sábado, 17 de dezembro de 2011

Sempre os tiques terceiro-mundistas


António Ribeiro Ferreira
Não há privatização em Portugal sem zangas de comadres e muitas intrigas
Assembleia da República. Foto: Rodrigo Cabrita
Num país civilizado, a privatização da participação do Estado numa empresa é uma operação normal, legítima e transparente. Em Portugal nunca foi assim. As razões deste comportamento terceiro-mundista são várias. Em primeiro lugar está obviamente a campanha que a esquerda, mesmo o PS, faz sempre que alguém fala em vender um activo público. Por dogma irrevogável, a esquerda odeia tudo o que é privado e só por vergonha não propõe a nacionalização de tudo o que foge da esfera do Estado. É por isso que elogia os regimes comunistas em que tudo é estatal e sofre muito quando o governo de Havana permite aos cubanos comprar automóveis ou abrir pequenos comércios. São heresias provocadas, obviamente, pela horrível globalização e pelo boicote dos malvados americanos. É por isso que, para a esquerda, qualquer privatização é suspeita, mesmo que não haja suspeitas nenhumas, assim como qualquer negócio, mesmo que seja a simples venda de um batatal. É sempre um crime contra a natureza, o clima e sabe-se lá mais o quê. Se o PS é mais comedido nas críticas, o BE, por exemplo, não perde oportunidade de atirar lama para cima de tudo e de todos, neste como noutros processos que metam privados. Ainda ontem, no parlamento, Francisco Louçã perguntava em jeito de acusação inquisitorial se o primeiro-ministro tinha visitado a sede da empresa alemã concorrente à compra do capital do Estado na EDP. E Passos Coelho, como é óbvio, lá teve de dizer ao indignado deputado que nunca tinha visitado a sede da empresa e que apenas os recebeu numa audiência devidamente noticiada pela comunicação social. Mas se este comportamento da esquerda festiva e trauliteira não é novo, importa dizer que alguns políticos e gestores – do pequeno lote existente em Portugal que anda sempre a cheirar negócios do Estado – fazem tudo o que podem e não podem para mostrar ao mundo que o país continua a ser do terceiro mundo e que só por acaso anda metido em Uniões Europeias e moedas únicas. À medida que o processo de privatização avança e se aproxima a decisão final, chovem as acusações, as intrigas, os boatos, as suspeitas disto e daquilo e há até os que vão para a praça pública fazer chicana política. É natural que no meio de tanto barulho surjam muitas dúvidas e as pessoas comecem a interrogar-se sobre o que se passará nos bastidores da privatização. Sabe-se que Portugal não é um exemplo de boas práticas em matéria de transparência e muito menos no combate à corrupção. Mas é uma vergonha que num processo desta natureza até a empresa chinesa concorrente à compra da parcela estatal da EDP venha a público pedir transparência ao governo. Neste caso nem vale a pena invocar o velho provérbio popular do roto e do nu para defender a honra nacional, porque quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. E como a EDP é a primeira de muitas privatizações, seria bom que o governo aprendesse a lição e tomasse as medidas necessárias e suficientes para impedir no futuro mais espectáculos tristes e degradantes dos actores políticos e empresariais do costume. Normalmente de meia-tigela e muito chinelo.
Título e Texto: António Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 17-12-2011

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