Ora, aqui temos um consultor do Senado Federal opinando num processo que já tem 20 anos! Mas este senhor descobriu que "O que não se pode admitir é que, tendo continuado a
operar, solicite depois uma indenização, a título de recomposição do equilíbrio
econômico-financeiro de um contrato que, em realidade, nunca existiu". (!?) Portanto, generoso leitor, ao ler "opiniões" como esta, nesta altura do campeonato, continuo sentindo os meus pés se queimarem nas brasas do caminho para a esperança.
Victor Carvalho Pinto
O Plenário do Supremo Tribunal
Federal iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário 571.969, em que se
discute indenização à Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), pela União, por danos
sofridos pela empresa em consequência da política de congelamento de tarifas
vigente de outubro de 1985 a janeiro de 1992, instituída pelo Plano Cruzado.
A Varig alega que, tendo sido
uma concessionária de serviço público, o congelamento violou seu direito ao
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pois a obrigou a operar com
prejuízos. A União, por sua vez, sustenta que o princípio do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, previsto no artigo 37, inciso XXI, não é
absoluto, devendo ser interpretado em harmonia com a “política tarifária”
prevista no artigo 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição.
A relatora, ministra Carmen
Lúcia, deu razão à Varig, por considerar que “toda a sociedade brasileira se
viu submetida àquelas disposições decorrentes da adoção das medidas e normas
referentes ao plano econômico, e não somente a autora, ora recorrida, mas na
condição de concessionária de serviço público, não poderia ela adotar qualquer
providência para se esquivar dos danos, não tem liberdade para atuar segundo a
sua conveniência, não tem como evitá-los ou conduzir-se de outra que não a
forma pré-determinada pelo próprio ente concedente, que, no caso, é exatamente
o autor daquelas medidas que compõem a política questionada.” Após o voto da
relatora, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.
Em julgamento anterior sobre a
mesma matéria (RE 183.180-4), de 1997, em que foram partes a Transbrasil e a
União, o STF julgou favoravelmente à empresa: “Prejuízo julgado comprovado
pelas instâncias ordinárias e decorrente de atos omissivos e comissivos do
Poder concedente, causadores da ruptura do equilíbrio financeiro da concessão,
não abstratamente atribuível a política econômica, normativamente editada para
toda a população (Plano Cruzado)”.
Independentemente da
divergência entre as partes do julgamento em curso, nenhuma delas contesta o
“fato” de que a Varig foi uma concessionária de serviço público. A partir desse
consenso, o que se discute é a extensão do princípio do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato.
A realidade, no entanto, é
que, apesar das aparências, nem a Varig nem as demais empresas aéreas foram ou
são concessionárias de serviço público, embora esta seja a terminologia
adotada. Os institutos jurídicos são identificados a partir do regime jurídico
praticado e não da terminologia adotada pelas partes. Para saber se a Varig era
uma prestadora de serviço público, é preciso, portanto, identificar a natureza
jurídica de sua relação com o Estado.
A chamada “concessão de serviços aéreos” não apresenta nenhum dos elementos definidores de uma concessão de serviço público. Na época do Plano Cruzado (1986), a Varig operava com fundamento no Decreto 72.898, de 1973, que lhe concedera o direito de executar o serviço aéreo de transporte regular de passageiro, carga e mala postal. Nesse sistema, que vigora até hoje, não há contrato propriamente dito, pois não há relação de contraprestação entre as partes, mas a regulação de um serviço prestado por uma das partes ao público em geral. A outorga do serviço independe de licitação, o que seria inconstitucional caso se tratasse de uma concessão de serviço público, uma vez que o artigo 175 exige licitação para todas as concessões e permissões de serviço público. As aeronaves, embora essenciais à prestação do serviço, não são bens reversíveis e em geral sequer pertencem às próprias empresas aéreas, que as utilizam em regime de leasing.
Mais importante, no que diz
respeito ao tema do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, é que a
chamada concessão de serviços aéreos não confere à empresa o direito ou a
obrigação de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe
após a outorga de uma autorização específica para cada linha a ser explorada.
Essa autorização, denominada Horário de Transporte (Hotran), estabelece
horários, frequências, tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada
linha. As empresas aéreas não têm, nem nunca tiveram, portanto, qualquer
obrigação de operar em condições deficitárias. Podem, a qualquer tempo,
comunicar ao poder público que não mais operarão determinada linha e solicitar
o cancelamento do respectivo Hotran.
Muita coisa mudou entre 1986 e
2013. A Lei 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarifária. A
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não pode, portanto, tabelar os preços
das passagens aéreas, como fez o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) ao
longo de quase toda sua existência. A mesma lei também assegura às empresas a
exploração de quaisquer linhas aéreas, observada exclusivamente a capacidade
operacional de cada aeroporto e as normas regulamentares de prestação de
serviço adequado, o que desautoriza a política de contenção do “excesso de
oferta” praticada pelo DAC, que vedava a entrada de uma empresa em mercados já
atendidos por outra.
Ao contrário do que acontece
nos dias de hoje, em que prevalece a livre iniciativa na exploração dos
serviços aéreos, em 1986 as empresas estabelecidas eram protegidas contra novas
entrantes e os preços das passagens aéreas eram controlados. Isso não autoriza
a conclusão, no entanto, de que no regime anterior se tenha praticado uma
concessão de serviço público propriamente dita.
A situação das empresas aéreas
se aproximava do regime pelo qual o serviço de táxi é prestado na maior parte
das cidades. O poder público tabela o preço cobrado do passageiro, mas não
obriga ninguém a ser taxista. Caso o preço tabelado se mostre insuficiente, o
taxista pode descontinuar a prestação do serviço, sem qualquer penalidade.
Também pode contestar a legalidade do valor tabelado e buscar sua alteração
junto ao Poder Judiciário. O que não se pode admitir é que, tendo continuado a
operar, solicite depois uma indenização, a título de recomposição do equilíbrio
econômico-financeiro de um contrato que, em realidade, nunca existiu.
Título e Texto: Victor
Carvalho Pinto é consultor
legislativo do Senado Federal nas áreas de Desenvolvimento Urbano e
Transportes, doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São
Paulo e Autor do livro O Marco Regulatório
da Aviação Civil: Elementos para a Reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica
(Senado Federal, 2008).
Revista ConsultorJurídico, 24 de maio de 2013
E o caso da Transbrasil????
ResponderExcluirComo é mesmo o nome daquele processo - ou seu número - aquele que responsabiliza a União pela quebra do Aerus??? A União que assinava embaixo dos "contratos" em que a Varig depenava o Aerus, contra seus próprios regulamentos, contra a própria Constituição. Aquele processo que responsabiliza a União por ter entrado em concluio com a Varig para na esvaziar os cofres do Aerus, quando justamente, deveria protege-lo?? PFdeM
ResponderExcluirnem estou mais preocupado com a briga da diferença tarifária...quero mais é saber dos direitos dos contribuintes do Aerus, que depositaram o dinheiro e a confiança durante anos, crentes da idoneidade da empresa, e crentes que estavam protegidos pelo governo, governantes e leis que deveriam proteger os interesses dos contribuintes !! onde fica tudo isso ? como alertar todos sobre casos semelhantes que poderão vir à acontecer ?? CRIME,
ResponderExcluirCRIME e CRIME !!!
Ops!
ResponderExcluir"crentes da idoneidade da empresa"
Alguém lembra, afinal, onde tudo começou...
Vou comentar parafraseando o grande jurista e político Rui Barbosa:
ResponderExcluirDe tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça.
De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.
Rui Barbosa