domingo, 25 de março de 2012

Contos moucos dos loucos (XII) - A centopeia faschion

Odiava aquela centopeia. De noite era impossível dormir com aqueles tac-tac-tac-tac dos 100 pezinhos a matraquear o chão. Quando de pantufa na mão tentava acertar-lhe, pareciam rajadas de Kalashnikov: tatatatatatata, dos pés a baterem no chão a uma cadência infernal. Uma noite, atirei-lhe com um sapato e deixei-a de ouvir. Comemorei com umas ginjinhas sem elas. O silêncio invadiu-me o quarto. Imaginei a maravilha de noite, mas não passou de um sonho. Tive um ataque de asma. Era alérgico à lã. Nas noites da centopeia, quando ela parava, aproveitando o silêncio, contava carneiros na tentativa de adormecer. Segundo o médico foi uma overdose. Aboli todo o vestuário de lã e deixei de contar carneiros. Dei uma volta ao quarto. Desfiz as gavetas e, com o aspirador, removi os sinais de poeira. Mas a alergia não me largava. Era muito pior que o matraquear da centopeia e passou-me um lampejo de saudades… quando a vi. Lá ia ela a toda a velocidade tatatatatata… mas por que raio não oiço nada? Estarei surdo? Terei emborcado ginjinhas a mais? Com o pensamento, aproveito e sirvo-me de mais uma. Com os nervos não consegui evitar e caíram-me 2 ginjas no cálice. Além da centopeia só me faltavam problemas com as ginjas. Escorropichei o cálice mantendo-as contra os lábios, voltando a metê-las na garrafa. Nunca de se devem comer as ginjas Para quem não saiba, são um perigo. Mas voltei as atenções para a centopeia que em total silêncio se aproximava. Fingi olhar para uma caganita de mosca no teto e zás, uma sapatada. Acertei-lhe de certeza porque comecei a ouvir um tá e, após alguns segundos, outro tá. Já não era a rajada do tatatatatata mas ta ta ta e, foi aí que vi, muito pequenino, um sapatinho. Percebi tudo: a maldita centopeia andava com pezinhos de lã. Com a sapatada tinha perdido um. O que estava na minha mão provocava-me um ataque de espirros.
Imagino a centopeia a passear-se pelo quarto, pois nem perco tempo a procurá-la e alergia nem sei o que é isso. Custaram-me os olhos da cara, disse-lhe, para a convencer a deitar fora os sapatos de lã. São de carpélio, mas consegui arranjar umas etiquetas Christian Laboutin.
Eu durmo e ela imagina-se faschion. Quem diria que as centopeias fossem tão vaidosas? Vou acabar de escorropichar a ginjinha, antes de adormecer…
Algenor, primo da Rosa Engeitada

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