António Ribeiro Ferreira
Não há privatização em
Portugal sem zangas de comadres e muitas intrigas
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Assembleia da República. Foto: Rodrigo Cabrita |
Num país civilizado, a
privatização da participação do Estado numa empresa é uma operação normal,
legítima e transparente. Em Portugal nunca foi assim. As razões deste
comportamento terceiro-mundista são várias. Em primeiro lugar está obviamente a
campanha que a esquerda, mesmo o PS, faz sempre que alguém fala em vender um
activo público. Por dogma irrevogável, a esquerda odeia tudo o que é privado e
só por vergonha não propõe a nacionalização de tudo o que foge da esfera do
Estado. É por isso que elogia os regimes comunistas em que tudo é estatal e
sofre muito quando o governo de Havana permite aos cubanos comprar automóveis
ou abrir pequenos comércios. São heresias provocadas, obviamente, pela horrível
globalização e pelo boicote dos malvados americanos. É por isso que, para a
esquerda, qualquer privatização é suspeita, mesmo que não haja suspeitas
nenhumas, assim como qualquer negócio, mesmo que seja a simples venda de um
batatal. É sempre um crime contra a natureza, o clima e sabe-se lá mais o quê.
Se o PS é mais comedido nas críticas, o BE, por exemplo, não perde oportunidade
de atirar lama para cima de tudo e de todos, neste como noutros processos que
metam privados. Ainda ontem, no parlamento, Francisco Louçã perguntava em jeito
de acusação inquisitorial se o primeiro-ministro tinha visitado a sede da
empresa alemã concorrente à compra do capital do Estado na EDP. E Passos
Coelho, como é óbvio, lá teve de dizer ao indignado deputado que nunca tinha
visitado a sede da empresa e que apenas os recebeu numa audiência devidamente
noticiada pela comunicação social. Mas se este comportamento da esquerda
festiva e trauliteira não é novo, importa dizer que alguns políticos e gestores
– do pequeno lote existente em Portugal que anda sempre a cheirar negócios do Estado
– fazem tudo o que podem e não podem para mostrar ao mundo que o país continua
a ser do terceiro mundo e que só por acaso anda metido em Uniões Europeias e
moedas únicas. À medida que o processo de privatização avança e se aproxima a
decisão final, chovem as acusações, as intrigas, os boatos, as suspeitas disto
e daquilo e há até os que vão para a praça pública fazer chicana política. É
natural que no meio de tanto barulho surjam muitas dúvidas e as pessoas comecem
a interrogar-se sobre o que se passará nos bastidores da privatização. Sabe-se
que Portugal não é um exemplo de boas práticas em matéria de transparência e
muito menos no combate à corrupção. Mas é uma vergonha que num processo desta
natureza até a empresa chinesa concorrente à compra da parcela estatal da EDP
venha a público pedir transparência ao governo. Neste caso nem vale a pena
invocar o velho provérbio popular do roto e do nu para defender a honra
nacional, porque quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. E como a EDP é a
primeira de muitas privatizações, seria bom que o governo aprendesse a lição e
tomasse as medidas necessárias e suficientes para impedir no futuro mais
espectáculos tristes e degradantes dos actores políticos e empresariais do
costume. Normalmente de meia-tigela e muito chinelo.
Título e Texto: António
Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 17-12-2011
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