Expressam duas formas de
ordenar a política. Governança parece derivar do inglês "governance",
que carece do termo governação.
Expressam duas formas de
ordenar a política. Governança parece derivar do inglês "governance",
que carece do termo governação. Nos nossos dicionários surgem como
equivalentes, mas o debate teórico passou a ligar governança a uma desejável
preponderância do poder governamental, em contraste com o entendimento
tradicional da governação mais propenso a confiar na sociedade, com valorização
da auto-regulação, do autogoverno e da coordenação social.
Com o tempo vingou uma visão
da governança como "processo político-social" que, embora não sendo
só governamental, entrega ao Estado o controle e regulação do mercado e da
sociedade civil. Um entendimento que fomentou a ideologia social-democrata-socialista
e o Estado de Bem-estar, hoje em crise. Crise que se agrava à medida que se
mostra enganador o pluralismo dos partidos e sindicatos burocratizados, que
reduziram a coisa pública a um conjunto de interesses a "negociar" ou
"concertar" pelas elites do Estado de Partidos.
Foi assim que o consenso
social, que antes unia de forma espontânea a sociedade, deu lugar à vozearia
dos "consensos políticos" que, em vez de unirem, fracturam a
sociedade. Consensos obtidos através do que Habermas e outros ateólogos chamam
a "democracia deliberativa". Um método de totalitarismo democrático
em que os Partidos deixam de ser o meio pelo qual a Sociedade penetra no
Estado, transformando-se em vias de penetração do Estado na Sociedade.
A. Comte defendia que a
maioria dos homens está destinada a obedecer. Justificando assim a política de
infantilização, por ser facilitadora dessa obediência. Mas na realidade os
homens, mais que obedecer, desejam livrar-se da responsabilidade. Foi esse
desejo, bem explorado, que facilitou o crescimento do Estado de Bem-estar e o
seu efeito a prazo: o alargamento da irresponsabilidade ao seio da vida social.
É verdade que a entrega de
responsabilidades a quem prometia segurança e bem-estar foi a gosto, pese a
subida de impostos, talvez porque feita em nome da "virtude" estatal
da solidariedade. Virtude que não só bendizia as oligarquias da sociedade
política do Estado de Bem-estar, como, por via da sacralização do voto,
permitia aos eleitores expiar a culpa pelas responsabilidades não assumidas.
E tudo parecia estar a correr
bem, com velhos deveres, que implicam responsabilidades, a serem trocados por
novos direitos que o Estado outorgava de forma abundante para contentar toda a
gente, sem se ter de avaliar as consequências.
Até que o futuro chegou antes
do tempo. E o povo, exaltado, desatou a culpar: quem tanto prometeu, quem não
quer continuar a dar e quem o quer fazer pagar. Sem ver que o Estado Minotauro
(ou fiscal), que nos devora, é resultado da evolução do Estado de Bem-estar: o
grande mito da política contemporânea. Mito que, ao contrário do Leviatã, o
grande monstro bíblico, que dava segurança política, é fonte de mentira e sinal
de catástrofe: fruto de uma antipolítica - a governança - que é também o modelo
que inspira a União Europeia.
Título e Texto: José Manuel
Moreira, Diário Económico, 30-05-2013
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