Aparecido Raimundo de Souza
O CAVALHEIRO elegantemente bem vestido entrou no armazém assoviando “Ny York, Ny York”, de Sinatra e foi direto ao rapaz do balcão:
— Boa tarde. Por favor, um rolo de papel sanitário.
— O senhor tem preferência por alguma marca em especial?
— Qualquer que você tiver aí serve.
— Posso sugerir uma que sai muito por aqui e toda a vizinhança e adjacências faz questão de colocar no topo da lista de compras?
— À vontade. Qual é?
—Tico-Tico.
— No fubá?
— Como?
— Desculpe. Estava só brincando.
— Fale um pouco deste Tico-Tico.
— Não há muito o que dizer. Papel de alta qualidade, tecnologia japonesa. Boa espessura. Vem em embalagens com quatro e seis unidades, tudo feito e produzido à vácuo, sem contato manual. Coisa de primeiro mundo. E detalhe: não se rompe ao ser picotado. Dá o recado na lata. Basta uma passada de mão... ou melhor, de dedo e pronto...
— E o preço?
— Não gosto de enganar a freguesia. Para os fins a que se destina, é meio salgado.
— OK. Quero um destes populares baratos que não estuprem o meu traseiro – ou dito de forma mais amena, que não deflorem as minhas pregas e expurguem meu bolso –, só o... só o que tem de ser limpo, está me entendendo?
— Depois do “Tico-Tico” tenho o “Limpa Claro”.
— E é claro?
— Claro que é. Aliás, excelente.
— Já experimentou?
— Não só eu como todos lá em casa. Mamãe, por exemplo, quando vai fazer as suas necessidades mais prementes, só usa o “Limpa Claro”. Minha irmã Rosilda é a única chata da família. Cismou com o “Toc-Cull”.
— Sabe o motivo desta aclamação?
— Segundo ela, este produto possui um papel mais grosso e consistente.
— E a jovem aprecia a aspereza? Entendo! Você comunga com a sua irmã em relação à grossura?
Risos:
— O senhor está mudando o rumo da prosa.
— O que este “Limpa Claro” traz de extraordinário que mexe com a simpatia “retrofuricular” das pessoas, notadamente com toda as cabeças da sua família?
— As folhas são duplas, as cores variadas e tem a história dos sabores...
—... Sabores?
— Perfeito. Vendo muito as unidades com gosto de cereja.
— Não me diga que a sua freguesia, como os seus consanguíneos, além de usarem, provam literalmente o tal papel?
— Isso eu não sei – mas é o que vende e sai em quantidade bastante significativa. Então, qual o senhor vai querer levar?
— Este negócio de marca, para mim, não voga.
— Aí é que o senhor se engana.
— De que maneira?
— Se eu lhe vender, por exemplo, um papel sanitário da marca “Buraco Limpo” ou “Bundisshow”, com certeza o amigo passará raiva.
— De que forma?
— Na hora de ser usado o troço lhe deixará de calça-curta e a cueca fedendo. Sem falar no resto. A fórmula da fabricação é estranha. Parece que na hora agá, o material, em contato direto com o dedo, se dissolve. Vira farelo. Em oposto, o “Buraco limpo...”
— Entendo a sua preocupação. Meu falecido tio só usava o tal do “Pintassilgo Plus”. O “cano de descarga dele nunca viu outro durante os noventa e cinco anos em que viveu como rei do vaso sanitário. Se acaso faltasse – segurava a vontade de evacuar por três dias. Ia e vinha com aquele bolo de merda ruminando no intestino. Vez em quando, soltava uns... soltava uns... você sabe, bem fétidos e malcheirosos, de matar qualquer cristão de nariz atento à odores não cadastrados.
Ambos caem em estrondosa gargalhada:
— Afinal – inquire o vendedor. Qual devo embrulhar? O “Tico-Tico”, ou o “Limpa Claro”?
— Nem um, nem outro. Vê esse baratinho mesmo... como é mesmo o nome?
— “Buraco Limpo?”
— Não, o que você mencionou depois.
— “Bundisshow? ”
— Na mosca. Levarei um rolo.
— Sugiro o “Tico-Tico” ou o saudável “Buraco Limpo”.
— Sem chance...
— Que tal o “Toc-Cull...?”
— Piorou.
— Se eu tivesse para venda este que seu tio adorava... estou em falta. Vou ficar lhe devendo...
— Se tivesse, certamente eu o levaria. O gosto pelas coisas mais triviais vai de cada um. No meu caso, limpar meu traseiro com algo abrutalhado e escarpado, como a sua irmã Rosilda, nem que a vaca espirrasse ou desembestasse tossindo.
— Então, qual vai ser?
— Amigo, sem mais delongas. Manda o “Bundisshow” e fim de papo. No final das contas, meu ilustre, seja o “Tico-Tico”, o “Buraco Limpo,” a cagada é a mesma de todo dia, o cheiro idem – e o fiofó, na hora de expelir o barro catingoso, não saberá distinguir entre um e outro. Encarará a limpada numa boa, sem pestanejar.
Se abriu numa fisionomia deveras engraçada e continuou:
— O importante é tirar o excesso das beiradas. Como dizia o grande escritor Ariano Suassuna, “ao redor do buraco tudo é beira.” Pois bem. Em casa, depois do “alivio necessário”, lavo tudo e pronto. Fica novo e cheiroso outra vez e nos conformes, como manda a etiqueta imposta pela nossa sociedade hipócrita.
— O cu é seu.— Que foi que disse, amigo?
— Que a decisão final é sempre a do cliente. Ele é quem dita as ordens. Eu obedeço. Aqui está o que me pediu. Algo além?
O cavalheiro pagou o valor cobrado, passou a mão no embrulho e da forma que entrou, virou as costas e saiu para a rua movimentada assoviando “Ny York, Ny York”, do Sinatra.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Valinhos, interior de São Paulo. 8-8-2023
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