quarta-feira, 1 de maio de 2013

A nossa troika

David Dinis
Era uma vez uma reforma do Estado. Esta podia ser uma bela história, mas não é. É a história de um Governo de pessoas diferentes, que não se escolheram como parceiros e que a História – para o bem e para o mal – resolveu juntar para cumprir uma missão: tirar Portugal do colete de forças da troika. Chamemos-lhe o regresso à normalidade.
Quase dois anos depois do projecto ter começado, PSD e CDS embrulham-se na conjuntura: queixam-se uns dos outros, refugiam-se nas suas convicções, hesitam nos caminhos. Apetece-me citar uma frase que Luís Amado dizia com frequência: «Que isto é lixado sei eu, mas como é que se resolve?». Agora digo eu: resolve-se com pulso e com um consenso – o interno. E não, não é tarde demais.
Primeiro, Pedro Passos Coelho. Sempre que o ouço, hesito na reacção. É tão frio que não parece um líder; é tão racional que me apetece acreditar nele. Uma imagem: o apoio que dá a Gaspar seria quase heróico, não fosse o trabalho de um primeiro-ministro muito mais do que isso.
Em síntese, diria que dois anos é tempo suficiente para eu ter mais certeza sobre algumas coisas. Que a política não é o que nós queremos, é a arte do possível; que não se pode reformar contra todos ao mesmo tempo; que a liderança de uma coligação exige negociação interna permanente e colectiva – não individual. Já agora, que cumpridos estes passos (e só depois disso), é preciso ter pulso firme na decisão.
Quanto a Paulo Portas... bem, quanto a ele contaram-me uma frase: «Rigor não é um Excel». Seria um belo lema de campanha. Mas o tempo das campanhas foi em 2011.
Lembro-me de que nessa altura Portas foi muito veemente enquanto corria as feiras. Seria o factor de bom-senso do Governo, mas também o líder que sabia o que queria.
Hoje, Portas tem na mão um guião para isso. E estou certo de uma coisa: ninguém mais voltará a acreditar nele se não assumir o risco de escolher caminhos – mesmo que isso implique perder popularidade no imediato.
Sim, Portas tem de ser ministro de Estado. Isso implica sentar-se à mesa com Passos Coelho e Vítor Gaspar, o homem do Excel, e ajudá-los nesse trabalho.
Sejamos claros: não tenho nenhum problema com parceiros de coligação que explicam ao seu eleitorado, no fim de um processo de negociação interna, que fariam algo de modo diferente. Isso há em todo o lado. Mas não acredito em ninguém que não apareça nas fotografias dos momentos difíceis, para explicar ao país que está lá para assumir a sua quota parte de responsabilidade.
Quando, no meio deste filme, ouço as habituais críticas a Vítor Gaspar, pergunto-me só se os outros, dentro do Governo, não lhe podiam facilitar um bocadinho a vida – na coordenação política, mas também nas pastas sectoriais. Talvez assim tivesse de recorrer menos ao Excel para justificar uma das suas frases preferidas: «Tudo vai acabar bem. E se não estiver bem é porque ainda não acabou». Podem chamar-lhe determinismo. Ele chama-lhe determinação.
O que espero deste Governo, agora que Miguel Relvas já saiu e que entrou alguém com bom-senso para o seu lugar, é que faça esse trabalho interno com sentido de missão e igual dose de bom-senso. Mas sem hesitações, porque já lá vão quase dois anos.
O filme desta semana, para esse efeito, não é brilhante: subsídios que, afinal, já vão ser pagos em Junho e Julho, mas apenas parcialmente; uma nebulosa sobre que medidas já se aprovaram e têm de se aprovar para fazer face ao chumbo do TC; um plano para a Economia sem que exista um mínimo de estabilidade para alguém querer investir. Acreditemos, para nossa paz interior, que é um intervalo para reajuste.
Tenho para mim que se Passos, Portas e Gaspar funcionassem como um todo fariam uma boa equipa, precisamente por serem tão diferentes uns dos outros. Depende deles fazerem disso uma virtude. Só deles.
Título e Texto: David Dinis, Sol, 30-04-2013

Vítor Gaspar, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Foto: Hugo Correia/Reuters

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