A oposição, o candidato do PT à presidência e a esquerda em geral se irritam com uma baixa de preços de combustíveis que poderia, na sua visão, beneficiar eleitoralmente o governo
J. R. Guzzo
A lei aprovada pelo Congresso Nacional para limitar os impostos estaduais sobre combustíveis, um projeto de iniciativa do governo para reduzir os preços ao consumidor na bomba, é uma aula de pós-graduação a respeito de fanatismo eleitoral, ganância doentia dos governadores de Estado e a falência geral da vida pública brasileira nos dias de hoje. É um caso realmente extraordinário, e talvez único do mundo: a esquerda, as entidades da “sociedade civil” e os próprios governadores ficaram contra uma redução de impostos e de preços. Isso mesmo: ficaram contra uma redução de impostos e de preços.
Os governadores, de um lado, estão cegos para qualquer outra coisa que não seja a arrecadação estadual. Ficaram viciados em beneficiar-se com a alta de preços dos combustíveis e outros produtos essenciais como eletricidade, telecomunicações, gás, etc.: quanto mais caros ficam para a população, mais dinheiro rendem em imposto para os cofres dos Estados. Dali, naturalmente, o ouro segue para o bolso da clientela dos governadores — que começa na remuneração dos altos funcionários e magistrados e termina nos contratos com empreiteiras de obras e com os fornecedores amigos. Todos eles esqueceram completamente que têm de governar para os governados; hoje, governam para as suas secretarias da Fazenda. Viraram acionistas da alta de preços.
A oposição, o candidato do PT
à presidência e a esquerda em geral, de outro lado, se irritam com uma baixa de
preços que poderia, na sua visão, beneficiar eleitoralmente o governo. Vieram,
até, com a ideia realmente extraordinária de cassar a chapa eleitoral do
presidente da República, por conta da redução de preços e de um abono federal
aos caminhoneiros — uma tentativa adicional de garantir, com auxílio aos
transportadores, o abastecimento geral do país nos produtos essenciais para a
população. “Especialistas” procurados pela mídia dizem que a redução de preços
e o abono, a três meses das eleições para presidente, são “ilegais” — o que
leva à conclusão de que o governo não pode tomar medidas de interesse público
em ano eleitoral. Ou seja: estariam a oposição e as forças que lhe dão apoio
exigindo que o governo da União não governe até outubro próximo, e não tome
nenhuma medida que possa beneficiar o cidadão em suas necessidades diretas?
É um dos melhores momentos em
matéria de hipocrisia que se vê há muito tempo na política brasileira. Poucos
anos atrás, a presidente Dilma Rousseff afirmou em público que faria “o diabo”
para ganhar as eleições para a sua própria sucessão. Fez e ganhou — e desde
então não ocorreu a absolutamente ninguém na esquerda, nem nas classes
intelectuais, civilizadas e inclusivas, dizer uma palavra sequer de objeção. Ao
mesmo tempo, um político como o governador de São Paulo vem
se vangloriar agora dizendo que foi “o primeiro” a reduzir o imposto estadual
sobre os combustíveis — quando há uma lei do Congresso que o obriga a fazer
exatamente isso, e quando a sua participação no esforço para aliviar os
consumidores foi nula. A aberração se completa com outros governadores
reclamando do colega de São Paulo, que teria furado a sua “greve” contra a
decisão do Congresso Nacional — e a “negociação”, no STF, para resolver se deve
ou não ser cumprida uma lei aprovada licitamente pelo parlamento brasileiro.
Democracia, no Brasil de hoje, é isso aí.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
O Estado de S. Paulo, via Revista Oeste, 29-6-2022, 18h
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