A pretexto da circum-navegação do Governo em redor
do novo imposto sobre os pensionistas, dos cómicos apelos de Cavaco Silva aos
santinhos tradicionais e aos do Conselho de Estado e da demagogia alucinada em
que a oposição perpetuamente vive, os portugueses, povo de descobridores,
descobriram pela enésima vez uma extraordinária coisa: os políticos não são de
fiar. Ou, para usar o léxico em voga, os políticos não têm credibilidade. Ai,
quanta saudade do tempo em que os políticos eram credíveis.
Lembro-me como se fosse hoje de quando elegíamos
gente cumpridora, unicamente preocupada com os célebres interesses do País e
alheia quer a interesses partidários quer pessoais. Gente altruísta que
sacrificava a popularidade a fim de servir o bem-comum. Gente ponderada, que
nunca criaria as condições para entregar a nação ao FMI. Gente lúcida, que
jamais permitiria a destruição, paga em cheque, do sector primário. Gente
esclarecida, que sabia aplicar com rigor e parcimónia os "fundos"
europeus. Gente determinada, que não cedia à atração dos sindicatos pelo caos.
Gente precavida, que se negou a autorizar o crescimento incessante da máquina
estatal. Gente racional, que preferiu perder votos a alimentar a ficção de um
assistencialismo desaconselhável e inviável. Gente insubmissa, que não sossegou
enquanto não desmantelou uma Constituição devotada ao socialismo e acarinhada
pelos comunistas. Gente avisada, que sempre preservou o equilíbrio das contas
públicas. Gente decente, que combateu por dentro os naturais apetites do Estado
para controlar a ralé desde o bolso até ao hábito. Gente democrática, que
acautelou a probidade do sistema judicial. Gente visionária, que garantiu a
exigência e a qualidade do ensino. Etc.
Agora a sério: alguma vez Portugal teve políticos
honrados, fiáveis, escapatórios, vá lá? Lamento, mas não. E é da natureza da
política que assim seja. Da natureza de Portugal é a propensão para ambicionar
o contrário. É escusado referir o brilhantismo das duas primeiras repúblicas:
se o pai da terceira é um indivíduo da estatura moral de Mário Soares, não
teria custado adivinhar o nível dos filhos, netos e enteados. A todos, o bom
povo deu sucessivamente o aval nas urnas para em seguida perceber com pasmo que
se enganou, esquecendo os enganos e os pasmos anteriores.
Infelizmente, notar tamanha evidência passa por
"populismo". Não é. O entendimento corrente do populismo consiste em
substituir os políticos habituais por políticos que fingem não o ser. Sobretudo
porque não temos outra, o ponto aqui implica aceitar a classe política que
temos - sem aceitar a ilusão de que esses senhores, que de resto não caíram do
céu, concorrem para resolver os nossos problemas. Mudar de regime é uma
aventura menos recomendável do que mudar os cidadãos. Dito de maneira
diferente, discutir a credibilidade dos políticos é conversa fiada: o problema
nacional é a credulidade dos portugueses.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias
Grifos: JP
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-