José Serra
Nos anos recentes, o ímpeto
petista para cercear a liberdade de expressão e de impressa vem sendo contido
por dois fatores: a resistência da opinião pública e a vigilância do Supremo
Tribunal Federal. Poderia haver também alguma barreira congressual, mas essa
parece cada vez mais neutralizada pela avassaladora maioria do Executivo.
É um quadro preocupante, visto
que o PT só tem recuado de seus propósitos quando enfrenta resistência feroz.
Aconteceu no Programa Nacional de Direitos Humanos, na sua versão petista, o
PNDH-3. Aconteceu também na última campanha eleitoral, quando a candidata
oficial precisou assumir compromissos explícitos com a liberdade para evitar
uma decisiva erosão de votos.
Mas não nos enganemos.
Qualquer compromisso do PT com a liberdade e a pluralidade de opinião e
manifestação será sempre tático, utilitário, à espera da situação ideal de
forças em que se torne finalmente desnecessário. Para o PT, não basta a
liberdade de emitir a própria opinião, é preciso "regular" o direito
alheio de oferecer uma ideia eventualmente contrária.
O PT construiu e financia ao
longo destes anos no governo toda uma rede para não apenas emitir a própria
opinião e veicular a informação que considera adequada, mas para tentar
atemorizar, constranger, coagir quem por algum motivo acha que deve pensar
diferente. Basta o sujeito trafegar na contramão das versões oficiais para
receber uma enxurrada de ataques, xingamentos e agressões à honra.
Outro dia um prócer do petismo
lamentou não haver, segundo ele, veículos governistas. Trata-se de um exagero,
mas o ponto é útil para o debate. Ora, se o PT sente falta de uma imprensa
governista, que crie uma capaz de estabelecer-se no mercado e concorrer. Mas a
coisa não vai por aí. O que o PT deseja é transformar em governistas todos os
veículos existentes, para anular a fiscalização e a crítica.
O governo Dilma Rousseff deve
ter batido neste primeiro ano o recorde mundial de velocidade de ministros
caídos sob suspeita de corrupção. E parece ainda haver outros a caminho. As
acusações foram veiculadas pela imprensa, na maioria, e a presidente considerou
que eram graves o bastante, tanto que deixou os auxiliares envolvidos irem para
casa. Mas, no universo paralelo petista, e mesmo na alma do governo, trata-se
apenas de uma conspiração da imprensa.
Pouco a pouco, o PT procura
construir no seu campo a ideia de que uma imprensa livre é incompatível com a
estabilidade política, com o desenvolvimento do país e a busca da justiça
social. E certamente tentará usar a maioria congressual para atacar os
princípios constitucionais que garantem a liberdade de crítica, de manifestação
e o exercício do direito de informar e opinar.
Na vizinha Argentina
assistimos ao fechamento do cerco governamental em torno da imprensa. A última
medida nesse sentido é a estatização do direito de produzir e importar papel
para a atividade. O governo é quem vai decidir a quanto papel o veículo tem
direito. É desnecessário estender-se sobre as consequências desse absurdo.
O PT e seus aliados
continentais têm tratado do tema de modo bastante claro, em todos os fóruns
possíveis. Seria a luta contra o "imperialismo midiático", conceito
que atribui toda crítica e contestação a interesses espúrios de potências
estrangeiras associadas a "elites" locais. Um arcabouço mental que
busca legitimar as pressões liberticidas. Um fascismo (mal) disfarçado.No
cenário sul-americano, o Brasil vem por enquanto resistindo bastante bem a
esses movimentos, na comparação com os vizinhos. Ajudam aqui a Constituição e a
existência de uma sociedade civil forte e diversificada. Mas nenhuma fortaleza
é inexpugnável. Especialmente quando a economia depende em grau excessivo do
Estado, e portanto do governo.
Nenhuma liberdade se conquista
sem luta, sabemos disso. Lutamos contra a ditadura, ombreados, inclusive, aos
que só estavam conosco porque a ditadura não era deles. Mas essa liberdade que
obtivemos precisa ser defendida a todo momento, num processo dinâmico, pois os
ataques a ela também são permanentes.
Título e Texto: José Serra, O
Globo, 22-12-2011
Colaboração: Rafael Picate
Grifos: JP
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