sexta-feira, 11 de agosto de 2023

[Aparecido rasga o verbo] Bafo

Aparecido Raimundo de Souza

COMO SE DIZ carinhosamente a alguém, na lata, sem meios termos ou subterfúgios que ela tem bafo? Existe uma fórmula mágica da qual se possa fazer uso sem que a pessoa se ofenda, fique magoada ou se afaste do nosso convívio? É possível dizer para um tio, primo, irmão, ou no geral, para qualquer chegado do nosso anfêmero que ele está com o hálito fedendo a podre ou a peixe putrefatado? E para o melhor amigo? De que maneira ele encararia esta observação meio que pueril e vulgar? Levaria numa boa? Viraria a cara, ou acolheria o conselho e trataria de dar uma solução definitiva para o problema? 

Hipoteticamente vamos supor que a dona da exalação, fosse a sua namorada. Puts grilo! A mulher amada que você escolheu para viver ao seu lado. Seria admissível levar um papo aberto, tipo “meu amor, não me leve a mal, mas tenho que lhe dizer uma coisa muito séria. Não é de hoje venho sentindo um aflato estranho quando você me beija. A impressão que me vem à parte saliente e piramidal no centro dos cornos, é que você tropeçou e caiu de boca aberta numa privada repleta de excreção. ” Surgiria, aqui, uma indagação: depois desta observação pouco agradável e cavernosa, o relacionamento entre os “pombinhos” seguiria em frente, numa boa, sem sofrer ranhuras, rupturas ou abalos por menores que fossem em sua estrutura? 

Diante deste quadro desolador — a questão é exatamente esta: por acaso, haveria uma maneira mais branda e não ofensiva de dar um simples toque com pitadinhas de astúcia, usando um pequeno amaneiramento à sombra de atenuação, ou de reserva dissimulada? De se chegar ao âmago do fedor sem criar qualquer nesga de constrangimento para ambas as partes e, sobretudo, para o que “cutucou a onça com a vara curta” não se transformar, de um minuto para outro, num tremendo chato com a elegância saltitante das galochas? Resumindo: como abordar o bafo em seu habitat natural, sem afetar os brios ou melindrar? Existe um caminho seguro, um atalho, uma brecha? 

Se a criatura parar e analisar, chegará a triste conclusão de que não existe nenhuma formula politicamente correta, ou conhecida para se dar a conhecer, ao outro, do seu malfadado incômodo. Por mais educado e sutil que seja a maneira de focar interpelando, o dono do bafo este certamente ficará pê da vida, e, em contínuo, poderá lhe mandar para os quintos do inferno, ou para a puta que pariu. Preferencialmente de rodinhas, que é uma maneira do alcagueta chegar mais rápido. Menos mal, se o ofendido não resolver, de roldão, meter a sua querida mãezinha no meio sugerindo que a desgranhenta da amofinação sentida surgiu oriunda das partes que ela não fez a devida assepsia como deveria. 

Na prática do cotidiano, tocar ou mencionar no grotesco do bafo de alguém é antes de qualquer coisa uma porrada certeira nos colhões de qualquer etiqueta conhecida. No entender de quem vive vigiando as maneiras e os modos de condutas de comportamentos dos seres humanos, o descuidado que cair na besteira de praticar o deslize e apontar o bafo, passará a ser visto como um elemento pedante, um ser nojento, e asqueroso. Em outras palavras, detonará um infeliz em decorrência de um simples bafo, seja ele produzido por hálito não compatível, cebola, bebidas alcoólicas, dentes podres, cigarros em excesso, não importa. O “língua solta”, incontinente, será visto e rotulado como um monstro desalmado, ainda que o bafo não ultrapasse os limites do literalmente ponderável, ou tolerável. 

Pois bem! É de excelente envergadura lembrar que há bafos e bafos, ou seja, existem pessoas que não bebem, e carregam o bafo. Há pessoas que comem bifes acebolados e não detém o maldito. Tampouco o propaga à terceiros. Há, ainda, pessoas que não cuidam dos dentes, não lavam o “comedor de lavagem”, não escovam as dentaduras, possuem os trituradores de alimentos estragados e o bafo sequer ousa aflorar. Em paralelo, há os que se cuidam com acuidade e o bafo impertinente e sisudo, não dá um minuto de trégua. 

Muito comum, entre recém-casados, logo ao se levantarem e na troca vertiginosa de um beijo romântico, o bafo se fazer a todo vapor. Nada mais humilhante para tirar o tesão, mandar o brinquedo de estimação em estado de “taradismo atonado” repousar em cima do saco, que um bafo de bombordo. De estibordo, nem é de bom alvitre mencionar. De través... este seria como uma agulhada de jeito, no coração, dada por uma enfermeira possessa. 

O bafo é como a diaforese, o cecê, a catinga de cu. O troço cola na pele como a perda progressiva do desodorante vencido nos pelos do sovaco. Agarra, de unhas e dentes, nas axilas, como a pulga no cachorro, como a inhaca nas intimidades das jovens e senhoritas, como os carris dos trilhos nos dormentes das vias-férreas. O bafo é uma espécie de dor de cabeça muito forte e pertinente às avessas. O infeliz ataca os melindres do ser vivente geralmente fazendo doer os buracos dos cheiradores de plantão, e, de contrapeso, abespinhando os espiráculos dos que estão próximos. Impossível?! De maneira alguma! Tão certo como um avião desprovidos das asas que não consegue sair do chão. 

O bafo é ainda uma catinga aditivada pela falta de cuidados com a higiene bucal. Mormente vem à tona de modo inesperado. Emerge sem prévio aviso, deixando o incauto que recebeu os odores na fuça, com a idéia de que o ânus daquele que o expeliu, subiu rasgando pela garganta, e, sem outra saída mais digna, achou de explodir na primeira presa desprevenida que encontrou pela frente. O bafo é como se fosse uma forma de vingança da pressão sofrida pelo estômago em decorrência da centrifugação contínua de todas as coisas ingeridas. É, em outros dizeres, uma flatulência   sem senso do ridículo, o desgarrado que se desvinculou das entranhas mais profundas, pegou um caminho em sentido errado. 

Segundo especialistas, vários são os tipos de bafos. Eis alguns: a) o popular. O popular é aquele bafo propriamente falando, o que se faz sentir logo que a pessoa abre a boca; b) é o ar aprisionado exalado dos pulmões; c) o bafo de boca  alcunhado de “bafo de onça”, causado pela ingerência de bebidas ou outros licores com altos teores alcoólicos; d) halitose, ou bafo despistado, produzido por cigarros, chicletes, balas de hortelã e outros artifícios; e) bafo do Zé Pretinho, oriundo do café; f) bafo de burro fujão, o que a amante deixa na saliva do marido da outra, quando  a descarada vai com ele para o motel; g) bafo fantasma, a gente sabe que existe, está lá, mas não se consegue sentir; h) bafo com cheiro restrito. 

Neste, o elemento “bebe todas” e, depois, usa uma série de procedimentos rudimentares com a finalidade de despistar a consorte antes de chegar em casa; i) arroto, considerado o pior deles. É como se a bunda do sujeito estivesse com o “canal cagadouro” agarrado aos lábios. 

De qualquer forma, o bafo, em todos seus estágios e consequências, aqui incluindo a bafagem que sai dos pulmões, não importa. Seja qual for a sua procedência, incomoda, constrange, consterna, abate, desalenta, violenta, coage, viola, desabona, comprime, imprime e reprime. O melhor que se pode fazer, nestes casos, é fugir de quem os tem para dar e vender. Na hora oportuna, seja para encontros ou não, a melhor saída é dar uma desculpa estratégica ou inventar uma esfarrapada de tirar o fôlego. Antes ficar fora dos olhos da criatura, que se tornar, para ela, num inesperado, uma inconveniência descomedida. Mencionar, pois, a fetidez, isto, jamais. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 11-8-2023  

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