Por ironia da história ou do destino, Václav Havel e Kim Jong-il morreram no mesmo final de semana. Havel é um dos maiores heróis da luta contra o comunismo; Kim foi um dos mais bizarros ditadores comunistas.
O dramaturgo Havel é
considerado representante do teatro do absurdo. Nos regimes marxistas, sem
exceção, o absurdo costuma ser a imagem fiel da realidade. A luta de classes,
conceito tão científico quanto a existência do boitatá, transmuda-se na tirania
do Estado contra o indivíduo.
Trotsky escreveu que no
comunismo todo varredor de rua poderia ser Aristóteles. Pois os comunistas na
Tchecoslováquia resolveram colocar o conceito em prática: escritores viravam
lixeiros, filósofos viravam serventes, professores viravam coveiros, médicos
viravam carregadores. Havel, o dissidente mais famoso do regime, foi obrigado a
rolar barris numa cervejaria. Isso quando ele não estava preso – o que foi
bastante comum entre 1968 e 89.
A ideia de transformar
intelectuais adversários em trabalhadores braçais ou reduzi-los à miséria é uma
fantasia típica de certo militante esquerdista em qualquer tempo ou lugar. Cá
entre nós, quando um jornalista faz críticas ao PT, quantas vezes não lhe dizem
que ele perderá o emprego e será obrigado a pedir Bolsa Família? E dá-lhe
“controle da mídia”...
Havel e outros dissidentes do
regime eram chamados de inimigos do povo, lacaios da CIA, espiões dos
americanos, paus-mandados do imperialismo. Muitos comunistas desejavam ao
dramaturgo um fim semelhante ao do filósofo Jan Patocka, morto após 11 horas de
interrogatório.
Mas Václav Havel sobreviveu –
e tornou-se presidente do seu país na Revolução de Veludo, sem derramar uma
gota de sangue. Em 22 de abril de 1990, Havel recebeu o papa João Paulo II em
Praga e declarou: “Atrevo-me a dizer que estou participando de um milagre. O
homem que há seis meses foi preso por ser inimigo do Estado está hoje diante de
vós como presidente desse Estado, dando boas-vindas ao primeiro pontífice que
põe os pés neste país”.
Um país pode seguir o caminho
de Havel ou o caminho de Kim. Ao chamar Carlos Marighella de herói, o Brasil
talvez esteja mais próximo do segundo caso.
Título, Imagem e Texto: Paulo
Briguet, no blogue “Com o perdão da palavra”, Jornal de Londrina, Paraná, 21-12-2011
Colaboração: Vitor Grando
Pereira
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