E essa é a melhor parte; a pior é a besteira. Ou:
Lula não conheceu Sartre nem acompanhou o Maio de 1968 francês… Não deixa de
ser uma sorte para os brasileiros que só têm a protegê-los o próprio medo!
Reinaldo Azevedo
No sábado, enquanto o jornal O Globo publicava uma entrevista da ministra-chefe
da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, criticando a proposta de descriminação das
drogas, defendendo as comunidades terapêuticas e a internação compulsória de
viciados, ocorria em Brasília um seminário, iniciado no dia anterior e que se
estenderia até o seguinte, em favor da descriminação (os mansos…) e da
legalização (os furiosos) das ditas-cujas. Não só isso. Pediu-se lá, sob
aplausos entusiasmados, a legalização da produção, da distribuição e do consumo
de todas as drogas. Gleisi, que é contra isso, é do PT. O encontro de Brasília
era promovido por uma universidade federal controlada pelo PT; financiado por
um órgão do Ministério da Educação, comandado pelo PT; tinha o apoio do
Ministério da Saúde, que também está com PT, e contava com o incentivo de
outros órgãos do estado chefiados pelo… PT!!! Entenderam? Enquanto a ministra
de estado que tem de negociar algumas pautas com o Congresso apontava num
sentido, o happening, financiado com dinheiro público, apontava no outro. O
governo Dilma é esquizofrênico? Pode ser ruim, mas não padece dessa dualidade.
Isso é política. E as oposições? O que elas diziam a respeito? Ora, como de
hábito, nada — ao menos aquela de Brasília. Em São Paulo, o governador Geraldo
Alckmin já pôs em prática a internação involuntária — sob o silêncio assustado
do PSDB, esse partido que se mostra, a cada dia um pouco mais, uma equação
vencida pelo tempo. O eleitor passou na janela, e as Carolinas da
social-democracia não viram. Que peninha! Xiii, hoje é dia de tomar porrada de
todo lado: dos petistas (como de hábito), dos tucanos, da esquadrilha da
fumaça, dos aspiradores de pó, dos “muderrrnos”… Assim é que é bom. A política
no Brasil é chata. O meu blog não é. Sigamos.
Prometi ontem à noite que escreveria nesta madrugada um texto com estes
elementos: “1) a entrevista de Gleisi Hoffmann sobre
as drogas; 2) as posições (no plural) dos petistas sobre o assunto; 3) a fala
(ou não falas) das oposições a respeito; 4) os que ‘frequentaram’ o Maio de
1968 francês; 5) os que conheceram Jean-Paul Sartre; 6) um certo sindicalista
bastante conservador (a seu modo) em matéria de família; 7) uma oposição sem
agenda (ou com a agenda errada)” . E disso me ocupo agora. Na verdade,
exponho as visões que foram se clareando enquanto eu redigia aquele outro
texto. Como no conto de Machado de Assis “O cônego ou a metafísica do estilo”, as palavras ficaram lá no meu cérebro se procurando,
como Sílvio, o substantivo, buscava Sílvia, o adjetivo (quem não ainda não leu
o conto não entendeu lhufas; nunca é tarde para Machado). Adiante.
Ora, meus caros, a excelente entrevista concedida
por Gleisi deveria estar na boca de políticos da oposição — na verdade, no que
concerne às drogas, aquela deveria ser a linha oficial dos que pretendem apear
o PT do poder. Em vez disso, o que se tem é um enorme silêncio. Sabem por quê?
Porque os oposicionistas que temos são reféns de algumas ideias do século
passado e têm, não canso de apontar aqui, um medo pânico do povo. Muitos
tucanos de nobre plumagem jamais falariam o que falou Gleisi porque temeriam
ser chamados de “reacionários” pela militância do Alto de Pinheiros e
Higienópolis — e até pelos… petistas! Gleisi, no entanto, vai lá e fala.
A ministra, claro!, opinava em nome do governo — o cargo a obriga a
tanto. Mas não duvido que pense realmente aquilo. O que esperar da mãe de duas
crianças, uma de 11 e outra de 7 anos? Ora, que expresse o justo temor de
milhões de mães Brasil afora, que sabem o que significaria a liberação das
drogas: seus filhos ficariam muito mais expostos ao risco. Sim, acho que a
ministra foi sincera. E foi também metódica. Eis o PT, ocupando todo o espectro
do debate: lidera a pressão que eles chamam “da sociedade” (é mentira!) em
favor da descriminação e também lidera o processo de resistência. Com o
primeiro movimento, ganha a simpatia dos descolados e da imprensa
liberacionista; com a segunda, obtém a simpatia do povo, que repudia — e com
razão — a descriminação.
E os tucanos ficam com o quê? Ora, em escala nacional, com nada! Embora
FHC seja um dos prosélitos da descriminação, os que endossam essa ideia, no
mais das vezes, já têm partido — e não é o PSDB! A legenda perde a chance de
falar com a população. O mínimo que merecia aquela patuscada ocorrida em
Brasília era um protesto veemente dos tucanos, que alimentam a ambição, oficial
ao menos, de chegar ao poder. O dinheiro que financiou aquele troço saiu da
Capes. Prestem atenção para a tradução por extenso da sigla: Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior. Mas como reagir? FHC é uma
espécie de porta-bandeira da tese que lá se defendia. Na Folha desta segunda,
César Gaviria, seu companheiro na Comissão Latino-Americana Sobre Drogas e
Democracia, defendeu que o Estado passe a fornecer gratuitamente drogas aos
viciados. Não faz tempo, numa de suas pajelanças, os tucanos concluíram que
precisavam se aproximar mais do povo. Defendendo a descriminação das drogas ou
fugindo do debate quando ele aparece? Ora, não vai acontecer.
Pior: os tucanos ajudaram a criar embaraços ao projeto de lei do
deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que disciplina as comunidades terapêuticas,
regulariza a internação involuntária (a compulsória saiu do projeto) e aumenta
a pena para os traficantes. O que estou aqui a dizer é que, mais uma vez, um
debate importante se trava na sociedade, e não se ouve a voz da oposição.
Assim, o PT ocupa as duas pontas do debate (a favor da descriminação e contra);
as duas faces do jogo político, o “contra” e o “a favor”; os dois lados da
polarização. Lula andou dizendo por aí que o PT parlamentar, o que governa, o
do establishment, afastou-se do PT da base. E não pensem que ele pretende
encostar um no outro. Isso é parte do jogo. O PT é assim mesmo.
Lula não conheceu Sartre
Quando Jean-Paul Sartre veio ao Brasil, em 1960, FHC foi um de seus anfitriões. A professora Ruth Cardoso, sua mulher, até fez uma sopa de mandioquinha para o filósofo. Eram tempos, digamos, de pré-convulsão na França e no Brasil. A revolução cubana acontecera havia pouco. Sartre já vivia a fase de declínio do pensamento (havia se tornado anos antes um comunista…), mas ainda não tinha surtado de vez, como ocorreu nas jornadas de Maio de 1968, quando foi às ruas distribuir jornaizinhos maoístas e emprestar apoio integral àquele espetáculo comuno-fascistoide que foi a chamada “revolução estudantil”. Um intelectual agudo como Raymond Aron olhou aquilo e previu que os idiotas nunca mais recuperariam a modéstia. E ele estava certo.
Por que isso agora? Estou aludindo a um texto que
escrevi aqui na manhã de segunda-feira. Pressão em favor da liberação das
drogas haverá em qualquer tempo. Hoje, ela só encontra guarida em alguns
governos porque aquela geração de 1968 ou imediatamente posterior, ainda
contaminada por aquelas ideias, está no poder. O discurso da medicalização do
vício é mera desculpa, é papo furado. Por que a ministra Gleisi Hoffmann foi
tachada até de “fascista” pelos liberacionistas? Ora, o xingamento revela muito
mais do que diz à primeira vista. No fim das contas, essa gente acha que
drogar-se é um “direito”. Está cantando e andando para os doentes. Não
dá a mínima! No fim das contas, eles querem é restaurar, como é mesmo?, “as
barricadas do desejo”; querem é “a imaginação no poder”.
E agora chamo Lula. Enquanto os estudantes ocupavam a Sorbonne, na
França, ele se filiava ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Relutou.
Não gostava de sindicalismo nem de políticos. Se vocês perceberem, da boca do
líder máximo do PT, não sai conversa sobre droga. A visão que ele tem de
família — ainda que possam surgir uma secretária ou outra no meio do caminho —
é bastante tradicional. Não conto nenhuma novidade ao afirmar que o Babalorixá
exprime, no que concerne aos valores, aos costumes, aos hábitos, o padrão do
homem médio brasileiro. Sabe que, se aparecer falando em defesa da
descriminação das drogas, cria um curto-circuito na relação com uma parcela
importante da “massa”, que o tem como líder.
Vale dizer: nessa roubada, ele não entra. Ainda que alguns petistas
graúdos sejam militantes da causa, ele, pessoalmente, fica fora desse papo. E,
se querem saber, não é só por cálculo, não. Lá de onde ele vem (e, como
ninguém, ele sabe o que isso significa e o peso que tem na personagem que
criou), que é o lugar em que se concentra a esmagadora maioria do eleitorado, a
droga ainda é, FELIZMENTE, um anátema. E é bom que seja assim. Se considerarmos
o estado inepto que temos; a educação vagabunda que temos, a saúde precária que
temos, a polícia ineficiente que temos, a verdade é que o povo só tem a si
mesmo! O povo só tem a defendê-lo e a protegê-lo, muitas vezes, seus próprios
medos.
A entrada dos tucanos na campanha em favor da descriminação das drogas e
o seu silêncio cúmplice quando a vanguarda petista (nunca o Lula!) decide
transformar a questão num tema quente são muito mais desastrosos para o partido
do que parece à primeira vista. Trata-se de um fabuloso descolamento da
realidade, que traduz, no fim das contas, inaptidão, inapetência e
incompetência.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 07-05-2013
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