quinta-feira, 30 de maio de 2013

Governança e governação

José Manuel Moreira
Expressam duas formas de ordenar a política. Governança parece derivar do inglês "governance", que carece do termo governação.
Expressam duas formas de ordenar a política. Governança parece derivar do inglês "governance", que carece do termo governação. Nos nossos dicionários surgem como equivalentes, mas o debate teórico passou a ligar governança a uma desejável preponderância do poder governamental, em contraste com o entendimento tradicional da governação mais propenso a confiar na sociedade, com valorização da auto-regulação, do autogoverno e da coordenação social.
Com o tempo vingou uma visão da governança como "processo político-social" que, embora não sendo só governamental, entrega ao Estado o controle e regulação do mercado e da sociedade civil. Um entendimento que fomentou a ideologia social-democrata-socialista e o Estado de Bem-estar, hoje em crise. Crise que se agrava à medida que se mostra enganador o pluralismo dos partidos e sindicatos burocratizados, que reduziram a coisa pública a um conjunto de interesses a "negociar" ou "concertar" pelas elites do Estado de Partidos.
Foi assim que o consenso social, que antes unia de forma espontânea a sociedade, deu lugar à vozearia dos "consensos políticos" que, em vez de unirem, fracturam a sociedade. Consensos obtidos através do que Habermas e outros ateólogos chamam a "democracia deliberativa". Um método de totalitarismo democrático em que os Partidos deixam de ser o meio pelo qual a Sociedade penetra no Estado, transformando-se em vias de penetração do Estado na Sociedade.
A. Comte defendia que a maioria dos homens está destinada a obedecer. Justificando assim a política de infantilização, por ser facilitadora dessa obediência. Mas na realidade os homens, mais que obedecer, desejam livrar-se da responsabilidade. Foi esse desejo, bem explorado, que facilitou o crescimento do Estado de Bem-estar e o seu efeito a prazo: o alargamento da irresponsabilidade ao seio da vida social.
É verdade que a entrega de responsabilidades a quem prometia segurança e bem-estar foi a gosto, pese a subida de impostos, talvez porque feita em nome da "virtude" estatal da solidariedade. Virtude que não só bendizia as oligarquias da sociedade política do Estado de Bem-estar, como, por via da sacralização do voto, permitia aos eleitores expiar a culpa pelas responsabilidades não assumidas.
E tudo parecia estar a correr bem, com velhos deveres, que implicam responsabilidades, a serem trocados por novos direitos que o Estado outorgava de forma abundante para contentar toda a gente, sem se ter de avaliar as consequências.
Até que o futuro chegou antes do tempo. E o povo, exaltado, desatou a culpar: quem tanto prometeu, quem não quer continuar a dar e quem o quer fazer pagar. Sem ver que o Estado Minotauro (ou fiscal), que nos devora, é resultado da evolução do Estado de Bem-estar: o grande mito da política contemporânea. Mito que, ao contrário do Leviatã, o grande monstro bíblico, que dava segurança política, é fonte de mentira e sinal de catástrofe: fruto de uma antipolítica - a governança - que é também o modelo que inspira a União Europeia.
Título e Texto: José Manuel Moreira, Diário Económico, 30-05-2013

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