Carina Bratt
ÀS VEZES eu dou uma parada nos meus afazeres diários. Estanco sem pressa, sem hora, sem pensar no minuto seguinte. Coloco uma camisa comprida velha, dessas que não saem mais de casa. Por baixo, visto uma calcinha cobrindo o básico, fico descalça, ora andando de lá para cá, ora sentada na minha poltroninha de um só lugar colocada estrategicamente na varanda enorme do meu apartamento.
Nessas horas, me perco olhando a vida, vasculhando os apartamentos do prédio em frente, sondando a rua lá embaixo, examinando as pessoas caminhando... me distraio com o entra e sai da padaria ao pé da esquina, achando igualmente engraçado bisbilhotar a avenida movimentada, onde ônibus e carros passando apressados, voam como se o mundo fosse acabar no minuto seguinte.
Nessas horas, só espio e contemplo. Viajo na maionese. Saio do chão. Sem pensar em Nada, sem pretender coisa alguma, além do simples gesto de apreciar o vazio, de olhar para o lado esquerdo e me deparar com o mar imenso, os navios parados ao longe, enquanto mil aves estabanadas voando ao rasante do dia espetaculoso procuram fisgar peixes despreocupados dos perigos iminentes que os cercam.
Amo sentir o barulho das ondas se quebrando em alvoroço no regaço das pedras, enquanto no calçadão, babás mamães e papais passeiam com pequenos seres iluminados. São crianças em motim descobrindo as belezas do mundo e, por conta, algazarreando diante do oceano de rosto azul, de um céu tremendamente maravilhoso contrastando com a correria de outras criaturas que não podem sequer pensar em desfrutar de um minuto de folga.
Me sinto, nessas horas, feliz, por poder fazer o que muitos não podem nem em pensamento. Ah, o Nada! No oco dos problemas, me torno insignificante e apagada. Me liberto dos meus afazeres, insípida e desligada, A bem da verdade, saio do universo que começa logo ali, do lado de fora da minha porta da sala. Distanciada das horas e das correrias, mergulho no Nada e, dentro dele, me embriago renovando os sonhos.
Me planejo desenhando quimeras num novo porvir, ao tempo em que me surpreendo buscando caminhos não pisados que me levem à sentimentos ainda não vivenciados. Às vezes fecho os olhos, e sem querer, assim do Nada, durmo. Caio no sono. Tiro uma pestana. Devo roncar. Não sei! Nunca me acordei assustada, vítima de algum tipo de obstrução das vias respiratórias. Apenas tenho consciência que, nessas horas, viajo por sendas desconhecidas, e quando volto, não sei quanto tempo depois, à realidade do meu agora, se fez renovada.
Tudo à minha volta parece ter se recriado. O bonito ficou mais bonito, o azul mais azul, o céu mais carinhoso mostrando um sol ameno acariciando meu semblante e afagando a minha pele numa espécie de abrandamento divinal. Cativada por conta dessa magia prazerosa, me flagro satisfeita, cheia e inundada do espírito da Felicidade plena, como se o Pai Maior tivesse descido do seu esplendor e me presenteado com pequenas gotas da sua érida (1) Misericórdia.
Ficar, pois, à mercê do Nada. O nada é a mesma coisa que se iluminar toda
por dentro, inundada, obviamente, com as realezas de uma luz muito forte e
poderosa. Esquecer os dissabores, as agruras, as adversidades, as melancolias,
os momentos maus, as insatisfações, os aborrecimentos, me dá outra expectativa
de vida. A vida é bela e depende da nossa vontade para que ela siga regozijada,
jubilosa, receptiva, exultante e garbosa.
1) Érida – Forte, robusta, indestrutível.
2) Fuzarquiantes - Barulho, confusão, Desordem
Título e Texto: Carina Bratt. Da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 28-8-2022
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Lindo texto. Você é a mágica que eu ainda não aprendi a fazer com as palavras. Do nada você me faz viajar por mundos distantes. Às vezes eu gostaria de ficar preso num desses mundos e não mais voltar. Você me liberta dos momentos maus e me faz acreditar que a verdadeira felicidade está bem aqui ao meu lado ou mais precisamente dentro de você. Estar dentro de você é como renascer refeito e renovado. Sempre
ResponderExcluirAparecido Raimundo de Souza
De Porto Alegre no Rio Grande do Sul.