'O caso reúne tantos e tão escancarados absurdos jurídicos que mal se sabe por onde iniciar a longa lista dos arbítrios praticados sob o nobre pretexto de defesa dos ideais democráticos'
Kátia Magalhães
Acaba de ser noticiado por
diversos veículos, com indisfarçável alegria, o cumprimento de mandados de
busca e apreensão, expedidos, por determinação do ministro do STF Alexandre de
Moraes, contra certos empresários que, em um grupo de whatsapp, teriam
incitado atos supostamente golpistas e antidemocráticos. Porém, longe do que
pretende a narrativa midiática oficial, o caso reúne tantos e tão escancarados
absurdos jurídicos que mal se sabe por onde iniciar a longa lista dos arbítrios
praticados sob o nobre pretexto de defesa dos ideais democráticos.
Comecemos pela gênese de todo
esse thriller de terror, ensejado por uma reportagem do portal
Metrópoles que, graças a um agente infiltrado em um grupo intitulado Empresários
& Política, teve acesso às conversas e registrou mensagens postadas por
alguns membros, como, por exemplo, “prefiro golpe do que a volta do PT (sic)”,
ou “o golpe teria de ter acontecido logo nos primeiros dias de governo”.
Aí reside a primeira
irregularidade gritante de todo esse imbróglio: para angariar audiência a
qualquer preço, o portal lançou mão de ardil para penetrar em um determinado
círculo restrito de amigos, levando a público afirmações de cunho privado, de
interesse tão somente para os participantes do coletivo, e violando os direitos
fundamentais à intimidade e ao sigilo telefônico e de correspondência,
assegurados pelo art. 5, incisos X e XX da CF.
De posse desse material, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pleiteou, junto ao STF, a quebra de todos os sigilos dos autores das frases acima, o bloqueio de seus bens e a decretação de sua prisão, em uma medida de indiscutível natureza criminal. Contudo, a ação proposta por Randolfe não se encaixa em qualquer das espécies de ações penais contempladas pelo nosso sistema, ou seja, nem entre as públicas, que são a regra, e necessariamente propostas pelo Ministério Público, nem entre as privadas (ou queixas), oferecidas pelas vítimas de certos crimes específicos. De fato, como não atua como membro do MP, e muito menos figura como ofendido pelas falas dos empresários, Randolfe não dispõe da prerrogativa de acionar todo um aparato judiciário na esfera criminal, ou, como se diria em juridiquês, carece de legitimidade para satisfazer seus caprichos punitivos contra os empresários.
Ocorre que, em se tratando de
Brasil, onde, nos últimos anos, o Judiciário se arroga a legislar e a
desconsiderar princípios comuns a qualquer Estado de Direito, o ministro
Moraes, relator da ação, não se importou a mínima com a ilegitimidade de
Randolfe, e, em mais um arbítrio, aceitou que a ação tramitasse no STF.
De fato, se a medida não
consiste em recurso contra decisões de outros tribunais, e se os empresários em
questão não dispõem de foro privilegiado, qual seria o fundamento para a
propositura da ação logo perante a Suprema Corte? Nenhum de ordem jurídica, e
certamente diversos de natureza aleatória, tais como interesses politiqueiros
escusos ou até eventuais conluios mirando figuras de notoriedade social.
Após ter abusado da sua
paciência, caro leitor, com a descrição de todas essas irregularidades
procedimentais, passemos à indagação que efetivamente aflige os espectadores de
qualquer caso criminal: afinal, qual teria sido o crime praticado pelos
empresários? De pronto, podemos excluir as ofensas à honra (calúnia, difamação
e injúria), pois as frases que tanto feriram suscetibilidades não imputaram
acusações ou atributos denegritórios a quem quer que fosse. E, ainda que os
autores das falas tivessem cometido tais delitos, teria cabido aos eventuais
ofendidos, e não a Randolfe, jamais mencionado nos diálogos, o direito de
ingressar com as respectivas ações penais.
Assim sendo, sobrariam os
dispositivos da Lei 14.197/21, que revogou a Lei de Segurança Nacional do
período militar, e introduziu na nossa legislação penal os crimes contra as
instituições democráticas, punindo as condutas dos que “tentam, com emprego
de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito,
impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais” (artigo
359-L), e que “tentam depor, por meio de violência ou grave ameaça, o
governo legitimamente constituído” (artigo 359-M). Como de praxe no universo
criminal, convido você a uma análise dos verbos que descrevem as práticas
delitivas e das circunstâncias características destas, para que se possa aferir
se os empresários teriam efetivamente incorrido nos crimes acima.
Quanto à tentativa de abolição
de um Estado, não entendo onde residiria a violência ou grave ameaça na
tentativa de realização desse feito por WhatsApp. Em relação à
violência, é óbvio que o próprio uso da telecomunicação já pressupõe uma
distância entre o emitente e o destinatário da mensagem, o que é de todo
incompatível com o uso de explosivos ou demais equipamentos bélicos. A menos
que os empresários acionassem, de longe, alguma bomba ou drone, o que jamais
constou das mensagens. No tocante à grave ameaça, é igualmente evidente que os
autores das frases em questão não ameaçaram quem quer que seja, até porque não
se dirigiram a qualquer terceira figura definida (o ameaçado).
No que diz respeito à
tentativa de deposição de um governo, por violência ou grave ameaça, também
manifesto minha total perplexidade, já que uma estrutura governamental se depõe
com muito sangue e beligerância, de modo que alguém que planejasse tal intento
por mensagens eletrônicas não passaria de um golpista de araque, incapaz de
matar uma mosca, por mais que gastasse todo o seu latim em horas a fio no WhatsApp.
Diante dos fundamentos
técnicos acima, conclui-se que os empresários, pelo menos neste caso, não
praticaram crime algum, pois seus colóquios sobre supostos golpes jamais se
transformaram em qualquer medida prática capaz de configurar o início da
execução de um projeto arquitetado para depredar o Parlamento e os Tribunais
Superiores, ou para chacinar ou ferir ministros e parlamentares. As falas se
restringiram a meras especulações, ou até devaneios desencadeados, em boa
medida, pelo clima por nós vivenciado de insegurança e descrédito das
instituições.
Em bom português, quase um “papo
de boteco” virtual travado em privado, que um togado supremo, do alto da sua
arrogância de inquisidor, houve por bem transformar em questão de Estado.
Deliberação típica de um ditador que, mediante a cooptação da maioria
esmagadora da opinião pública, se traveste de justiceiro, ávido por punir
exemplarmente o que seriam golpistas perigosos.
O filme Alemão
intitulado A Vida dos Outros retrata, em detalhes, a repressão
exercida pela polícia política (STASI) da então República Democrática da
Alemanha, ou Alemanha comunista, que organizou um forte aparato policialesco
cuja única atividade consistia, seja por meio de escutas telefônicas,
infiltrados ou delatores, em apurar detalhes da vida íntima dos cidadãos, quase
insetos privados de liberdade e monitorados ininterruptamente. Como bem
mostrado no longa, qualquer opinião manifestada no seio da própria família
poderia ser encarada como um plano para desestabilizar a ordem vigente no país,
e punida com sanções que variavam de meras advertências ao encarceramento e até
torturas, dependendo do grau de “periculosidade” por parte de quem ousava
pensar e conversar, no microcosmo do seu lar.
Decorridas tantas décadas
desde então, e evidenciada a falência desse tipo de modelo totalitário de
qualquer viés, não imaginava deparar com o retorno de práticas ditatoriais no
meu país, e, muito menos, emanadas do Judiciário, logo ele, o único poder
não-eleitor, que deveria guardar nossa democracia e nossas garantias
constitucionais. Tampouco imaginaria testemunhar tamanho arbítrio de perto, na
qualidade de membro do grupo de WhatsApp alvejado por Moraes,
que, aliás, não é um coletivo “bolsonarista”, mas sim um círculo integrado por
apoiadores de vários outros partidos, como eu mesma, crítica a vários aspectos
do atual governo e filiada a outra sigla que não a do Presidente. E, como
participante, posso afirmar que sempre me senti à vontade para discordar de
opiniões de outros membros, em descontraídos debates de ideias que, muitas
vezes, se encerravam mesmo em boas gargalhadas ou piadas.
Porém, autocratas do naipe de
quase todos os nossos supremos togados dessa que tem se mostrado a pior
composição do nosso outrora glorioso STF, não toleram a livre circulação de
ideias, e abusam do poder da caneta, como ocorreu nas deploráveis ordens de
busca e apreensão cumpridas hoje. Se conversas informais em grupos de WhatsApp integrados
por agentes privados dão margem a riscos de medidas extremas, como, por
exemplo, bloqueio de contas ou até encarceramentos, podemos afirmar que nos
tornamos uma sociedade de insetos, desprovidos de vontades e de percepções. Do
que vale a vida, quando privada de uma das liberdades básicas de qualquer ser
humano, que é a de pensar e comunicar suas ideias a seus próximos?
Título e Texto: Kátia
Magalhães, advogada, tradutora jurídica e colunista do Instituto Liberal e
do Boletim da Liberdade, Diário do Rio, 24-8-2022
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Não suporto mais o focinho de Alexandre de Moraes!
ResponderExcluirTodos falam que fulano e beltrano planejam golpe.
ResponderExcluirO GOLPE JÁ ESTA ACONTECENDO.
Todos sabem quem está dando.
A DITADURA DA TOGA NÃO TEM ADVERSÁRIOS.
REFLITAM.
Exatamente! Será uma vitória gigante e planetária!
ExcluirPGR critica ação autorizada por Moraes contra empresários pró-governo
ResponderExcluirDiscordo do meu amigo Jim Pereira ao chamar o nosso ilustre Mi"SI" nistro Alexengachonque de Morrais usando a palavra pejorativa de "focinho". Respeito ao deus da corte, digo aos cachorros. Morrais e mais que um au au. Na verdade, um Diabo sem cabelo tridentiado de Mané, conhecido nas rodas dos amigos como Cabeça de ovo" ao qual carinhosamente eu acrescento o "Podre".
ResponderExcluirAparecido Raimundo de Souza
da Lagoa, Rio de Janeiro
Abutre depenado.
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