terça-feira, 7 de maio de 2013

O que as oposições têm a dizer mesmo sobre o debate das drogas? Resposta: nada!

E essa é a melhor parte; a pior é a besteira. Ou: Lula não conheceu Sartre nem acompanhou o Maio de 1968 francês… Não deixa de ser uma sorte para os brasileiros que só têm a protegê-los o próprio medo!
Reinaldo Azevedo
No sábado, enquanto o jornal O Globo publicava uma entrevista da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, criticando a proposta de descriminação das drogas, defendendo as comunidades terapêuticas e a internação compulsória de viciados, ocorria em Brasília um seminário, iniciado no dia anterior e que se estenderia até o seguinte, em favor da descriminação (os mansos…) e da legalização (os furiosos) das ditas-cujas. Não só isso. Pediu-se lá, sob aplausos entusiasmados, a legalização da produção, da distribuição e do consumo de todas as drogas. Gleisi, que é contra isso, é do PT. O encontro de Brasília era promovido por uma universidade federal controlada pelo PT; financiado por um órgão do Ministério da Educação, comandado pelo PT; tinha o apoio do Ministério da Saúde, que também está com PT, e contava com o incentivo de outros órgãos do estado chefiados pelo… PT!!! Entenderam? Enquanto a ministra de estado que tem de negociar algumas pautas com o Congresso apontava num sentido, o happening, financiado com dinheiro público, apontava no outro. O governo Dilma é esquizofrênico? Pode ser ruim, mas não padece dessa dualidade. Isso é política. E as oposições? O que elas diziam a respeito? Ora, como de hábito, nada — ao menos aquela de Brasília. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin já pôs em prática a internação involuntária — sob o silêncio assustado do PSDB, esse partido que se mostra, a cada dia um pouco mais, uma equação vencida pelo tempo. O eleitor passou na janela, e as Carolinas da social-democracia não viram. Que peninha! Xiii, hoje é dia de tomar porrada de todo lado: dos petistas (como de hábito), dos tucanos, da esquadrilha da fumaça, dos aspiradores de pó, dos “muderrrnos”… Assim é que é bom. A política no Brasil é chata. O meu blog não é. Sigamos.
Prometi ontem à noite que escreveria nesta madrugada um texto com estes elementos: “1) a entrevista de Gleisi Hoffmann sobre as drogas; 2) as posições (no plural) dos petistas sobre o assunto; 3) a fala (ou não falas) das oposições a respeito; 4) os que ‘frequentaram’ o Maio de 1968 francês; 5) os que conheceram Jean-Paul Sartre; 6) um certo sindicalista bastante conservador (a seu modo) em matéria de família; 7) uma oposição sem agenda (ou com a agenda errada)” . E disso me ocupo agora. Na verdade, exponho as visões que foram se clareando enquanto eu redigia aquele outro texto. Como no conto de Machado de Assis “O cônego ou a metafísica do estilo”, as palavras ficaram lá no meu cérebro se procurando, como Sílvio, o substantivo, buscava Sílvia, o adjetivo (quem não ainda não leu o conto não entendeu lhufas; nunca é tarde para Machado). Adiante.
Ora, meus caros, a excelente entrevista concedida por Gleisi deveria estar na boca de políticos da oposição — na verdade, no que concerne às drogas, aquela deveria ser a linha oficial dos que pretendem apear o PT do poder. Em vez disso, o que se tem é um enorme silêncio. Sabem por quê? Porque os oposicionistas que temos são reféns de algumas ideias do século passado e têm, não canso de apontar aqui, um medo pânico do povo. Muitos tucanos de nobre plumagem jamais falariam o que falou Gleisi porque temeriam ser chamados de “reacionários” pela militância do Alto de Pinheiros e Higienópolis — e até pelos… petistas! Gleisi, no entanto, vai lá e fala.
A ministra, claro!, opinava em nome do governo — o cargo a obriga a tanto. Mas não duvido que pense realmente aquilo. O que esperar da mãe de duas crianças, uma de 11 e outra de 7 anos? Ora, que expresse o justo temor de milhões de mães Brasil afora, que sabem o que significaria a liberação das drogas: seus filhos ficariam muito mais expostos ao risco. Sim, acho que a ministra foi sincera. E foi também metódica. Eis o PT, ocupando todo o espectro do debate: lidera a pressão que eles chamam “da sociedade” (é mentira!) em favor da descriminação e também lidera o processo de resistência. Com o primeiro movimento, ganha a simpatia dos descolados e da imprensa liberacionista; com a segunda, obtém a simpatia do povo, que repudia — e com razão — a descriminação.
E os tucanos ficam com o quê? Ora, em escala nacional, com nada! Embora FHC seja um dos prosélitos da descriminação, os que endossam essa ideia, no mais das vezes, já têm partido — e não é o PSDB! A legenda perde a chance de falar com a população. O mínimo que merecia aquela patuscada ocorrida em Brasília era um protesto veemente dos tucanos, que alimentam a ambição, oficial ao menos, de chegar ao poder. O dinheiro que financiou aquele troço saiu da Capes. Prestem atenção para a tradução por extenso da sigla: Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior. Mas como reagir? FHC é uma espécie de porta-bandeira da tese que lá se defendia. Na Folha desta segunda, César Gaviria, seu companheiro na Comissão Latino-Americana Sobre Drogas e Democracia, defendeu que o Estado passe a fornecer gratuitamente drogas aos viciados. Não faz tempo, numa de suas pajelanças, os tucanos concluíram que precisavam se aproximar mais do povo. Defendendo a descriminação das drogas ou fugindo do debate quando ele aparece? Ora, não vai acontecer.
Pior: os tucanos ajudaram a criar embaraços ao projeto de lei do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que disciplina as comunidades terapêuticas, regulariza a internação involuntária (a compulsória saiu do projeto) e aumenta a pena para os traficantes. O que estou aqui a dizer é que, mais uma vez, um debate importante se trava na sociedade, e não se ouve a voz da oposição. Assim, o PT ocupa as duas pontas do debate (a favor da descriminação e contra); as duas faces do jogo político, o “contra” e o “a favor”; os dois lados da polarização. Lula andou dizendo por aí que o PT parlamentar, o que governa, o do establishment, afastou-se do PT da base. E não pensem que ele pretende encostar um no outro. Isso é parte do jogo. O PT é assim mesmo.

Lula não conheceu Sartre
Quando Jean-Paul Sartre veio ao Brasil, em 1960, FHC foi um de seus anfitriões. A professora Ruth Cardoso, sua mulher, até fez uma sopa de mandioquinha para o filósofo. Eram tempos, digamos, de pré-convulsão na França e no Brasil. A revolução cubana acontecera havia pouco. Sartre já vivia a fase de declínio do pensamento (havia se tornado anos antes um comunista…), mas ainda não tinha surtado de vez, como ocorreu nas jornadas de Maio de 1968, quando foi às ruas distribuir jornaizinhos maoístas e emprestar apoio integral àquele espetáculo comuno-fascistoide que foi a chamada “revolução estudantil”. Um intelectual agudo como Raymond Aron olhou aquilo e previu que os idiotas nunca mais recuperariam a modéstia. E ele estava certo.
Por que isso agora? Estou aludindo a um texto que escrevi aqui na manhã de segunda-feira. Pressão em favor da liberação das drogas haverá em qualquer tempo. Hoje, ela só encontra guarida em alguns governos porque aquela geração de 1968 ou imediatamente posterior, ainda contaminada por aquelas ideias, está no poder. O discurso da medicalização do vício é mera desculpa, é papo furado. Por que a ministra Gleisi Hoffmann foi tachada até de “fascista” pelos liberacionistas? Ora, o xingamento revela muito mais do que diz à primeira vista. No fim das contas, essa gente acha que drogar-se é um “direito”. Está cantando e andando para os doentes. Não dá a mínima! No fim das contas, eles querem é restaurar, como é mesmo?, “as barricadas do desejo”; querem é “a imaginação no poder”.
E agora chamo Lula. Enquanto os estudantes ocupavam a Sorbonne, na França, ele se filiava ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Relutou. Não gostava de sindicalismo nem de políticos. Se vocês perceberem, da boca do líder máximo do PT, não sai conversa sobre droga. A visão que ele tem de família — ainda que possam surgir uma secretária ou outra no meio do caminho — é bastante tradicional. Não conto nenhuma novidade ao afirmar que o Babalorixá exprime, no que concerne aos valores, aos costumes, aos hábitos, o padrão do homem médio brasileiro. Sabe que, se aparecer falando em defesa da descriminação das drogas, cria um curto-circuito na relação com uma parcela importante da “massa”, que o tem como líder.
Vale dizer: nessa roubada, ele não entra. Ainda que alguns petistas graúdos sejam militantes da causa, ele, pessoalmente, fica fora desse papo. E, se querem saber, não é só por cálculo, não. Lá de onde ele vem (e, como ninguém, ele sabe o que isso significa e o peso que tem na personagem que criou), que é o lugar em que se concentra a esmagadora maioria do eleitorado, a droga ainda é, FELIZMENTE, um anátema. E é bom que seja assim. Se considerarmos o estado inepto que temos; a educação vagabunda que temos, a saúde precária que temos, a polícia ineficiente que temos, a verdade é que o povo só tem a si mesmo! O povo só tem a defendê-lo e a protegê-lo, muitas vezes, seus próprios medos.
A entrada dos tucanos na campanha em favor da descriminação das drogas e o seu silêncio cúmplice quando a vanguarda petista (nunca o Lula!) decide transformar a questão num tema quente são muito mais desastrosos para o partido do que parece à primeira vista. Trata-se de um fabuloso descolamento da realidade, que traduz, no fim das contas, inaptidão, inapetência e incompetência.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 07-05-2013

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