terça-feira, 26 de julho de 2022

[Aparecido rasga o verbo] O verdadeiro bobo da corte

Aparecido Raimundo de Souza 

O ALFREDO PANDELÓ, motorista aqui da mansão dos Bacolejos Novaes, onde eu trabalho como jardineiro, cismou de ser uma vassoura. Que loucura! Acho que o cara pirou na batatinha. Se eu pudesse escolher alguma coisa para ser nesta vida, além de jardineiro, optaria por desfrutar das formas anatômicas de um sofá de dois lugares, ou de uma rede para balouçar ao sabor do vento, na varanda que frenteia a piscina. Quem sabe uma banheira, ou até mesmo uma bela e confortante cama de casal. Pelo menos, no pior dos mundos, apreciaria, mais de perto, as curvas perfeitas da menina Jajá, de dezessete, e as belas pernas da estonteante Jejé de vinte e um.

Curtiria ao mesmo tempo, o calor obstinado da Jiji de vinte e cinco e, com certeza, acalmaria o cansaço de dona Jojó, a senhora dona patroa, mulher de cabelos longos e ondulantes, a tez perfeita, o olhar calmo e sereno, sem falar na voz macia e adocicada como o mel. Só de ouvir de longe, a sua fala, me enchia o coração como uma música suave, a ponto de todo o meu ser ficar em estado de animação arrepiadamente em suspense. 

Mas o leguelhé do Alfredo Pandeló, mais burro que porta de estrebaria, resolveu assumir assim do nada, a personalidade de um desses utensílios feitos de piaçava. Isso mesmo. Com todas as letras. De repente, passou a varrer tudo o que encontrava pela frente. Ora com as mãos, ora com os pés, e, o mais espantoso e inacreditável: com o traseiro, arrastando as partes sensíveis da bunda pelo chão afora. 

Nessa sandice inexplicável, abafou a banca de modo decadente. Ao final de algum tempo, não restou em todas as dependências da casa nenhum cisco, sujeira ou poeira para contar história. Nem os tapetes da sala e do salão de jogos escaparam ao estranho ritual. Quem adorou a ideia foi a Gertrudes que ficou de pernas para o ar, se atendo apenas a cuidar das roupas que careciam serem passadas. 

Final da tarde apareceu a velha e rabugenta dona Ziza Macuco, arrumadeira e passadeira do vizinho morador de frente. Veio bater um papo, como todo final de noite, antes da novela das seis, com a negra Felícia, cozinheira, e com Gertrudes, a copeira arrumadeira e passadeira da família. Bastou enxergar as duas funcionárias, na cozinha, a estrepitosa, com sua voz de taquara rachada, berrou incontida:

— Hoje cedo acordei com o espírito de bruxa à flor da pele. E até agora sinto que este troço continua grudado no meu corpo. Não volto para casa sem antes voar aqui por cima e contemplar, lá do alto, as redondezas. Felícia, tem alguma vassoura por aí que possa me emprestar? 

Foi então que o Alfredo Pandeló ao ouvir tal indagação se ligou. Caiu a ficha. Assumindo o espírito do The Flash, o sujeito tratou de despertar ligeiro da sua insensatez. Penso que se imaginou em poder da velha Ziza Macuco, e, pior, sendo montado por ela, com toda aquela banha, em seu fino cabo alongado. Voltou, então, correndo para a realidade do mundo dos vivos. Num piscar de olhos se desfez do ataque de demência repentino. Recobrou correndo as privações dos sentidos. Temendo que a sessentona passasse das palavras à ação, se escondeu ligeiro, se embarafustando para debaixo de uma das camas das filhas do doutor Bacolejos Novaes. 

Nessa curta viagem de reclusão descabida, levou consigo, de roldão, a pazinha de lixo e os cocais de piaçava que amarrara nos tornozelos, à imitação de uma simpática vassoura de palha. Às vezes, o tédio da nossa existência medíocre, se nos apresenta com cara de enterro. Por conseguinte, faz com que fujamos, às carreiras da habitual zona de conforto nos condicionando a ficarmos escondido dentro da própria imbecilidade galopante e atroz a que demos causa.     

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 26-7-2022

Anteriores: 
O sábio

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-