Quero que vocês vejam este
vídeo, bem curtinho. Esta senhora que fala aí é uma assistida do Bolsa Família,
lá de Fortaleza. São só 30 segundos. Mas eles resumem o Brasil que aí está e
também apontam para um futuro — não muito promissor. Assistam. Volto em
seguida.
Voltei
Escrevi ontem à noite um post sobre a irresponsabilidade dupla da Caixa Econômica Federal — que alterou o sistema de pagamento do Bolsa Família sem avisar ninguém e depois negou que o tivesse feito, sendo desmentida por reportagem da Folha — e das autoridades do governo federal, que saíram a acusar ou as oposições, caso de Maria do Rosário (a ministra dos Direitos Humanos, de inumana compreensão), ou um complô conspiracionista, sugerindo que, no fundo, seriam mesmo as oposições: José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça e aspirante a disputar o governo de São Paulo pelo PT, e Dilma Rousseff. A governanta classificou a boataria sobre o Bolsa Família de “desumana e criminosa”. Tudo não passou de uma trapalhada da Caixa Econômica Federal, pela qual se desculpou Jorge Hereda, presidente da instituição. Só desculpas?
Pois é… O que antes era
“desumano e criminoso” não merecerá da soberana, pelo visto, nem mesmo um puxão
de orelha. Cardozo continua em busca de um bode expiatório. Quem sabe apareça
alguém para confessar, não é?, e se descubra, então, que ele é vizinho da tia
da cabeleireira que vem a ser prima da cunhada da faxineira do secretário-geral
do PSDB de Arapiraca… É ridículo! Mais do que o boato do fim do Bolsa Família,
o que se espalhou como rastilho de pólvora foi a informação de que havia uma
graninha a mais na CEF, um bônus. As pessoas que lá iam constatavam: havia
mesmo! Aí, meus caros, foi o que se viu… Como pergunta Silvio Santos — numa
indagação que, suponho, toca universalmente o coração e o intelecto: “Quem quer
dinheirooo?”. No post em questão, destaquei também o ar robusto, primaveril
mesmo em alguns casos, dos assistidos do Bolsa Família. O valor médio do
benefício pago a cada família está aí na casa dos R$ 150. Muita gente recebe
menos, mas há quem receba mais: nunca menos de R$ 32, nunca mais de R$ 306 — é
o que informa o governo. Muito bem. Agora volto à assistida do vídeo que está
lá no alto. A entrevista foi concedida ao Jornal Nacional de sábado. Reproduzo
a sua fala, uma das maiores contribuições jamais prestadas à compreensão
sociológica destes dias.
“Eu fui na lotérica, como
vou de costume, fazer um depósito na poupança do meu esposo. Fui depositar
o dinheiro. Como eu já estava lá, eu tinha de ir fazer isso, eu aproveitei,
levei o cartão e tirei o meu Bolsa Família. Quando eu tirei, saiu (sic) os
dois meses”.
Entendi. Ela foi depositar, como faz habitualmente, um dinheiro na poupança do marido, certo? Já que estava lá, levou o cartão do Bolsa Família e pimba! Saíram os dois meses de uma vez só. Ai, ai, ai… Longe de mim querer cassar o benefício da distintíssima senhora Diane dos Santos — e espero que ninguém pegue no pé dela. Mas me parece que alguém que tem dinheiro para fazer poupança não precisa do… Bolsa Família, certo? Reitero: acusarei aqui perseguição caso queiram lhe cortar o benefício — porque, é fato, como ela, há uma legião, há milhões hoje em dia. O problema não é ela, mas o programa. Eu até confesso uma certa simpatia por Diane, uma brasileira brejeira, com o cabelo arrumado, brincos, pele boa… Ela desmoraliza os delírios dos bem-pensantes sobre o atavismo da fome no Brasil, que faz o coitadismo que embala as ideias de reparação social da esquerda universitária. Ela não! É, reitero, distinta! Ela nem fala “marido” — deve achar meio grosseiro. Prefere, como Daniela Mercury, mas mudando o gênero, a palavra “esposo”.
“Então Reinaldo Azevedo
sustenta que não existem mais a fome, a miséria…” Aquela fome africana, que
Lula dizia existir em 2002, que ele curaria com dois pratos de comida, não
existe mais no Brasil há décadas, embora haja, é evidente, nichos de famélicos
em algumas áreas do sertão e até nas periferias extremamente pobres das grandes
cidades. Isso persiste. Da mesma sorte, há, sim, pessoas com renda abaixo de R$
70 em áreas restritas do Brasil profundo. Mas os pobres — eu sei do que falo —
somos duros de morrer, fiquem certos, sobretudo de fome. Sempre se arranja um
bico pra fazer, um serviço extra, alguma coisa que garanta o sustento dos
filhos. No mais das vezes, essa renda per capita entre R$ 70 e R$ 140 é uma
fantasia estatística. Ou será que a distinta dona Diane está “depositando na
poupança do marido” o dinheiro do Bolsa Família? Ela nem havia sacado ainda o
de abril — e já era dia 17! Certamente, o depósito que fora fazer era uma
sobra, não?, depois de satisfeitas as necessidades básicas. Sobra de que renda?
Não era do Bolsa Família!
Sim, é possível que haja
alguns milhões de brasileiros que precisam efetivamente de um Bolsa Família,
mas serão mesmo 40 milhões, 45 milhões talvez, divididos em mais de 13 milhões
de famílias? Não é só dona Diane dos Santos que prova que não. Vocês certamente
se lembram desta senhora, que, diz, “só ganha R$ 134 há oito anos”, o que,
segundo ela, não dá nem comprar uma calça para a filha, “uma jovem de 16 anos”,
porque, afinal, uma calça para essa faixa etária custaria R$ 300…
De fato, ela não tem a menor dúvida de que comprar uma calça para a sua filha é, sim, um problema do governo brasileiro, não dela própria, do marido ou de sua família. “Ah, o Bolsa Família vai custar em 2013 apenas R$ 24,9 bilhões. Perto do que o governo gasta com o Bolsa BNDES ou com o Bolsa Juros… Reinaldo não quer dar grana para os pobres.” Nem para os ricos!!! Eu não acho que governos tenham de dar dinheiro para ninguém. No caso dos pobres, tem é de criar programas sociais que os estimulem a buscar uma saída. E a injeção de recursos na conta do vivente só deve ser feita mesmo em último caso. E já está mais do que claro que o Bolsa Família, para muita gente, virou uma doação… O Nobel da Paz Muhammad Yunus está no Brasil (ver post na home). Ele criou o programa de microcrédito em Bangladesh que deu origem a um banco. Ele critica no Bolsa Família justamente seu caráter assistencialista.
O “andar de cima”, como quer
Elio Gaspari, com essa categoria sociológica haurida da construção civil,
consome bem mais do que os R$ 25 bilhões do Bolsa Família em subsídios,
trapaças, aditamento de contratos etc.? Certamente! Não deixa de ser uma forma
de “bolsismo”, não é?, e das mais perversas. Os dois extremos — os ricos
cuidadosamente selecionados para as prebendas e os pobres que recebem todo mês
um dinheirinho — se tornaram pilares de um modo de fazer política. Uns são
gratos ao governo de turno com doações eleitorais e outras que não aparecem nos
registros do TSE; os outros expressam a sua gratidão com votos.
O Bolsa Família se tornou,
assim, uma formidável máquina eleitoreira, e os que mais se entusiasmam com o
governo nem são, suponho, os que realmente precisam, mas os que, não
precisando, temem uma mudança de guarda e a perda de um benefício de que, no
fundo, sabem ser descabido. Assim, é melhor deixar tudo como está.
Oposição
Compreendo que a oposição
venha a público disputar a paternidade dos programas sociais porque, com
efeito, o Bolsa Família nada mais é do que a reunião dos programas que existiam
no governo FHC numa única rubrica. Já demonstrei faz alguns anos que isso é verdade. Faço-o de novo transcrevendo, em vermelho, trecho da Medida Provisórianº 132, que “criou” o Bolsa Família, no dia 20 de outubro de 2003. Essa MP foi
depois convertida na Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004. O conteúdo era o
mesmo. Prestem atenção:
(…) programa de que trata o
caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução
das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do
Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação – “Bolsa Escola”,
instituído pela Lei n.° 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de
Acesso à Alimentação – PNAA, criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de
2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde – “Bolsa
Alimentação”, instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro
de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de
janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo
Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.
Retomo
Assim, é claro que os
programas foram originalmente criados pelo governo FHC. A questão é saber se dá
para disputar essa paternidade hoje. Parece-me que não! E a máquina de
propaganda montada com o Bolsa Família tem, sim, um efeito eleitoral evidente,
como ficou claro em 2006 e 2010. Menos do que fazer tal disputa, as oposições
teriam de ter a coragem de perguntar quem paga a conta. É claro que os petistas
partiriam pra cima, acusando-a de querer acabar com o programa. Ocorre que o
eleitorado cativo, meus caros, cativo já está. Não será desse mato que vão sair
tucanos. Não saem mesmo! Os que se apõem ao petismo, reitero, têm de aprender a
falar com quem paga a conta — muito especialmente os trabalhadores.
Que país existe na outra ponta
dessa forma de assistencialismo? Não tem outra ponta nenhuma! A outra ponta é
esta que está aí. Está bom assim? É o que o modelo permite. As virtudes já se esgotaram.
Com Bolsa BNDES e Bolsa Família, a gente vai ficando assim. Teremos um dia uma
oposição capaz de politizar o que tem de ser politizado, fugindo do demônio do
consenso, que é, numa democracia, o que é a censura na ditadura? Não sei. Se e
enquanto não o fizer, pode ir brincar de outra coisa. Chegou a hora de
conversar com quem, não tendo o Bolsa Família, não tem também uma sobra para
depositar na poupança do “esposo”.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 28-05-2013
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