Liliana Valente
Depois das medidas urgentes,
Passos promete mudar a estrutura do país
2012 vai ser o ano da verdade
para o governo de Passos Coelho. Depois de seis meses de um estranho estado de
graça, em que o governo se apoiou na resposta à troika, na tentativa de mostrar
que Portugal não é a Grécia, a coligação governamental tem pela frente um
difícil jogo de cintura sem sucesso garantido. No cenário interno tem de gerir
com pinças a relação com o PS de António José Seguro, com o Presidente da
República e com o parceiro de coligação e esvaziar a contestação social. No
plano externo, os riscos do fim do euro e o previsível abrandamento do
crescimento mundial ameaçam os objectivos para os próximos anos.
Pode isto significar mais
austeridade? O primeiro-ministro não descartou a possibilidade de mais medidas
no próximo ano, numa entrevista no último mês – ontem o ministro das Finanças
negou essa possibilidade (ver pág. 21) –, mas para já mantém o discurso de que
as reformas estruturais servem as intenções do executivo e Portugal até vai
começar a crescer em 2013.
Nos primeiros seis meses de governação,
a equipa de Passos centrou as forças no cumprimento do Memorando da troika.
Passou pelo teste de duas avaliações do FMI, do BCE e da Comissão Europeia,
que, apesar de darem sinal verde ao desbloqueamento das tranches de ajuda, lhe
valeram o reparo de que as reformas estruturais prometidas para fazer frente à
recessão não podem tardar. E é nelas que os ministros se concentraram de
imediato.
A receita do executivo –
reforma do mercado laboral, reforma da justiça, principalmente na resolução de
pendências em tribunal, e ainda da lei das rendas – podem não ser suficientes,
até porque lá fora a cor do cenário mantém-se cinzenta. O risco de a moeda
única ruir tem ganho contornos reais e as consequências da forte instabilidade
europeia ameaçam estender-se a Espanha ou mesmo a França e à Alemanha e é
precisamente esta situação internacional que mais assusta o primeiro-ministro,
tornando- -se o argumento (quase) único para o eventual insucesso a curto prazo
do mandato do executivo. Logo depois da apresentação do Orçamento do Estado – e
no dia em que a Grécia ameaçou com um referendo sobre o segundo pacote de ajuda
externa –, Passos lembrava que já não dependemos só de nós para cumprir as
metas: “[A probabilidade de contágio] é evidente. Não tenho assegurado o
financiamento da economia portuguesa”, disse à entrada de um Conselho Nacional
do PSD. As previsões mundiais escureceram ainda mais. Com a resposta da Europa
à crise da zona euro a tardar, e com a possibilidade de uma recessão mundial,
as previsões de um necessário crescimento da economia portuguesa ficam cada vez
mais tímidas.
NO FIO DO ARAME Passos Coelho foi o primeiro a falar do receio de
contestação social, logo no fim do Verão, na rentrée política do PSD. E a
contestação subiu de tom quando anunciou o corte dos subsídios de Natal e de
férias para funcionários públicos e pensionistas durante o período de vigência
da troika, a marca inapagável deste governo de coligação. A greve geral do
final de Novembro e a não cedência do executivo em sede de Concertação Social
(com a redução das indemnizações compensatórias, o aumento da meia hora do
horário diário de trabalho e as alterações ao subsídio de desemprego)
produziram um endurecimento do discurso dos sindicatos – com vários
sindicalistas a apelarem a uma revolta dos portugueses contra as medidas de
austeridade do Orçamento do Estado, bem como alguns socialistas – como Mário
Soares – a subscreverem um manifesto, em véspera de greve geral, a incentivar
no mesmo sentido.
É na perspectiva de conter a
bomba social que o governo tem gerido com pinças a relação necessária com o PS,
para assim evitar a força dos socialistas na rua, engrossando a contestação
social. O executivo cedeu ao alterar os tectos a partir dos quais vai cortar os
subsídios de Natal e de férias a funcionários públicos e pensionistas. Uma meia
cedência à liderança de António José Seguro, a quem Passos teceu elogios.
Afinal Seguro tem um perfil de líder da oposição que se tem revelado do agrado
do PSD.
Mas há uma outra relação que
importa equilibrar, com o Presidente da República. Nem por isso têm aparecido
cedências ao que foi incomodando Belém. A distância na relação com Belém
aumenta todos os dias. Cavaco já mostrou publicamente não seguir a mesma linha
que o primeiro-ministro. Começou por criticar a falta de “equidade” nos cortes
dos subsídios, mas os reparos presidenciais não ficaram por aí e estendem-se
mesmo à discussão do momento: Cavaco não concorda com um limite ao défice na
Constituição, ao contrário de Passos. E por agora o Presidente tem em cima da
mesa para promulgar o Orçamento do Estado que tanto criticou. Será o primeiro
passo do resto da governação de Passos Coelho.
Título e Texto: Liliana
Valente, jornal “i”, 21-12-2011
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