Carina Bratt
EXISTE UM VAZIO dentro de mim. Um pedaço devoluto e ocioso, bárbaro e desabitado que nada, por mais que eu tente ou faça, consigo preencher e enxergar como gostaria. Sem forças para pelejar, fujo, às carreiras. Me evaporo por algum desvão. Me escondo, ligeira, para somente procurar restabelecer as forças estuporadas, bem ainda renovar as energias carcomidas que guardo num lugar secreto. Todo ‘meu interior’, por dentro, me coloca num patamar onde me vejo e me sinto como aquela idosa ultrapassada, assemelhada a sacola plástica de supermercado prontinha para ser atirada na primeira lata de lixo.
Para meu espanto e tristeza, assombro e perplexidade, o meu martírio se triplica. Percebo que alguma coisa mais forte que eu, algo que eu descreveria como desconhecido e vigoroso, robusto e premente que a minha vontade -, mais fornido até que meus anseios de mulher, por algum motivo inexplicável, me tira as forças de seguir lutando e pior, me impede de deslanchar, de seguir passos adiante, de verdadeiramente, ao desfecho de tudo, não me deixar ser levada por ventos traumáticos que somente têm por objetivo me arrancar dos trilhos, como se eu fosse uma velha composição de trem que devesse ser encostada num ramal desativado da linha férrea original a ser seguida.
Foto: Miguel Afonso |
Um ‘não sei o que’ inexplicável me prende, me pressiona, me impede. Me tira o foco, me rouba a razão, me furta a seriedade e o juízo. Insegura como uma criança aprendendo os primeiros passos, me dou conta que alguma coisa que desconheço, me consome a paciência, me demove os sonhos e me acorrenta a um chão, como se ele fosse de giz. Me embaraça a gana afoita e me estorva seguir em frente, sobretudo, me distancia como uma bússola desorientada, do ‘alvo-meta’, no sentido de galgar vitoriosa os degraus da escada enorme onde, no alto dela, no topo, no ápice, os objetivos que almejo abraçar me esperam faz bom tempo.
Não é de hoje, tampouco de ontem, me sinto assim: desabitada dos ventos benfazejos, escorraçada dos desígnios que a vida plena me reservou com o aval do Altíssimo. Apesar de viver como se andasse dependurada numa corda bamba, esticada num desfiladeiro entre dois penhascos distanciados, mantenho a consciência em pleno vigor e funcionamento a ponto de perceber estar em jogo o meu futuro e o meu amanhã. Meu porvir (apesar dos pesares) é pleno e o meu horizonte magnânimo. Igual realeza, as minhas estradas e sendas, atalhos e veredas ainda não pisadas, se fecham, se escondem amedrontadas e receosas de mostrarem a que vieram.
O destino incerto está, logicamente, de marosca com a minha cara. Por conta, meus horizontes se fazem incoerentes e obscuros. Mergulharam, tenebrosos e incertos, mefistofélicos e entenebrecidos, num mar sem fim de águas turvas e traiçoeiras. Sem entender bulhufas ou a verdadeira razão, e, pior, pelo fato de me pegar sem eira nem beira, em face de tal e asqueroso quadro lúgubre, destoado completamente da realidade, o meu lado ruim criou coragem e tentou emergir com força total, enquanto o excelente se desviou da rota previamente traçada e ‘quase’ se perdeu num poço obscuro. O ‘quase’, entretanto, falou mais alto e o impediu de seguir aos rigores do abestalhado e alienado.
Desprotegida, abandonada, sacrificada e abjurada aos reveses da negra sorte traiçoeira, me sinto, apesar da luta incessante, a cada minuto, mais longe e divorciada dos limites daquilo que verdadeiramente deveria ser chamada da ‘enobrecida compreensão do meu eu interior’, ou mais precisamente do ‘âmago afortunado da suprema ventura de ser feliz e realizada’’. Todavia, por uma mágica do destino, ocorreu o contrário, o oposto. O desfavorável, o incompatível com meu estado normal de ser, se metamorfoseou. Por conta, assim e não de outra forma, ou seja, totalmente assado e tostado, passei a trazer, dentro de mim a alma não mais ferida, tampouco o coração despedaçado, digo, em estado da mais completa e antipática farraparia.
Em resumo, a sensação sentida aqui dentro do meu peito, com a mudança, saltou da água para o vinho. Deixou de ser a mesma vivida pelo torcedor, dentro de um campo de futebol superlotado, como se o seu time tivesse às cegas, a ponto de perder o jogo da vitória aos quarenta e quatro minutos do segundo tempo. Existe para mim, devo dizer de alma lavada, o peito aberto, sempre uma solução, ou saída, como uma carta guardada na manga. Claro que sim. E como fiz para chegar a tão lógica conclusão? Exorcizei meus próprios fantasmas o mais rápido que pude.
Foi a tábua da salvação. A única saída que vi, naquele momento esquizofrênico, para me livrar da hemorragia interna que me queria fazer o mais rápido possível me estrepar em definitivo, deixando o mundo dos vivos indo comer capim pela raiz. Aprendi a me colocar nas piores horas, em brios, ou via idêntica, a me livrar do fardo peçonhento. Cá entre nós, amigas: Até o fundo do nosso imaginário, seja em que circunstâncias for, sabe onde começa e termina os seus limites.
Título e Texto: Carina Bratt. De Campinas Estado de São Paulo. 7-8-2022
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