quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Há males que vêm por bem

Pedro Braz Teixeira
Se Sócrates não tivesse feito as asneiras que fez, não teríamos hoje a troika a obrigar-nos a fazer reformas adiadas há décadas, como a do arrendamento


Figueira da Foz, 2011. Foto: DR
Se Sócrates não tivesse feito explodir a dívida pública como fez (parece que “estudou” algures que a isso se chamaria “gerir” a dívida), o seu governo não teria sido forçado a pedir ajuda externa e não teria assinado o compromisso com a troika.
Este compromisso vai-nos obrigar a fazer reformas estruturais, que há décadas estão adiadas, como é o caso da lei do arrendamento, que o actual governo se prepara para alterar.
A actual legislação contém um imposto injusto e um subsídio injusto e era importante que ambos fossem corrigidos. Imaginemos o exemplo de uma habitação cuja renda de mercado seria de 500€, mas cujo inquilino paga actualmente 50€. Esta diferença de 450€ (90% do valor de mercado) é um imposto extra que o senhorio paga e um subsídio extra que o inquilino recebe. São ambos injustos, porque não dependem do rendimento de nenhum deles.
Um senhorio pobre, com uma única casa com uma renda antiga, paga este imposto extra à taxa confiscatória de 90%, muitíssimo mais que qualquer milionário paga de imposto, o que é profundamente injusto. O Estado deveria reconhecer esta situação e passar a considerar de forma diferente os rendimentos prediais com base em rendas antigas e os que decorrem de rendas de mercado. Os rendimentos de rendas antigas deveriam passar a estar isentos de qualquer imposto, enquanto as rendas de mercado deveriam manter a actual tributação.
Há a ideia de passar todos os rendimentos das rendas a uma tributação equivalente à verificada das outras aplicações de capitais. Esta ideia tem dois inconvenientes: não distingue rendimentos antigos e actualizados e não respeita a regra de que quanto mais móvel o activo menor deve ser o imposto.
Os rendimentos de capital pagam, em geral, taxas de imposto muito baixas porque há o risco de fuga de capitais. O mesmo não se passa nos imóveis, pelo que não faz sentido baixar a taxa de imposto neste caso.
O subsídio de 450€ que o inquilino do exemplo recebe é injusto porque também não depende do rendimento dele. Um professor catedrático pode pagar 50€ por uma boa casa no centro de Lisboa e um casal que ganhe o salário mínimo terá de pagar muito mais por uma casa muito mais pequena e mais longe do centro.
Do que se conhece da proposta do governo, faz sentido a separação entre quem pode pagar rendas de mercado e quem não pode, embora o critério dos 65 anos para decretar a pobreza merecesse ser discutido. É verdade que não se pode tratar do mesmo modo pessoas que ainda estão na vida activa e outras que já estão na reforma, que já não têm margem para ajustar os seus rendimentos. Mas também não podemos esquecer que grande parte do património herdado ou a herdar está nas mãos dos mais velhos.
No projecto de lei do governo, o inquilino propõe uma nova renda, que o senhorio pode recusar perante o pagamento de 60 meses da renda proposta. Os números são sempre discutíveis, mas proponho um limite a estas indemnizações de, digamos, 30 mil euros, que corresponde a uma renda de 500€. Se o senhorio acha pouco, é porque devemos estar a falar de uma casa grande e os inquilinos carenciados não devem ter o direito a viver em casas enormes. Aliás, se os inquilinos alegam carência de meios, os senhorios deveriam ter o direito de propor um alojamento alternativo, não “em condições análogas”, mas em consonância com a dimensão do agregado que aí coabita. É absurdo que uma velhinha tenha o direito de viver numa casa de seis assoalhadas, a que quase ninguém hoje em dia tem acesso.
A liberalização das rendas é uma condição essencial do renascimento do mercado de arrendamento, que, desde 1974 e apesar de tudo o que já foi feito, continua muito incipiente. Um mercado a funcionar bem aumenta a flexibilidade da economia, pode ajudar a aumentar a natalidade (quantos casais evitam mais um filho porque os pode obrigar a mudar de casa?) e é essencial nos tempos que vivemos, em que o crédito à habitação está estrangulado e tão cedo não vai deixar de o estar.
Título e Texto: Pedro Braz Teixeira, Investigador do NECEP da Universidade Católica, jornal “i”, 28-12-2011

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