quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Decisão de proibir público em São Januário escancara preconceito contra o Vasco

Justificativas da Justiça são estapafúrdias, prejudicam o Vasco esportivamente e comprometem a renda de centenas de trabalhadores

Altair Alves

Os torcedores do Vasco receberam a notícia que São Januário segue interditado na tarde de ontem, quarta (30). No entanto, o que foi amplamente divulgado é mais um capítulo dos deploráveis argumentos de representantes da Justiça para manter a decisão.

Foto: Daniel Ramalho/Vasco da Gama

As explicações técnicas ainda não convencem o torcedor e são feitas de forma desproporcional a outros casos parecidos no futebol brasileiro. Os dois desembargadores que votaram contra utilizaram o argumento que a perícia ainda é necessária para a liberação do estádio. O Vasco aguarda o trabalho da perícia, que deveria durar 30 dias, conforme orientação da Justiça, mas já dura 69. O clube já tem os laudos que liberam São Januário. De forma incompreensível, foram pedidos 90 dias para a Justiça realizar a perícia enquanto o Cruzmaltino é prejudicado esportivamente.

Mas o argumento técnico é pequeno – ou talvez uma fachada – perante ao elitismo propagado por representantes das instituições de justiça. Segundo o ‘ge’, o desembargador Fernando Foch começou o julgamento falando sobre “o que emociona ou não” e que manteve a interdição “citando números de moradores de rua no Rio de Janeiro e em São Paulo”. Ele também “citou a ‘escória humana’ na ‘cracolândia’ e disse que nada disso ‘nos emociona, mas o futebol nos emociona'”.

O Ministério Público, ao iniciar o julgamento com essas considerações, expõe todo o elitismo em relação ao povo carioca, à Barreira do Vasco e aos moradores dos arredores de São Januário. O desembargador utiliza termos preconceituosos para fazer um paralelo entre a Cracolândia e os arredores do estádio do Vasco. É preciso lembrar a declaração da presidente da Associação de Moradores da Barreira do Vasco, Vaninha Rodrigues, em resposta ao promotor Rodrigo Terra, que propôs o fechamento do estádio e menosprezou a repercussão: “Ao ridicularizar nossa justa indignação com o fechamento de São Januário o promotor parece menosprezar a opinião e o livre direito de manifestação da Barreira do Vasco, onde vive um povo valente, honesto e trabalhador que não foge à luta. Não vão nos calar”.

Apenas um adendo: a questão não é o que emociona mais. Esportivamente, uma associação que fez investimentos milionários no ano está sendo prejudicada por não ter sua torcida e seu estádio a seu favor. E merece que a Justiça faça algo a respeito – já que está sendo impedida por ela. Socialmente, o buraco está se mostrando cada vez mais embaixo, com sequentes declarações de representantes da Justiça que mostram a visão que alguns têm da Barreira.

O início da declaração do desembargador segue uma linha semelhante ao argumento de semanas atrás de outro representante da Justiça, igualmente infundada e recheada de preconceito. Na ocasião, o juiz de plantão do Juizado dos Torcedores, Marcelo Rubioli, falou de “disparos de arma de fogo”, “tráfico de drogas” e “torcedores se embriagando” para manter a interdição do estádio. Segundo levantamento realizado pelo aplicativo “Fogo Cruzado”, São Januário sofreu com 22 tiroteios em seus arredores em 2023 – exatamente o mesmo número sofrido no entorno do Maracanã no mesmo período. No entanto, apenas um dos dois é interditado.

Vale lembrar que dos três votos dos desembargadores, o voto favorável à liberação veio da desembargadora Andréa Pacha. Ela citou o apedrejamento de torcedores do Fluminense no ônibus do Botafogo, ocorrido recentemente, próximo ao aeroporto do Galeão, para exemplificar o óbvio: a violência no futebol pode ocorrer em qualquer lugar. Inclusive em Copacabana, que constantemente serve como palco para embates entre torcidas organizadas visitantes que vão jogar no Maracanã.

Também é notório que o processo não ocorre em igualdade a outros casos semelhantes. Em junho, um dia antes do duelo entre Vasco e Goiás, responsável por interditar São Januário, o clássico entre Santos e Corinthians também foi palco de cenas lamentáveis e que geraram a interdição do público na Vila Belmiro. No entanto, a torcida santista já está liberada nos jogos de seu estádio, enquanto a cruzmaltina aguarda a punição da justiça terminar.

Caso ligasse para o povo carioca, o Ministério Público liberaria a torcida em São Januário. Segundo relatório da Secretaria Municipal de Trabalho e Renda da cidade do Rio de Janeiro, a interdição do estádio está causando uma queda de 60% na receita mensal dos estabelecimentos dos arredores após o jogo. Até 300 trabalhadores autônomos e diaristas são contratados em dias de jogos, que podem receber valores próximos a R$ 8 mil nessas circunstâncias.

Em 6 de agosto, o site ‘Trivela’ publicou uma entrevista com Lucimar, dona do quiosque ‘Gelada no Bafo’, que fica na Avenida Roberto Dinamite. Ela relatou dificuldades financeiras pela ausência de público: “Com certeza tem prejuízo. Com público, a gente planeja duas semanas antes, investe. Sem torcida, a gente nem investe. No meu freezer não tem nada. É mercadoria parada. Vou investir sem público? O público faz uma grande diferença”. Talvez relatos como o da dona Lucimar não impactem tanto o desembargador.

O estádio do Vasco está chegando perto de seu centenário e sempre foi um ponto de extrema importância para a região, além de um imenso orgulho para a torcida vascaína. A segurança do estado não consegue resolver os problemas sociais do local e do resto da cidade e acabam punindo o Vasco, seus torcedores e os comerciantes locais em um verdadeiro show de elitismo e preconceito.

Fonte: Esportes News Mundo

Título e Texto: Altair Alves, Vasco Notícias, 31-8-2023, 8h52

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