domingo, 26 de junho de 2022

[As danações de Carina] Incondicional

Carina Bratt 

AMEI ESSE AMOR, como quem ama um deus que veio de um paraíso distante, esquecido e escondido dentro de meu coração. Ele se fez em festa. Bateu mais rápido como se surpresado por uma disritmia começada assim, do nada e se expandiu. Foi tão fabuloso e belo, grandioso e intenso o sentimento, que, de repente, me vi encarcerada do seu olhar, enlaçada pela sua fala macia, submissada ainda pelos beijos ardentes da sua boca bem-feita. 

Lembro que seus dentes brancos como a neve mordiscaram meus lábios capturando a minha língua, a ponto de, no segundo seguinte, cobrirem as montanhas da minha imaginação como historinhas de amor saídas dos mais belos contos de fadas. Me vi, por conta, encurralada, penhorada, detida, sem fala, sem voz, sem ar, mercê de sua beleza indescritível. Foi tão intenso e inflamado esse gostar, tão fogoso e incandescente a ‘simpatização’, que deixei de ser a mulher adulta que morava em mim para regredir literalmente aos floridos da longínqua e distanciada adolescência. 

Mais precisamente, retrogradei no albor dos quinze para dezesseis, e lá, topei com uma jovem deslumbrada e fora de propósito; os poros todos do corpo regozijados pelos arroubos magnificentes do primeiro namoradinho. Me vi, mesmo sufoco, cativa, aberta à sedução tendenciada a preencher todos os espaços ociosos existentes dentro de meu ‘eu’ oculto. Coisas preparatórias do amor se abrindo em flor. Quadra risonha —, inesquecível —, e, por mais que o tempo passe, não se apaga. Ah, o ‘Amor!’. O ‘Amor’ é como se atirar de cabeça vazia de pensamentos do alto de um precipício, num voo incerto e obscuro, desafiando as incertezas do desfiladeiro sem saber como será a recepção no fim da curta viagem feita às cegas em direção ao nada. 

O 'Amor' —, ou pior —, o ‘Amar', também não difere muito um do outro. Se assemelham. Andam juntos, de mãos dadas. O 'Amar' é, pois o se soltar sem amarras, se expor sem noção do tempo, sem sopesar os desastres e os desenganos que me levarão para um mundo que nunca conheci.  O 'Amor' é um vírus letal, que atordoa, que deixa nosso agora sem prumo, sem rumo, sem pensar com seriedade nas consequências que estarão à espera na recepção da linha de chegada. Da casa dos meus mais de trinta janeiros, vejo o ‘Amor’ como um barco aportando em uma marina distanciada. Desenho estradas que se bifurcam por emoções pelas quais não recordo ter passado... vivencio situações que nunca antes me sinalizam ter visto de perto. 

Enfim, o ‘Amar’ é morrer, se preciso for, desde que este ‘Amor’ e este ‘Amar’ se façam entrelaçados e plenos e se afigurem eterno dentro da alma em festejos imorredouros. E eu, confesso, amei assim. A alma se entregou de corpo cheio. Amei perdidamente apaixonada, embriagada pela tensão do seu calor. Me entreguei levada pela tesão da posse. Amei por estar fora de mim, sem pensar friamente em meus horizontes futuros. Amei, confesso, ‘mea-culpa', de peito aberto; o sorriso escancarado; à magia tênue da paixão sem limites a todo vapor. 

Houve alguns momentos em que desenhei estrelas em pleno meio-dia. Amei a taciturnidade da entrega total a ponto de me fazer inevitável. Amei e elegi a Felicidade, optei e me senti fervilhando como um vulcão que acabou de acordar do seu marasmo. Hoje, agora, tantos anos depois, o crepúsculo do belo está presente aqui. Me vejo realizada, abençoada, dona do meu nariz; senhora do meu caminho; do meu melhor momento da vida. Me fiz ardorosa e cadente, enleada num espaço descomedido e me explodi dentro de mim mesma, não só de mim, de você, o meu ‘Amor’; como bomba que ao ser detonada não deixa nada ao redor permanecer inteiro e probo. 

Amei e amo esse ‘Amor’ infinito, tipo um sonho gostoso que me desperta no meio da noite... e afoga meus fantasmas e espectros, assombrações e abantesmas junto com a vontade de não mais abrir os olhos e fugir, fugir; voar; voar; como um Ícaro sem asas para um além sem fronteiras. Aflora, em mim, ainda agora, uau!... desponta em mim, neste momento, com intensidade cada vez mais crescente, nella mia bocca il sapore di um fiume-sale che fluisce dai miei occhi e si spande dentro di me. E eu só amei... só vivi esse amor uma única vez, como se ama um deus... 

Título e Texto: Carina Bratt. Da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 26-6-2022

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