(…)
“Isso eles nunca irão aceitar.
Não tenhas ilusões, Benedictus.”
“Nunca duvides do poder de uma
boa ideia”, retorquiu Bento. “Os governos mais tirânicos são aqueles que
transformam as opiniões em crimes, pois todas as pessoas têm um direito
inalienável aos seus pensamentos. Um governo que tente controlar as mentes é
tirânico.
Tentar impor o que é a verdade
e o que é falso constitui um abuso de poder e uma usurpação dos direitos dos
cidadãos. O pensamento de cada homem é seu e as maneiras de pensar são tão
diversas como os palatos. Nem mesmo os mais experientes, já para não falar da
multidão, conseguem manter o silêncio.
É comum os homens partilharem
os seus planos com outros, mesmo quando há necessidade de segredo, pelo que é
abusivo o governo que priva o indivíduo da sua liberdade de dizer e ensinar o
que bem entender. O objetivo final da governação não é governar por medo nem
impor obediência, mas, bem pelo contrário, libertar cada homem do medo.
O objetivo da governação não é
transformar os homens de seres racionais em bestas ou marionetas, mas permitir
que eles desenvolvam as suas mentes e corpos em segurança e que empreguem a
razão sem restrições. Na verdade, o verdadeiro objetivo da governação é a
liberdade.
Quem tudo tenta regular pela
lei mais provavelmente cria vícios do que os resolve. Mais vale permitir o que
não pode ser abolido, mesmo que seja danoso. Quantos males nascem da luxúria,
da inveja, da avareza, do álcool e de coisas do gênero e, no entanto, essas
coisas são toleradas precisamente porque não podem ser legalmente impedidas?
Por maioria de razão, o livre-pensamento deve ser permitido, uma vez que é uma
virtude e não pode ser esmagado.
Tal liberdade é absolutamente necessária para o progresso da ciência e das artes liberais, pois nenhum homem as exerce bem sem ser inteiramente livre.”
“Sim, mas imaginemos pode ser
esmagada e os homens subjugados de tal maneira que nem possam sussurrar sem ser
para dizerem o que os governantes querem”, contrapôs Rieuwertsz. “Como seria
nesse caso?”
“Mesmo assim não é possível
pô-los a pensar como a autoridade quer, o que tem como consequência necessária
que todos os dias os homens estariam a pensar uma coisa e a dizer outra,
corrompendo a boa-fé e alimentando a sabujice e a perfídia.
Leis deste tipo, a receitar o
que cada homem deve acreditar e a proibir as pessoas de dizerem ou escreverem
coisas em contrário, têm sido aprovadas com frequência como concessões à fúria
daqueles que não toleram homens iluminados e que, por manipulação, facilmente
transformam a devoção das massas em fúria e a dirigem contra quem quiserem.
Que maior tristeza para um
Estado pode ser concebida que homens honrados sejam tratados como criminosos
apenas porque têm opiniões diferentes?”
“Como Koerbagh.”
“Como Koerbagh, como Galileu,
como Giordano Bruno e como tantos outros”, lembrou o filósofo. “O que pode ser
mais danoso, pergunto eu, que ver homens que não cometeram qualquer crime ou
maldade serem tratados como inimigos e mortos?
A liberdade de pensamento deve
ser assegurada para que os homens vivam juntos em harmonia, mesmo tendo
opiniões diferentes ou abertamente contrárias. Uma tal forma de governo é a
melhor e a que em maior harmonia com a natureza humana.
Numa democracia, a mais
natural forma de governo, todos se submetem ao controle da autoridade sobre os
seus atos, mas não sobre o seu pensamento e a sua razão. A cidade de Amesterdã colhe o
fruto desta liberdade pela grande prosperidade que ela gera e pela admiração
que suscita em todos os outros povos.
Os cismas não têm a sua origem
no amor pela verdade, mas num desejo ilimitado de supremacia. É tão claro como
o Sol do meio-dia que os verdadeiros cismáticos são aqueles que condenam os
escritos de outros homens e incitam as massas contra os seus autores.
Na verdade, os verdadeiros
perturbadores da paz são aqueles que, num Estado livre, tentam limitar a
liberdade de pensamento. Cada homem deveria pensar o que quiser e dizer o que
pensa.”
(…)
Brasil está precisando de um Spinosa, urgente! 😉
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