domingo, 4 de dezembro de 2011

António Barreto “O PS está em mau estado político, mau estado moral e mau estado mental”

Foto: Agência Lusa
Garante que vai continuar a pedir uma auditoria às contas dos últimos dez anos até que a sua voz se canse
Isabel Tavares
António Barreto recebeu-nos no seu gabinete da Fundação Francisco Manuel dos Santos, a que preside, um dia depois da greve geral. Compreende os motivos, mas garante que, num sector falido, a greve só agrava as coisas. E “o Estado está falido!” Quer saber de quem é a responsabilidade por Portugal ter chegado a este estado e diz que esta é uma crise histórica, de tal forma que, finalmente, pode ser que tenhamos aprendido a lição.

Alguma vez fez greve?
(Pausa) Já. Fiz greve em Inglaterra, quando tinha dezassete anos (sorri).

Por que motivo?
Estava num campo de trabalho de juventude, ainda era estudante. Trabalhava na agricultura, a colher tomate e feijão-verde e a plantar couves e coisas do género. E, ora havia trabalho no campo, ora havia trabalho na fábrica, que processava e congelava os alimentos. No campo havia trabalhos fáceis, como apanhar feijão-verde, que era alto, e trabalhos muito mais difíceis, como apanhar tomate, quase no chão. Os proprietários das quintas, que eram empresas, pagavam mais pelas tarefas mais difíceis e menos pelas mais fáceis… Mas houve uma altura qualquer, já não se sabe por que carga de água, decidiram pagar tudo por igual, nivelando por baixo. Era um grupo de 40 ou 50 estudantes de vários países e fizemos greve durante três dias.

Resultou?
Eles cederam e repuseram os preços. De resto, fiz lutos académicos em Coimbra.

Que leitura faz desta greve geral?
Eu não me quero transformar numa espécie de juíz moral dos outros. Se os sindicatos, trabalhadores e partidos políticos consideram que há razões para convocar uma greve e há pessoas suficientes que justifiquem uma greve, posso não estar de acordo, mas quem sou para dizer que façam diferente.

Não lhe peço que julgue, mas que analise…
Com os elementos que temos - e lamento que não haja elementos mais fidedignos, nem do Estado, nem da Imprensa, nem dos sindicatos -, todos os números que me chegaram, as impressões, os relatos da greve, estão muito partidarizados, muito comprometidos; quem é mais para a esquerda acha que foi uma grande greve, quem é mais para a direita acha que não. Estou convencido que foi uma greve eficaz nos transportes públicos, com a alguma eficácia no sector público e muitíssimo pouca adesão no sector privado. O essencial da economia quase não sentiuos efeitos da greve.

O sector dos transportes está falido...
Uma greve, num sector falido, não melhora as coisas, agrava-as. Percebo que muitas pessoas estejam a viver um clima de incerteza, mas não me parece que a greve ajude a resolver os problemas, que resultaram das opções económicas, estratégicas, financeiras e políticas dos últimos dez, quinze ou vinte anos, que, nalguns casos, poderá incluir má gestão…

O Estado tem sido incompetente?
Os transportes públicos parecem estar a ser geridos, em alguns casos, como projectos megalómanos e com muito pouca seriedade nos estudos de rentabilidade, de investimento público, de retorno económico, o que conduziu a muitos milhões de dívida de que são responsáveis. E, para mim, este sector é prioritário, inclusivamente creio que o sistema de transportes, no estado em que está, é até um obstáculo ao investimento, interno e externo.

Como interpreta o manifesto do ex-presidente Mário Soares?
Eu não sei se foi ele que o escreveu, se só assinou, mas não tenho uma ideia muito boa sobre o que ali diz, sobretudo publicar o manifesto no dia da greve.

Disse que foi coincidência…
Pois, pois… deve ter sido coincidência. Não achei que fosse muito interessante e não achei que fosse um bom contributo. Noutro ponto de vista, a conclusão que retirei foi que aquele grupo de pessoas, e outras, certamente, estão muito preocupadas com o estado actual do PS, que está muito desorganizado, muito desordenado, que saiu de um longuíssimo período de governo e saiu em más condições. E os socialistas sabem o que o PS fez no governo durante dez anos. Eles não o dizem, mas a maior parte dos socialistas sabe o amontoado de disparates e de erros cometidos e sabe da responsabilidade dos governos socialistas na situação em que nós vivemos. A maior parte sabe, em privado sabem, dizem que sim. Não querem admitir, porque não querem fustigar-se, não querem autoflagelar-se.
Isabel Tavares, jornal “i”, 04-12-2011

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