trocas de tiro”). Suas
casas podem ser confiscadas para servir como depósitos de drogas. Sofrem todo
tipo de extorsão. São agredidas, roubadas e humilhadas. Vivem o terror
constante de ver as suas filhas adolescentes, e mesmo crianças, serem
escolhidas como vítimas de estupro por parte dos chefes. Sofrem, agora, com o
recrutamento dos filhos para a função de “soldados” do tráfico.
Deveria estar muito claro qual
é o lado certo e qual é o lado errado nesta história. Mas não está; a verdade,
aliás, está cada vez mais escondida.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
Gazeta do Povo, via revista Oeste, 10-5-2021, 22h01
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