quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Havel, Herói

Por ironia da história ou do destino, Václav Havel e Kim Jong-il morreram no mesmo final de semana. Havel é um dos maiores heróis da luta contra o comunismo; Kim foi um dos mais bizarros ditadores comunistas.


O dramaturgo Havel é considerado representante do teatro do absurdo. Nos regimes marxistas, sem exceção, o absurdo costuma ser a imagem fiel da realidade. A luta de classes, conceito tão científico quanto a existência do boitatá, transmuda-se na tirania do Estado contra o indivíduo.

Trotsky escreveu que no comunismo todo varredor de rua poderia ser Aristóteles. Pois os comunistas na Tchecoslováquia resolveram colocar o conceito em prática: escritores viravam lixeiros, filósofos viravam serventes, professores viravam coveiros, médicos viravam carregadores. Havel, o dissidente mais famoso do regime, foi obrigado a rolar barris numa cervejaria. Isso quando ele não estava preso – o que foi bastante comum entre 1968 e 89.

A ideia de transformar intelectuais adversários em trabalhadores braçais ou reduzi-los à miséria é uma fantasia típica de certo militante esquerdista em qualquer tempo ou lugar. Cá entre nós, quando um jornalista faz críticas ao PT, quantas vezes não lhe dizem que ele perderá o emprego e será obrigado a pedir Bolsa Família? E dá-lhe “controle da mídia”...

Havel e outros dissidentes do regime eram chamados de inimigos do povo, lacaios da CIA, espiões dos americanos, paus-mandados do imperialismo. Muitos comunistas desejavam ao dramaturgo um fim semelhante ao do filósofo Jan Patocka, morto após 11 horas de interrogatório.

Mas Václav Havel sobreviveu – e tornou-se presidente do seu país na Revolução de Veludo, sem derramar uma gota de sangue. Em 22 de abril de 1990, Havel recebeu o papa João Paulo II em Praga e declarou: “Atrevo-me a dizer que estou participando de um milagre. O homem que há seis meses foi preso por ser inimigo do Estado está hoje diante de vós como presidente desse Estado, dando boas-vindas ao primeiro pontífice que põe os pés neste país”.

Um país pode seguir o caminho de Havel ou o caminho de Kim. Ao chamar Carlos Marighella de herói, o Brasil talvez esteja mais próximo do segundo caso.
Título, Imagem e Texto: Paulo Briguet, no blogue “Com o perdão da palavra”, Jornal de Londrina, Paraná, 21-12-2011
Colaboração: Vitor Grando Pereira

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