Justificativas da Justiça são
estapafúrdias, prejudicam o Vasco esportivamente e comprometem a renda de
centenas de trabalhadores
Altair Alves
Os torcedores do Vasco receberam a notícia que São Januário segue interditado na tarde de ontem, quarta (30). No entanto, o que foi amplamente divulgado é mais um capítulo dos deploráveis argumentos de representantes da Justiça para manter a decisão.
Foto: Daniel Ramalho/Vasco da Gama |
As explicações técnicas ainda
não convencem o torcedor e são feitas de forma desproporcional a outros casos
parecidos no futebol brasileiro. Os dois desembargadores que votaram contra
utilizaram o argumento que a perícia ainda é necessária para a liberação do
estádio. O Vasco aguarda o trabalho da perícia, que deveria durar 30 dias,
conforme orientação da Justiça, mas já dura 69. O clube já tem os laudos que
liberam São Januário. De forma incompreensível, foram pedidos 90 dias para a
Justiça realizar a perícia enquanto o Cruzmaltino é prejudicado esportivamente.
Mas o argumento técnico é pequeno – ou talvez uma fachada – perante ao elitismo propagado por representantes das instituições de justiça. Segundo o ‘ge’, o desembargador Fernando Foch começou o julgamento falando sobre “o que emociona ou não” e que manteve a interdição “citando números de moradores de rua no Rio de Janeiro e em São Paulo”. Ele também “citou a ‘escória humana’ na ‘cracolândia’ e disse que nada disso ‘nos emociona, mas o futebol nos emociona'”.
O Ministério Público, ao
iniciar o julgamento com essas considerações, expõe todo o elitismo em relação
ao povo carioca, à Barreira do Vasco e aos moradores dos arredores de São
Januário. O desembargador utiliza termos preconceituosos para fazer um paralelo
entre a Cracolândia e os arredores do estádio do Vasco. É preciso lembrar a
declaração da presidente da Associação de Moradores da Barreira do Vasco,
Vaninha Rodrigues, em resposta ao promotor Rodrigo Terra, que propôs o
fechamento do estádio e menosprezou a repercussão: “Ao ridicularizar nossa
justa indignação com o fechamento de São Januário o promotor parece menosprezar
a opinião e o livre direito de manifestação da Barreira do Vasco, onde vive um
povo valente, honesto e trabalhador que não foge à luta. Não vão nos calar”.
Apenas um adendo: a questão
não é o que emociona mais. Esportivamente, uma associação que fez investimentos
milionários no ano está sendo prejudicada por não ter sua torcida e seu estádio
a seu favor. E merece que a Justiça faça algo a respeito – já que está sendo
impedida por ela. Socialmente, o buraco está se mostrando cada vez mais
embaixo, com sequentes declarações de representantes da Justiça que mostram a
visão que alguns têm da Barreira.
O início da declaração do
desembargador segue uma linha semelhante ao argumento de semanas atrás de outro
representante da Justiça, igualmente infundada e recheada de preconceito. Na
ocasião, o juiz de plantão do Juizado dos Torcedores, Marcelo Rubioli, falou de
“disparos de arma de fogo”, “tráfico de drogas” e “torcedores se embriagando”
para manter a interdição do estádio. Segundo levantamento realizado pelo
aplicativo “Fogo Cruzado”, São Januário sofreu com 22 tiroteios em seus
arredores em 2023 – exatamente o mesmo número sofrido no entorno do Maracanã no
mesmo período. No entanto, apenas um dos dois é interditado.
Vale lembrar que dos três
votos dos desembargadores, o voto favorável à liberação veio da desembargadora
Andréa Pacha. Ela citou o apedrejamento de torcedores do Fluminense no ônibus
do Botafogo, ocorrido recentemente, próximo ao aeroporto do Galeão, para
exemplificar o óbvio: a violência no futebol pode ocorrer em qualquer lugar.
Inclusive em Copacabana, que constantemente serve como palco para embates entre
torcidas organizadas visitantes que vão jogar no Maracanã.
Também é notório que o
processo não ocorre em igualdade a outros casos semelhantes. Em junho, um dia
antes do duelo entre Vasco e Goiás, responsável por interditar São Januário, o
clássico entre Santos e Corinthians também foi palco de cenas lamentáveis e que
geraram a interdição do público na Vila Belmiro. No entanto, a torcida santista
já está liberada nos jogos de seu estádio, enquanto a cruzmaltina aguarda a
punição da justiça terminar.
Caso ligasse para o povo
carioca, o Ministério Público liberaria a torcida em São Januário. Segundo
relatório da Secretaria Municipal de Trabalho e Renda da cidade do Rio de
Janeiro, a interdição do estádio está causando uma queda de 60% na receita
mensal dos estabelecimentos dos arredores após o jogo. Até 300 trabalhadores
autônomos e diaristas são contratados em dias de jogos, que podem receber
valores próximos a R$ 8 mil nessas circunstâncias.
Em 6 de agosto, o site
‘Trivela’ publicou uma entrevista com Lucimar, dona do quiosque ‘Gelada no
Bafo’, que fica na Avenida Roberto Dinamite. Ela relatou dificuldades
financeiras pela ausência de público: “Com certeza tem prejuízo. Com público, a
gente planeja duas semanas antes, investe. Sem torcida, a gente nem investe. No
meu freezer não tem nada. É mercadoria parada. Vou investir sem público? O
público faz uma grande diferença”. Talvez relatos como o da dona Lucimar não
impactem tanto o desembargador.
O estádio do Vasco está
chegando perto de seu centenário e sempre foi um ponto de extrema importância
para a região, além de um imenso orgulho para a torcida vascaína. A segurança
do estado não consegue resolver os problemas sociais do local e do resto da
cidade e acabam punindo o Vasco, seus torcedores e os comerciantes locais em um
verdadeiro show de elitismo e preconceito.
Fonte: Esportes News Mundo
Título e Texto: Altair
Alves, Vasco Notícias, 31-8-2023, 8h52
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