sábado, 25 de maio de 2013

Caso Varig: Companhia aérea não é concessionária de serviço público

Ora, aqui temos um  consultor do Senado Federal opinando num processo que já tem 20 anos! Mas este senhor descobriu que "O que não se pode admitir é que, tendo continuado a operar, solicite depois uma indenização, a título de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de um contrato que, em realidade, nunca existiu". (!?) Portanto, generoso leitor, ao ler "opiniões" como esta, nesta altura do campeonato, continuo sentindo os meus pés se queimarem nas brasas do caminho para a esperança.


Victor Carvalho Pinto
O Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário 571.969, em que se discute indenização à Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), pela União, por danos sofridos pela empresa em consequência da política de congelamento de tarifas vigente de outubro de 1985 a janeiro de 1992, instituída pelo Plano Cruzado.

A Varig alega que, tendo sido uma concessionária de serviço público, o congelamento violou seu direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pois a obrigou a operar com prejuízos. A União, por sua vez, sustenta que o princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, previsto no artigo 37, inciso XXI, não é absoluto, devendo ser interpretado em harmonia com a “política tarifária” prevista no artigo 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição.

A relatora, ministra Carmen Lúcia, deu razão à Varig, por considerar que “toda a sociedade brasileira se viu submetida àquelas disposições decorrentes da adoção das medidas e normas referentes ao plano econômico, e não somente a autora, ora recorrida, mas na condição de concessionária de serviço público, não poderia ela adotar qualquer providência para se esquivar dos danos, não tem liberdade para atuar segundo a sua conveniência, não tem como evitá-los ou conduzir-se de outra que não a forma pré-determinada pelo próprio ente concedente, que, no caso, é exatamente o autor daquelas medidas que compõem a política questionada.” Após o voto da relatora, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.

Em julgamento anterior sobre a mesma matéria (RE 183.180-4), de 1997, em que foram partes a Transbrasil e a União, o STF julgou favoravelmente à empresa: “Prejuízo julgado comprovado pelas instâncias ordinárias e decorrente de atos omissivos e comissivos do Poder concedente, causadores da ruptura do equilíbrio financeiro da concessão, não abstratamente atribuível a política econômica, normativamente editada para toda a população (Plano Cruzado)”.

Independentemente da divergência entre as partes do julgamento em curso, nenhuma delas contesta o “fato” de que a Varig foi uma concessionária de serviço público. A partir desse consenso, o que se discute é a extensão do princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

A realidade, no entanto, é que, apesar das aparências, nem a Varig nem as demais empresas aéreas foram ou são concessionárias de serviço público, embora esta seja a terminologia adotada. Os institutos jurídicos são identificados a partir do regime jurídico praticado e não da terminologia adotada pelas partes. Para saber se a Varig era uma prestadora de serviço público, é preciso, portanto, identificar a natureza jurídica de sua relação com o Estado.

A chamada “concessão de serviços aéreos” não apresenta nenhum dos elementos definidores de uma concessão de serviço público. Na época do Plano Cruzado (1986), a Varig operava com fundamento no Decreto 72.898, de 1973, que lhe concedera o direito de executar o serviço aéreo de transporte regular de passageiro, carga e mala postal. Nesse sistema, que vigora até hoje, não há contrato propriamente dito, pois não há relação de contraprestação entre as partes, mas a regulação de um serviço prestado por uma das partes ao público em geral. A outorga do serviço independe de licitação, o que seria inconstitucional caso se tratasse de uma concessão de serviço público, uma vez que o artigo 175 exige licitação para todas as concessões e permissões de serviço público. As aeronaves, embora essenciais à prestação do serviço, não são bens reversíveis e em geral sequer pertencem às próprias empresas aéreas, que as utilizam em regime de leasing.

Mais importante, no que diz respeito ao tema do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, é que a chamada concessão de serviços aéreos não confere à empresa o direito ou a obrigação de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe após a outorga de uma autorização específica para cada linha a ser explorada. Essa autorização, denominada Horário de Transporte (Hotran), estabelece horários, frequências, tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada linha.  As empresas aéreas não têm, nem nunca tiveram, portanto, qualquer obrigação de operar em condições deficitárias. Podem, a qualquer tempo, comunicar ao poder público que não mais operarão determinada linha e solicitar o cancelamento do respectivo Hotran.

Muita coisa mudou entre 1986 e 2013. A Lei 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarifária. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não pode, portanto, tabelar os preços das passagens aéreas, como fez o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) ao longo de quase toda sua existência. A mesma lei também assegura às empresas a exploração de quaisquer linhas aéreas, observada exclusivamente a capacidade operacional de cada aeroporto e as normas regulamentares de prestação de serviço adequado, o que desautoriza a política de contenção do “excesso de oferta” praticada pelo DAC, que vedava a entrada de uma empresa em mercados já atendidos por outra.

Ao contrário do que acontece nos dias de hoje, em que prevalece a livre iniciativa na exploração dos serviços aéreos, em 1986 as empresas estabelecidas eram protegidas contra novas entrantes e os preços das passagens aéreas eram controlados. Isso não autoriza a conclusão, no entanto, de que no regime anterior se tenha praticado uma concessão de serviço público propriamente dita.

A situação das empresas aéreas se aproximava do regime pelo qual o serviço de táxi é prestado na maior parte das cidades. O poder público tabela o preço cobrado do passageiro, mas não obriga ninguém a ser taxista. Caso o preço tabelado se mostre insuficiente, o taxista pode descontinuar a prestação do serviço, sem qualquer penalidade. Também pode contestar a legalidade do valor tabelado e buscar sua alteração junto ao Poder Judiciário. O que não se pode admitir é que, tendo continuado a operar, solicite depois uma indenização, a título de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de um contrato que, em realidade, nunca existiu.
Título e Texto: Victor Carvalho Pinto é consultor legislativo do Senado Federal nas áreas de Desenvolvimento Urbano e Transportes, doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo e Autor do livro O Marco Regulatório da Aviação Civil: Elementos para a Reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica (Senado Federal, 2008).
Revista ConsultorJurídico, 24 de maio de 2013

5 comentários:

  1. E o caso da Transbrasil????

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  2. Como é mesmo o nome daquele processo - ou seu número - aquele que responsabiliza a União pela quebra do Aerus??? A União que assinava embaixo dos "contratos" em que a Varig depenava o Aerus, contra seus próprios regulamentos, contra a própria Constituição. Aquele processo que responsabiliza a União por ter entrado em concluio com a Varig para na esvaziar os cofres do Aerus, quando justamente, deveria protege-lo?? PFdeM

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  3. nem estou mais preocupado com a briga da diferença tarifária...quero mais é saber dos direitos dos contribuintes do Aerus, que depositaram o dinheiro e a confiança durante anos, crentes da idoneidade da empresa, e crentes que estavam protegidos pelo governo, governantes e leis que deveriam proteger os interesses dos contribuintes !! onde fica tudo isso ? como alertar todos sobre casos semelhantes que poderão vir à acontecer ?? CRIME,
    CRIME e CRIME !!!

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  4. Ops!
    "crentes da idoneidade da empresa"
    Alguém lembra, afinal, onde tudo começou...

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  5. Vou comentar parafraseando o grande jurista e político Rui Barbosa:
    De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça.
    De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.
    Rui Barbosa

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