Isabel Stilwell
Suspeito que para alguns
(muitos!) portugueses a crise económica trouxe um certo apaziguamento, no fundo
como se encontrassem no mundo exterior a justificação para o que sentem dentro
de si. Afinal, um pouco como os hipocondríacos que se sentem revitalizados
quando, finalmente, lhes é diagnosticada uma doença real.
Mas se durante todo o ano este
“desgraçadismo” já é de caixão à cova, torna-se insuportável em tempo de Natal.
Faça a experiência. Saia de casa a cantarolar músicas da época, enchendo os
pulmões deste ar frio, sob um céu azul deslumbrante. Entre pela porta do
escritório ainda a cantar, um sorriso de felicidade na cara, e vai ver quantas
caras se voltam para si, sobrolho franzido em reprovação. Então anda aí a pedir
aos pastores para entrarem, aos anjos para cantarem, a sugerir que a humanidade
olhe para as estrelas, quando as taxas moderadoras sobem, o desemprego aumenta,
o euro com mais dois sopros e vai à vida, e a Europa está como se vê? E quanto
a ir adorar o Menino, é apelo que se faça quando as creches estão ao preço a
que estão, e até o leite paga IVA? Só pode ser inconsciente, da camarilha do
Passos Coelho, ou um capitalista com o dinheiro numa offshore.
Aflito com a possibilidade de
ofender os sentimentos dos presentes, como alguém que sorri num velório tenta
apaziguar os ânimos, recordando que está a recibo verde, paga impostos como os
outros, e acaba a pedir desculpa por qualquer coisinha, justificando a alegria,
com o facto de ter a melhor mulher do mundo, dos seus filhos estarem excitados
com o Pai Natal, e o seu irmão, emigrado, estar por aí a chegar. Como ainda o
olham, desconfiados, sente-se obrigado a prometer que não volta a cantar, que
isto dos cânticos são como o álcool, e às duas por três um tipo já não responde
por si. Finalmente, tira um trunfo da manga: “Ouvi dizer que vem aí um alerta
vermelho”. No fim do dia, quando lhe desejam “O melhor Natal possível”, de
olhos no chão agradece. Pela palmada de apreço que lhe dão nas costas, entende
que agora já é um dos deles.
Título e Texto: Isabel
Stilwell, Destak, 21-12-2011
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