Aparecido Raimundo de Souza
Para Carla Rejane Silva,
com carinho especial
A um só tempo, não me tornaria
amado e querido, tão capaz de uma séria e imensurável
"A-u-t-o-d-o-a-ç-ã-o", em nome do amor, de maneira muito próxima da
que passei a conhecer, como purgação sublimada à renovação da alma como um
todo. Faço referência à picuinhas diárias, tolices e disparates que se tornaram
essenciais, ou pareceram basilares, porque, num dado momento do caminhar da
vida, tive que passar, ou experimentar situações não previstas e inusitadas,
arcaicas e esquipáticas, que, num curto espaço de tempo, me vi completamente só
e perdido.
Os contratempos aos quais me
refiro, são as adversidades, ou as dificuldades antagônicas. Apuros emergentes
e funestos, aziagos atrelados a hostilidades que não estavam programadas,
porém, de alguma forma, me deixaram manifestamente patenteados e, claros, que,
tais fatuidades ridicularias, por mais corriqueiras e sem valores que pudessem
parecer, me ensinariam ou serviriam para rememorarem e entender mais
profundamente as grandes lições de vida. Aconteceu no meu meio e acreditem, me
vi e me senti frontispiciado com certas lições de moral inesquecíveis.
Aliás, não deveriam ser
inesquecíveis. O mais irônico, senhoras e senhores: se a “parada” não fosse
trágica, evidentemente descambaria para o deplorável do catastrófico humano.
Desfilaram, diante de mim, entraves e embaraços os mais engraçados e
simplórios. Aperreios que se encostavam bem ali, quase a me atropelar, e, ao
alcance de meus olhos. Em dias de completo enfurnamento, não percebi, ou não
queria ver.
Se enxergasse, certamente deixaria passar ao largo, ao batido, ao sem me importar. É por isto que procuro tirar sempre o melhor proveito de tudo, vendo sempre o lado alegre das tribulações, das desgraças e estúrdios os mais profundos agouros que, às vezes, tentam nos pegar (e, de fato, acreditem, na maioria dos descuidos nos surpreendem), de calças curtas, grosso modo, com os dentes cravados na mangueira da botija. Percebam, caríssimos. Não deixou de ser diferente com a vinda da quarentena forçada em face do Covid-19.
Pelos meus sessenta e nove
janeiros, necessitei, quase à toques de recolher, ou pior, de porradas, me
trancar dentro de casa. Sequer botei as fuças nas dependências do condomínio
para tomar um solzinho considerado benfazejo à carcaça esquelética. Preferi o
resguardo do lar hospedeiro e generoso, dedicando mais tempo aos meus livros e
aos meus escritos, isolado no que todo mundo cognominou de “bureau à domicile”.
Foi trancado nele, que concluí, quem, realmente se importava com a minha
sobrevivência e bem estar.
Não propriamente com a minha
pessoa física (seria o cúmulo, afinal de contas, levando em conta que o mundo
não gira ao redor de meu umbigo), todavia, com a saúde, com o que estaria
faltando em casa, para essa sobrevivência contrariada e subitamente
imposicionada se tornar menos causticante e fastidiosa. Nenhum irmão (tenho
vários) deu as caras, mesmo aquele, em especial, que, em dias normais,
necessitaria viver grudado em meus braços e colhões, por força de um trabalho
que nos colocou ombro a ombro, que nos constrangeu aos mesmos passos a serem
observados com carinho e acuidade.
Ele se esqueceu (sera?), ou
fingiu deslembrar, que se não sou o seu “laranja”, o ponta firme de toda hora,
o pau mandado, a sua figura falsificada, ele não estaria tranquilo. Mesmo
passo, a sua figura mascarada de bosta vivendo às mil maravilhas, não curtiria
a vida adoidada, sem se preocupar com o amanhã. Deveria, o crápula, uma vez que
tudo está girando no eixo de meu nome, pensar. Careceria, o desgraçado, ficar ligado,
atento, prudente, cortês, solícito, diligente, assíduo, polido. Se
inconsequentemente me der uma louca, se eu pirar na batatinha, e, ou “pisar na
bola”, ele simplesmente cairia do seu falso pedestal, indo, de mala e cuia,
para a casa do senhor Carvalho.
O mais humilhante, senhoras e
senhores: para a residência oficial do seu Caralho. Aliás, essa parte foi a que
mais me doeu às entranhas. Compungiu muito! No mesmo tapa, de todas as filhas
(somam seis), somente uma se preocupou ligando todos os dias, e o melhor de
tudo, colocando o neto de seis anos para conversar comigo, via vídeo
conferência, tutelada pela magia dos aparelhos celulares ultramodernos. O meu,
por exemplo, faz de tudo, tem mil utilidades. Lembra o velho Bombril.
O resto da galera (tirando os
mais chegados), nem ao menos um telefonema. Um “oi”, uma mensagem via Facebook,
Instagram, Whatsapp, ou qualquer outra porra para saber se eu havia conseguido
me manter vivo, apesar da epidemia galopante, ou se viajara confortavelmente
empacotado, com bilhete só de ida para a cidade dos que curtem os “pieds
ensembre”. Nesse rol, não incluí a mamãe, tampouco o papai, porque ambos (até
onde acredito ou alguém me prove o contrário), foram residir definitivamente no
andar de cima.
Devo expressar carinho
especial à um anjo caído do céu que cuidou das minhas refeições
ininterruptamente. Não só isso. Lavou e passou as minhas roupas, e todo santo
dia, sem falhar, não só telefonava, como mandava mensagens. Via idêntica,
chovesse ou fizesse sol, essa criatura de luz própria se dava ao trabalho de
sair do seu cantinho, do seu sossego, e vir ao meu apê trazendo o café da
manhã, o almoço e o jantar, inclusive, se atendo, vejam só, a limpeza geral do
meu espaço de moradia.
De novo, pasmem, caríssimos!
Sem cobrar um centavo por sua peregrinação. Sem pedir nada em troca, a não ser
a motivação isenta pela alegria filantrópica de ajudar, de fazer algo pelo
próximo, e acreditando, ver o meu sorriso bailando no rosto. Ou seria, indo um
pouco mais aquém, apenas pelo bonito gesto subentendido da palavra
Solidariedade? Vejam senhores leitores, que coisa engraçada. Os ricos, os
metidos a abastados (porque conseguiram um carrinho, um apartamentozinho de
frente para o mar), adquiriram um barquinho, se acham os maiorais, os intocáveis,
os deuses.
A sintonia da solidariedade,
para eles, é um palavra que passou longe, ou dito de forma mais abrangente:
nunca existiu. Referencio aqui, senhoras e senhores, aos familiares mais
convizinhados. Os aparentados hipócritas, os dissimulados, os pérfidos e
apócrifos que me atropelam cotidianamente, seja para (no caso do mano fruélico,
metido a peidar cheiroso) assinar papeis, retirar correspondências no
escritório virtual, ir aos correios, ao banco sacar dinheiro para pagamento dos
salários de funcionários
E as filhas? Quase deixei
passar em branco. Não poderia me esquecer delas. Uma em especial. Seria
desumano, de minha parte, não tocar em seu distanciamento. Embora sem
compromissos reputados como sérios e urgentes, a beldade só lembra do velho pai
em começo de mês (dia dez, para ser mais exato), coadunada na cobrança pelo
depósito do saque mensal em conta bancária, à rubrica de pensão alimentícia.
Caríssimos e amados leitores,
é isso que recapitulo, ou rememoro, quando me pego em situações de extrema,
necessidade, seja por imposição da saúde debilitada, seja pelos percalços que,
de quando em sempre, adoram grudar em meus calcanhares as peças mais estranhas
e asquerosas. Resumindo, agora generalizando, pelo que somos, sobretudo pela
fragilidade das nossas vidas (partindo daquele princípio básico, para morrermos
basta estarmos vivos), não deveríamos olvidar certos padrões de comportamento,
ensinamentos cruciais que trouxemos de berço.
Urbanidades e doutrinas
oriundas de nossos pais e avós. Essas “frivolidades” mereceriam estar vivas em
nosso núcleo de informações genéticas. Sempre em alerta. Caganifâncias diárias
que se tornaram essenciais ou pareceram iminentes e imprescindíveis, vitais e
elementares, porque, num dado momento do caminhar do nosso gozo mágico dado por
Deus (o sopro da vida), tivemos que passar, ou experimentar situações adversas
e não prognosticadas. Dificuldades e apuros emergentes, frisuras que não se
afiguravam metodizadas. Entretanto, de alguma forma, nos deixaram manifestamente
patenteados e aclarados que, mesmo esse colar de ínfimas ridicularias, por mais
corriqueiras e sem valores que possam parecer, repito, ensinam ou nos trazem à
baila, grandes e poderosas lições de vida. Foi o que aprendi e não só guardei
no fundo da alma. Vi, senti na carne, na pele, enquanto embrulhado, à
contragosto, por força de um país cagalhão.
Igual sentido e direção, de
dirigentes ignotos, de pulhas, de flibusteiros, que nessa quarentena até agora
(tem gente que acredita que tudo acabou) redundou sem resultados satisfatórios
e positivos, a não ser para os bolsos sem fundos dos que detém os poderes nas
mãos, à semelhança de demiurgos opostos, que nada mais são que artífices e
operários de quem lhes pagam mais, quando deveriam ser exatamente o contrário.
Como num filme antigo, me veio a mente, aos borbotões fragmentos truncados que,
em nenhum momento, se manifestaram certeiros e peremptórios.
Ao derradeiro de tudo, nesses
quarenta dias (ou mais), trouxemos à luz da realidade, quem verdadeiramente nos
queria sãos e salvos. Incrivelmente, MINHA DOCE E AMADA CARLA REJANE...
desvendamos, pois, as criaturas que nos almejavam saudáveis, alegres, e
satisfeitos com o habitual do existir. Tiramos, de supetão, não a frieza e a
insensibilidade das caras deles, mas as nossas próprias máscaras, nos
permitindo enxergar aqueles seres humanos que verdadeiramente nos prezam, nos
amam, nos querem para cima, e o melhor de tudo, pessoinhas que se sentem
felizes e, de certa forma, realizadas com a nossa humilde presença.
A resultância desses conflitos
travados entre a nossa visão das acontecências, e o descaso dos familiares
“mais chegados ou próximos”, como num coliseu do imo, serviu de esteio para
varrer do interior de nossa pituitária, este infame pensamento que tínhamos até
então fragmentado, ou seja, de acharmos que todos ao nosso redor, estavam ao
nosso lado e almejavam literalmente nos ver com mais frequência e infinitos
mimos cuidadosos. Ledo engano!
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 5-7-2022
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