terça-feira, 28 de maio de 2013

O respeito e o respeitinho

Helena Matos
Pode em Portugal um presidente ou um governo não serem socialistas? Pode mas não deve. Porque tal é uma coisa muito cansativa (demais a mais se o dito Presidente se chamar Cavaco Silva e portanto se obstinar primeiro em derrotar os socialistas e em seguida, com igual afinco, em desconcertar aqueles que o elegeram).

Em Portugal, as instituições e a História são respeitadas se de alguma forma se conseguir fazer uma leitura de esquerda dos factos e dos respectivos protagonistas. No mais é para abater, caluniar ou atirar para baixo do tapete. E é válido tanto para a nossa História - demorámos anos para conseguir falar do fenómeno dos retornados pois nesse caso o papel dos heróis possíveis era no mínimo indigente - como para a eleição de um Papa: de repente, o Papa Francisco tornou-se um herói inspirador pois nas suas intervenções foi detectada pela esquerda uma crítica ao capitalismo e quiçá a este fantasma a pedir a intervenção dos novos exorcistas que dá pelo nome de neoliberalismo. No dia em que o Papa disser algo que não se enquadre na cartilha progressista, o Vaticano voltará num ápice a ser visto como um estado absoluto, misógino e portanto a erradicar da convivência das nações.
O cúmulo do ridículo desta identificação entre os líderes e o Estado surge na expressão "tempo de Salazar" para anatemizar leis, procedimentos, opiniões ou simples questões de gosto - durante anos o fado era do "tempo de Salazar" - e os autores dos ataques às fazendas em Angola no ano de 1961 quase acabavam heróis libertadores porque tinham atacado, violado, decapitado e esventrado portugueses no "tempo de Salazar".

Do predomínio da esquerda em Portugal resulta que as instituições só se respeitam quando a esquerda está no poder. Deste fenómeno é particularmente representativa a mudança que se opera na imprensa portuguesa de 1975 afecta ao PCP e à esquerda revolucionária (que então era quase toda): a dado momento as eleições livres e o parlamento pluripartidário que tinham começado por ser apresentados como a grande conquista do golpe militar de 25 de Abril de 1974 passam a ser desprestigiados e desvalorizados face à dinâmica revolucionária da rua. O que levara a esta alteração: os fraquíssimos resultados eleitorais do PCP e do MDP. Como se sabe a Assembleia acabou cercada e não fosse o facto de o PS ser indiferente às acusações de que defendia a democracia burguesa e ter-se aliado com aquele povo que de forquilhas na mão atacava as sedes comunistas, o CDS e sobretudo o então PPD ainda hoje estariam a discutir se deviam ou não defender a alienada e burguesa maioria eleitoral versus a inquestionável maioria sociológica de esquerda.

Ora, actualmente, temos um problema: o PS única força capaz de conter a esquerda radical não está no Governo, coisa que até agradece, mas também não está na Presidência da República, coisa que não perdoa pois a PR, sobretudo após a transferência de Macau para a administração chinesa, passou a ser entendida como um reduto intocável do jacobinismo socialista. E assim,enquanto a esquerda jacobina não se sentar na cadeira que acha sua por direito natural e histórico, vamos assistir ao aumento da agressividade da esquerda radical contra as instituições e aqueles que as representam.

No bendito dia em que os votos voltarem a confirmar os vencedores naturais, os narizes de palhaço ficam no fundo das gavetas, os jornalistas que agora estão muito indignados voltarão, à semelhança do que fizeram em 1996 com Rui Mateus, a tratar como traidores aqueles que então questionarem o PR e a direita viverá feliz porque finalmente há respeito.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 28-05-2013

“Em Rio Maior, assalto e destruição de sedes locais do PCP e da FSP. Esta acção foi considerada como o início da escalada anticomunista do 'Verão Quente', e ainda que já anteriormente se tivessem verificado agressões contra militantes de esquerda, a partir daqui passou a verificar-se a planificação sistemática das acções. (JSC). Julho de 1975”

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