Perdeu-se o senso do ridículo e agora toda semana temos um novo Patrimônio Imaterial, ou melhor, Banal. Agora batemos o recorde
Quintino Gomes Freire
Que aos olhos da população os deputados estaduais do Rio de Janeiro pouco fazem, ou pouco parecem fazer, ou pouco parecem interessados em fazer, estamos cansados de saber. Algumas vezes parece que o que mais querem é criar mais e mais placas para serem afixadas em comércios proibindo ou avisando alguma coisa óbvia, dar medalhas, ou criar mais dias honoríficos… mas agora, temos uma nova modinha: tornar qualquer coisa patrimônio cultural do estado. Tudo isso tem um custo, afinal funcionários tem de tramitar a lei, ela tem de caminhar, ser discutida, ser publicada, são horas e horas gastas para coisas que, no duro, são quase que completamente inúteis. Parece que os parlamentares não querem perder a (má) fama.
A Alerj, quando não se mostra um simples tentáculo do Poder Executivo, no lugar de fazer seu trabalho de fiscalização e tentar criar leis úteis para o estado, faz o contrário e pressiona o governador, não para benefício da população, mas para suas próprias benesses. É uma máquina de moto contínuo, do mal. Não que seja sempre assim: até que durante a presidência de André Ceciliano (PT) essa máquina do mal deu umas engasgadas e houve lutas positivas pelo estado. Há alguns bons ’cases de sucesso’ nos últimos tempos. Mas não foi quebrada e nem parece que será. Além disso, parece que não têm os parlamentares senso do ridículo.
Nada é maior exemplo disso que
a patética lei sancionada pelo governador Cláudio
Castro (PL) na última segunda-feira, 27/6, que declara como Patrimônio
Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Rio de Janeiro “as telenovelas
bíblicas produzidas em território fluminense pelas emissoras de televisão
brasileiras”. Chico Anysio Show? Zorra Total? Não. É a Lei 9736/2022,
ou Lei Record, já que, afinal, só essa emissora produz novelas
bíblicas mirando o público neopentecostal.
A lei que lança a Alerj
definitivamente no mundo do ridículo é de autoria dos deputados do
Republicanos, Tia Ju, Carlos Macedo e Danniel
Librelon, além do também evangélico e irmão do pré-candidato a vice de
Castro, Rosenverg Reis. A lei transforma as novelas bíblicas em
patrimônio pois – que pérola deliciosa: “manifestam
saberes e formas de expressão cênicas, plásticas, musicais e lúdicas de uma
imensa parcela da nossa população, recriando a interação com a sua história de
vida”.
Não vou discorrer aqui sobre a
qualidade das novelas citadas; geram empregos, há quem goste (até discos
do Ovelha e da Gretchen são vendidos), e
agradam à religião alheia. Mas o patrimônio imaterial do Estado é isso? Se for,
estamos mal pra caramba. E o valor do nosso patrimônio imaterial é
inexpressivo. Patrimônio Imaterial deveria ser o samba, o funk, o cuscuz do
vendedor vestido de branco, o vendedor de mate na lata, os tapetes de sal do Corpus
Christi, ou mesmo os cantores maravilhosos da Comunidade Evangélica da Penha.
Perdemos o senso do ridículo e agora toda semana temos um novo Patrimônio
Imaterial, ou melhor, Banal.
Título e Texto: Quintino
Gomes Freire, Diário do Rio, 30-6-2022
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