Água mole em pedra dura tanto bate até que fura
Deonísio da Silva
Esta é para o Augusto Nunes,
que sabe tudo de Jânio Quadros. Numa declaração aos jornalistas, o
ex-presidente disse que não era candidato à presidência da República, que dela
estava mais longe do que do Sol está a Alfa do Centauro. Mas essa estrela é a
mais próxima do Sol…
Homem de vasta cultura, autor
de gramáticas e de dicionários, Jânio Quadros recorria com frequência aos clássicos,
às vezes sem lhes dar a autoria. E assim fazia-se entender por provérbios,
máximas, sentenças, aforismos e ditos curiosos.
Cada um de nós sabe de cor alguns provérbios, saberes resumidos ao mínimo dos mínimos, e este é um dos mais conhecidos: água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Os provérbios sempre ensinam
alguma coisa. À semelhança das fábulas, que trazem uma lição de moral no fim da
história, ou dos contos de fada, que embutem recomendações semelhantes, os
provérbios reprovam vícios e exaltam virtudes.
Ao garantir que a água mole, flexível e aparentemente fraca, vence a pedra
dura, sólida e aparentemente impenetrável, o provérbio louva a persistência na
luta contra o mais forte, aparentemente.
A língua portuguesa neste e em
muitos outros provérbios, ditos, aforismos e máximas, recorreu a técnicas de
memorização para transmitir frascos de sabedoria de uma geração a outra.
Originalmente, este provérbio
teve no latim uma forma mais breve: Gutta cavat lapidem, a gota
(d’água) cava (desgasta) a pedra.
O português, como se sabe, veio do latim e adaptou também os provérbios. Este teve que ser alongado para ser guardado de cor, e os falantes e os escreventes recorreram ao metro e ao ritmo da frase, além de rimar as palavras “dura” (adjetivo) e fura (verbo). Uma rima rica, portanto, pois foram combinadas palavras de classes gramaticais diferentes.
Saber algo de cor é sabê-lo de
coração, “cor”, em latim, donde povo cordial, que decide mais com o sentimento.
Dizemos cordial e outras palavras de domínio conexo quando referimos o coração
por metáfora, mas recorremos ao composto “kardía”, coração em grego,
quando designamos o órgão tal como é. Assim, dizemos cardiologia, cardiopatia,
cardiovascular e outras palavras do mesmo étimo.
É para isso que serve a
etimologia. Para dar o verdadeiro significado das palavras quando surgiram. No
decorrer da vida, as palavras, como nós, também mudam, mas a essência permanece
no seu étimo.
Por falar em água, aquário, do
latim aquarius, já designou o encarregado de cuidar e de transportar
um recipiente, também chamado aquarius, com água para beber.
Algumas ilustrações do signo de aquário mostram alguém vertendo água de um
cântaro ou somente o cântaro. Mas hoje aquário designa preferencialmente
viveiro doméstico com peixes ou plantas aquáticas e, por comparação, ambiente
separado por divisórias de vidro em grande sala de trabalho.
Os peixes domésticos não eram
criados nem cuidados no aquário. Eles ficavam na piscina, palavra derivada
de piscis, peixe, mas como o local passou a ser utilizado para
banhos e práticas esportivas, a palavra piscina mudou de significado.
Uma palavra puxa outra e um
provérbio também. Entre outros, Sêneca, Ovídio e Propércio deram outra redação
em latim ao provérbio. E os espanhóis deram-lhe outra versão para dizer a mesma
coisa: la piedra es dura y la gota menuda, mas cayendo de
contino have cavadura. (fim)
(*) condensado
de De onde vêm as palavras e de A vida íntima das frases & outras
sentenças, livros de Deonísio da Silva publicados no Brasil e em Portugal
pelo Grupo Editorial Almedina.
Título e Texto: Deonísio da
Silva, Revista Oeste, 31-7-2022, 11h
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