Os ministros do Supremo têm certeza de que são sumidades em tudo
Augusto Nunes
Desembarquei no Rio de Janeiro em dezembro de 1967 decidido a cumprir as quatro etapas do projeto que, enquanto estivesse em andamento, garantiria a mesada da família: ser aprovado em fevereiro de 1968 no exame vestibular da Faculdade Nacional de Direito, tornar-me um bom aluno do curso que começaria em março, virar advogado no fim de 1972 e ingressar em 1973 no Instituto Rio Branco, que seleciona os candidatos a uma vaga no corpo diplomático do Itamaraty. Achei sensato esconder dos parentes a quinta fase do cronograma: sem escalas na embaixada no Gabão, sem estacionar num consulado na América do Sul, assumir o comando da representação brasileira na França e desfrutar das diferenças existentes entre Taquaritinga e Paris.
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Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil |
O plano desandou já no
primeiro semestre de 1968, ainda no início da segunda etapa. Em vez de acampar
nas salas de aula, passei a circular nos corredores da escola, ocupado com as
tarefas de dirigente do movimento estudantil. Eleito 3º vice-presidente do
Centro Acadêmico, troquei o Instituto Rio Branco pela Avenida Rio Branco, palco
de passeatas quase diárias. Depois de arrastar-me até o fim do 2º ano, fui
instado pelo diretor da Nacional a deixar o Rio. Perdi a mesada, a chance de
virar doutor e, pior que tudo, a temporada em Paris. Em São Paulo, descobri que
meu destino era o jornalismo. O que me consola é que mesmo um bacharel
interrompido aprende verdades que, embora elementares, os atuais ministros do
Supremo Tribunal Federal desconhecem (ou fingem desconhecer, o que dá na
mesma).
Luiz
Fux tornou-se um caso exemplar de homem sem dúvidas. Luís Roberto Barroso
sempre foi
Até um calouro viciado em vadiagem conhece a frase latina “Nullum crimen sine praevia lege”. (Em português: “Não há crime sem lei anterior que o defina”.) A Justiça brasileira é ainda mais precisa: se algo não figura entre os crimes prescritos pelos códigos, “não há crime nem pena”. Na quarta-feira, o ministro Luiz Fux mandou às favas a norma secular. Durante um sarau batizado de “Fake News e Liberdade de Expressão”, o presidente do STF afirmou que o País do Carnaval “coíbe frontalmente a prática, impondo sanções nas esferas criminal, eleitoral e cível”, apesar da inexistência de qualquer artigo, parágrafo ou inciso que considere criminosa a difusão de mentiras de cunho político.
Uma das minhas obsessões é o
homem sem dúvidas, defeito de fabricação que o dispensa de reflexões — e,
portanto, de angústias ou remorsos. Nos dez minutos que precedem o sono dos
normais, essas sumidades em tudo não perdem tempo com a recapitulação do que
fizeram ao longo do dia. Podem ter atropelado os Dez Mandamentos, os sete
pecados capitais e o Código Penal de A a Z, mas não reconhecem um único erro,
um escasso equívoco. Podem ter garantido a pena máxima no Dia do Juízo Final,
sem direito a recurso. Mas ressonam sem qualquer vestígio de culpa. Luiz Fux
tornou-se um caso exemplar de homem sem dúvidas. Luís Roberto Barroso sempre
foi.
Barroso tem certeza, por
exemplo, de que é hora de endurecer a guerra na frente digital. “As plataformas
acabam ampliando o Mal porque isso traz mais lucro”, disse ao lado de Fux o
juiz que sonha com o controle das redes sociais. Ambos se expressaram no tom de
quem está acima da Constituição e dos demais Poderes. É esse o conteúdo que
predomina, aliás, no livro Liberdades, que reúne artigos
produzidos pelos 11 togados. Com uma agravante: na forma, a obra não é melhor
que as composições à vista de uma gravura que escreviam nos tempos em que
usavam calças curtas. É uma cartilha. É um Caminho Suave para
capinhas.
DE OLHO NO SUPREMO
Depois de uma leitura ligeira
de Liberdades, os encarregados da seção “De Olho no
Supremo”, criada há duas semanas por esta coluna, aprovaram por unanimidade as
seguintes decisões, imediatamente remetidas aos destinatários:
1. O ministro Ricardo Lewandowski, autor do texto sobre o tema “Liberdade de Reunião”, tem 72 horas para descobrir qual destes assuntos vem sendo debatido por Geraldo Alckmin e Lula, em sucessivas reuniões, desde que os dois desafetos se tornaram amigos de infância e resolveram voltar de mãos dadas à cena do crime: o candidato a vice quer ajudar a provar que o Petrolão não existiu ou quer alguma participação nos lucros?
2. O decano Gilmar Mendes deve esclarecer antes de mais uma viagem a Portugal se escolheu “Liberdade de Ir e Vir” como tema do seu artigo no livro para avisar que, a partir de agora, é crime hediondo vaiar um ministro do Supremo que estiver passeando de tênis em qualquer rua de Lisboa.
3. O ministro Alexandre de Moraes precisa informar assim que concluir a leitura do livro se a proibição de comentar vínculos suspeitos entre o PT e o PCC também vale para a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que resolveu ouvir Marcos Valério sobre vínculos suspeitos entre o PT e o PCC, ou se restringe a gente que apoia a candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
4.
O presidente Luiz Fux tem de esclarecer,
entre um discurso e uma live, se também os desfiles de escolares
munidos de bandeirinhas, que tradicionalmente ocorrem no 7 de Setembro, serão
considerados “manifestações golpistas”, “atos antidemocráticos” ou “ofensas
graves ao Supremo Tribunal Federal”.
Título e Texto: Augusto
Nunes, Revista Oeste nº 124, 5-8-2022
Na verdade grosso modo, todos os mi"si"nistros do STF deveriam sumir (com toda a sumidade) para o raio que os partisse de vez. No Brazzzil já temos merda demais.
ResponderExcluirUm dia a privada entope.
Aparecido Raimundo de Souza
de Jundiaí, interior de São Paulo