terça-feira, 2 de agosto de 2022

Pesquisas e ruas

Alexandre Garcia

Na natureza do jornalista está o ceticismo, a incredulidade, tal como São Tomé. Um grande pecado é a ingenuidade, a credulidade. Não pode aceitar um fato à primeira vista, como se fosse uma questão de fé. Digo isso para me justificar: não é questão de má vontade com as pesquisas; é uma questão de racionalidade, em que a dúvida é o melhor aliado. Tudo isso para dizer que não levo pesquisas a sério. Elas já me enganaram. Se eu permitir que me enganem de novo, a culpa é minha.

João Pessoa, foto: Isac Nóbrega/PR

Estamos em agosto. No agosto de 2018, a pesquisa mais conhecida mostrava que Bolsonaro tinha a maior rejeição entre os candidatos; Witzel, no Rio, e Ibaneis, no Distrito Federal, eram azarões; Dilma estava eleita senadora por Minas, onde Zema ficava para trás. Não sei por que milagre, o mais rejeitado dos candidatos acabou presidente da República. Agora vejo pesquisas que entrevistaram 2 mil, num universo de 156 milhões de eleitores. Quer dizer, a agência de pesquisa tem de descobrir 2 mil entrevistados em que cada um deles represente 78 mil eleitores. É um milagre da ciência estatística.

Acredito mais no que vejo nas ruas que naquilo que leio nas pesquisas

Vejo investidores, banqueiros, empresários, fazendo planejamento para o ano que vem com base nas pesquisas eleitorais. Pergunto se as pesquisas de mercado têm fornecido a eles caminhos seguros para apostarem no futuro. As pesquisas falam em margem de erro. Não consigo entender a matemática que dá um desconto de 5% ou 2% na psiquê do entrevistado. Não imagino que as agências estejam movidas pela intenção de buscar um resultado de sua preferência ou interesse. Apenas imagino como o método é carente de certezas. Prefiro a boca de urna. Mas tampouco consigo me convencer de que alguém que era do PT dois meses antes da eleição tenha votado em Bolsonaro na hora de acionar o teclado da urna.

O mais difícil é aceitar que políticos estejam usando as pesquisas como réguas da sua programação de campanha. Creio que o político é dotado, por natureza, de um instinto para o povo, de um sexto sentido que lhe faz sentir o que o povo quer. Seria então um populista, um demagogo? Provavelmente não. Pode ser um democrata, que sabe que o poder emana do povo e ausculta o que o povo quer, nos gritos, nas falas, nos gestos, nas vaias. Por falar em povo, concluo que acredito mais no que vejo nas ruas que naquilo que leio nas pesquisas.

Título e Texto: Alexandre Garcia, Gazeta do Povo, 2-8-2022, 11h

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