Rodrigo Constantino
Eu tive um sonho. Nele, os
trabalhadores explorados pelo capitalismo cruel e malvadão fariam uma revolução
comunista igualitária e finalmente seriam capazes de instaurar no país a
sonhada ditadura do proletariado. Abaixo a democracia burguesa, eles gritavam.
Lugar de patrão é na prisão, berravam. Com suas camisas e bonés vermelhos, os
soldados do exército de Stédile marchavam rumo às instituições símbolos da
nossa carcomida república e colocavam tudo abaixo com suas foices e martelos.
Esses heróis da resistência ao
fascismo derrotavam as forças do mal e abriam caminho para o governo de uma
espécie de Fidel Castro brasileiro, que por meio século iria trazer incrível
progresso social, especialmente na área da educação e da saúde. Fidel, afinal,
era o maior líder político do continente, o mais admirado de todos, segundo
Lula. A luta dos companheiros na década de 60 não teria sido em vão. Com um
atraso de décadas, o Brasil finalmente seria um Cubão!
Quando acordei, fiquei com
vontade de contar meu sonho comunista aos meus companheiros. Mandei para um
grupo fechado de WhatsApp, chamado VivaMarx, um breve resumo. Foi quando um
deles jogou aquela ducha de água fria em mim: “Você está doido, cara! Apaga já
isso! Se os fascistas do sistema pegam uma coisa dessas você vai em cana!”
Tentei argumentar: mas foi apenas um sonho! E estou compartilhando isso somente com poucos amigos numa conversa informal particular, num grupo fechado de Zap. Não é possível que isso traga problemas para mim. Não investi de fato na revolução. Não financiei movimentos clandestinos armados para efetivamente atacar aquelas instituições burguesas. Não controlo forças armadas de qualquer natureza. Sou apenas um idoso aposentado do setor público dividindo com amigos um sonho comum, fazendo um desabafo de que ninguém aguenta mais essa ditadura de direita!
Meu colega foi implacável:
“Sim, eu sei disso tudo, mas nada disso importa. Não existe mais liberdade de
expressão, desde que o fascista Bolsonaro aparelhou o STF e seus ministros
criaram o crime de opinião no país. Hoje em dia não é preciso atuar pela
revolução para ser considerado um criminoso; basta defender o comunismo! Ou
pior: basta pensar em defender o comunismo! Se algum agente do novo
DOPs escutar numa conversa de bar um xingamento que seja ao presidente, o autor
vai para o xilindró. Se ele cochichar que prefere Fidel a Bolsonaro, então,
pega prisão perpétua!
Com meu juízo restabelecido
pelas duras lembranças do tempo fascista em que vivemos, aceitei que era melhor
apagar o relato do meu sonho no grupo fechado, para preservar a mim e meus
companheiros. Ninguém quer, afinal, a visita da polícia às seis da manhã para
confiscar nosso telefone pelo crime de uma simples ideia. Não é mesmo?
Título e Texto: Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, 25-88-2022, 8h14
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