Como mitigar riscos, como o
pesadelo dos participantes do fundo de pensão Aerus, que viram quase toda
poupança previdenciária evaporar.
Sérgio Tauhata
Na última vez em que ficou
doente, o comissário de voo aposentado José Carlos Bolognese procurou um
hospital público. A escolha pelo serviço gratuito foi na verdade falta de
opção. Há dois anos sem plano de saúde, o ex-aeronauta não tem como pagar um
hospital particular. Naquela noite, pelo fato de, aparentemente, ser um caso de
gravidade reduzida face ao sofrimento padrão do ambulatório municipal, esse
senhor de 65 anos foi “premiado” com cinco horas de espera em plena madrugada
carioca. Em vão: saiu do pronto-socorro sem saber o que o afligia. Por sorte,
recuperou-se bem daquele mal-estar súbito.
José Carlos Bolognese, foto: Aline Massuca/Valor |
Destino pior, no entanto,
tiveram 650 pensionistas que morreram desde a intervenção no fundo de
previdência fechada Aerus, em 2006, do qual Bolognese foi contribuinte por 20
anos. Com a quebra de empresas aéreas, como Varig e Transbrasil, que davam o
suporte à entidade, houve a diminuição em até 92% do valor dos rendimentos
pagos a funcionários inativos, com consequências desastrosas.
Hoje, o comissário aposentado
ganha R$ 930 brutos do plano, quando, pelo contrato original, conta ele,
deveriam ser R$ 3,2 mil líquidos. Ele e a esposa, que não recebe pensão por ter
sido dona de casa, sobrevivem com esse rendimento e mais três salários mínimos
do INSS. “As coisas não foram feitas às claras. Muitos, quando a empresa
quebrou, perderam a poupança.”
Os problemas no Aerus também
tiraram o equilíbrio da vida da ex-comissária Elizabeth de Oliveira, de 59
anos. Em todos os sentidos. Além dos problemas financeiros, o estresse trouxe
consigo crises frequentes de labirintite com as quais a aposentada tem de lidar
desde a perda do seu chão previdenciário.
A situação, diz ela, pode
piorar. Com os R$ 644 que ainda recebe do Aerus — 10% do que deveria ganhar,
segundo seus cálculos — e três salários mínimos do INSS, Elizabeth tenta cuidar
do pai doente, que, ressalta, “precisa de cuidados especiais”, mas os quais ela
não consegue fornecer. Se perder o rendimento que o fundo ainda consegue lhe
pagar, o que deve ocorrer quando não restarem mais ativos a serem liquidados
para honrar pagamentos, todo seu equilíbrio financeiro cai por terra. “Caso
fique sem os R$ 644 não tenho mais plano de saúde”, afirma Elizabeth, que ainda
tem de enfrentar as sequelas de um tratamento de quimioterapia ocorrido alguns
anos atrás. “Vivo no limite.”
Os problemas do Aerus remontam
aos anos 90, quando a antiga Varig, principal patrocinadora do fundo, começou a
atrasar e, posteriormente, não honrar parcelas para manutenção do fundo. A
dívida acumulada alcançou R$ 2,3 bilhões, quando houve a intervenção há seis
anos.
Os aposentados da antiga
Varig, Transbrasil e empresas coligadas hoje lutam na justiça para evitar que
seus sonhos sejam liquidados junto com o fundo. De acordo com o presidente da
Associação dos Participantes e Beneficiários do Aerus (Aprus), Thomaz Raposo de
Almeida Filho, há uma sentença favorável aos pensionistas proferida pela 14ª
Vara Federal de Brasília, em julho deste ano, que determina o pagamento da
complementação pelo governo federal. Entretanto, a Advocacia Geral da União
(AGU) tem recorrido contra esse desembolso, o que pode arrastar o processo por
prazo indefinido.
No ano passado, a história se
repetiu em outra entidade que sofreu intervenção, o Portus, fundo de pensão de
trabalhadores portuários. A crise obedeceu a enredo semelhante: inadimplência
de contribuições de algumas patrocinadoras. A dívida estaria em cerca de R$ 2,8
bilhões. A intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar
(Previc), que regulamenta e fiscaliza o setor, no instituto de seguridade
social ocorreu em agosto de 2011.
As histórias trágicas de
fundos como a do Aerus e seus pensionistas retratam dois grandes riscos da
previdência complementar. Embora seja rara, a possibilidade de falência da
empresa que suporta o fundo ou da entidade que faz a gestão do patrimônio
existe. Um perigo adjacente é o de se concentrar os recursos em apenas uma
fonte de renda futura.
A boa notícia para os futuros
pensionistas é que a legislação ficou mais rigorosa a partir de casos como o do
fundo dos aeroviários. Para o sócio da Itajubá Investimentos Carlos Garcia,
casos como os do Aerus e do Portus não devem mais se repetir. “Não vejo esse
risco na indústria. Com a regulamentação atual, os dirigentes dos fundos podem
ser punidos como pessoa física”, exemplifica o especialista.
De acordo com o
diretor-presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de
Previdência Complementar (Abrapp), José de Souza Mendonça, a legislação que
gere o setor remonta a 2002 e tem evoluído continuamente desde os anos 90. A
própria Previc foi criada em dezembro de 2009. “Essas alterações têm sido muito
dinâmicas”, diz. O executivo, no entanto, admite que “a má gestão de passivo
pode fazer perder um fundo”.
Apesar do maior rigor contra
problemas dos fundos fechados, os especialistas aconselham os contribuintes a
diversificar os investimentos. Como alertou o colunista da “Reuters”, James
Saft, no artigo “Onde se ganha o pão de cada dia não se concentram os
investimentos ”, publicado pelo Valor, o funcionário, por receber salário, já
está muito exposto ao futuro da empresa. Por isso, manter a poupança também
atrelada ao empregador representa “um risco inaceitável”. Ele cita como exemplo
os fundos de pensão de uma empresa de energia nos Estados Unidos que alocavam
38% das carteiras em ações da própria companhia, que tinham naquele momento
perdido metade do valor no mercado.
A previdência fechada tem
regras próprias, que amarram o contribuinte ao plano. Isso porque portar
valores acumulados ou fazer resgates antecipados só podem ser feitos em caso de
desligamento do funcionário. Além disso, o patrocínio da empresa, que pode ser
de até 100% sobre os aportes, representa uma grande vantagem, porque
potencializa a poupança independentemente da rentabilidade.
Por isso, o ideal para quem
participa de um fundo fechado é manter a contribuição, mas investir também em
outras fontes de recursos para a aposentadoria, por exemplo, planos abertos,
como PGBLs e VGBLs. “O empregado já tem um belo benefício, mas diversificar
significa formar patrimônio”, afirma o superintendente de Investimentos da
Brasilprev, Altair de Jesus.
Essa diversificação ajuda a
criar um colchão que pode amortecer um eventual tombo ou aumentar a renda
futura. Para Garcia, da Itajubá, o participante de fundos fechados deve
aproveitar a fase produtiva para aumentar o patrimônio. “Pode, por exemplo,
investir em imóveis, aproveitando empréstimos com taxas menores oferecidos
pelas entidades das quais são contribuintes.” As entidades fechadas costumam
oferecer aos colaboradores crédito mais barato que o mercado, com prazos
bastante longos. A garantia é a própria participação no fundo.
Um aposentado de uma empresa
estatal, que não quis se identificar, seguiu justamente essa cartilha. Com 70
anos, o pensionista adquiriu três imóveis desde os anos 90 com ajuda do crédito
mais barato do fundo de pensão. Primeiro, quitou o financiamento do apartamento
adquirido antes de entrar no plano. Depois, com um novo empréstimo, trocou-o
por um maior. Com auxílio de um consultor para monitorar as condições de
mercado e apoio do fundo, o beneficiário conseguiu comprar outros imóveis. Uma
das propriedades está alugada e lhe rende um complemento mensal à pensão.
O especialista em finanças
pessoais Mauro Calil recomenda que a pessoa estude investir parte dos recursos
em uma carteira própria, com aplicações de longo prazo e rentabilidades
maiores. Modalidades de renda fixa “turbinada”, como Letras de Crédito
Imobiliário (LCI), Certificados de Depósito Bancários (CDB) de bancos pequenos
e debêntures, por exemplo, embutem o risco da empresa (a eventualidade de a
organização não pagar). Mas trazem possibilidade de ganhos reais acima dos
atuais 2%. “Se for no caminho do ‘faça você mesmo’ é possível acelerar a
aposentadoria, mas, para isso, você tem de se manter atualizado e atuante.”
Título e Texto: Sérgio Tauhata, Valor Econômico, 06-11-2012
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