segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ensaio de naufrágio

Alberto José

 
O grande veleiro Aerus navegava sereno no mar de Almirante. As vagas eram altas e espaçadas transmitindo a vibração ao madeirame que rangia no esforço de tensão da estrutura ao caturrar entre as ondas. O comandante, que não era membro efetivo da tripulação pois foi comissionado por decreto das autoridades, tentava conduzir aquela nave com cerca de dez mil passageiros e tripulantes quando pequena parte dos passageiros assumiu tarefas para tornar a viagem segura até o porto de destino.

Constantemente eles organizavam grupos para protestar nos portos e assumir responsabilidades em caso de emergência. Durante esses eventos, não costumavam contar nem com 10% das almas embarcadas! Ninguém queria saber de nada! Os ausentes a esses eventos costumavam dizer que "Deus é brasileiro, nada vai acontecer de mal", "prá que treinar se não vai adiantar nada?", "deixa rolar, agora é hora de descanso, de olhar o mar", "protestar para quê?"... A despensa de bordo já estava reduzida a menos da metade; ainda havia provisões para o convés 2, mas o convés 1 já estava quase vazio.

O comandante, que não era membro efetivo da tripulação, tentava mostrar quais medidas deveriam ser tomadas para que as provisões do convés 1 fossem supridas mas os ocupantes daquele setor não colaboravam para planejar como conseguir resolver o problema das provisões!

Depois de algumas semanas de viagem e a centenas de milhas do porto que poderia dar suprimento, o comandante avisou que as despensas do convés 1 estavam vazias! Foi um pânico geral, as pessoas que ficavam deitadas no convés curtindo o sol entraram em desespero! Meu Deus, como isso podia acontecer? Ninguém podia acreditar que isso fosse acontecer! Como os ocupantes do convés 1 iriam ficar sem nada, se os passageiros do convés 2 continuavam a receber as provisões? Era o desespero total; e a voz do comandante sobressaia sobre o barulho da turba desesperada: "Eu avisei... eu disse que isso ia acontecer e vocês não davam crédito"... E eles ficavam repetindo as promessas do sindicato!

De repente, como numa conspiração dos deuses para castigar culpados e inocentes, o veleiro encalhou em um banco de areia e abateu-se sobre o mar uma calmaria total; não havia qualquer brisa para tocar o velame desfalecido nas suas amarras e armações! Depois de uma semana, o desespero era total pois os incautos, que eram muitos, não se prepararam para aquela inesperada emergência. Somente os poucos e previdentes, que estavam preparados para a emergência tinham cabeça e serenidade para se controlar naquela situação. Logo, surgiram as desavenças, começou-se a falar em invadir os depósitos do convés 2 para pegar um pouco das provisões! Isso gerou um clima de revolta e desconfiança. O comandante ameaçou algemar quem tentasse tirar as provisões dos depósitos do convés 2; eram deles e ninguém poderia tentar se apoderar daquelas provisões que ainda não haviam se esgotado!

Agora, sem vento e no meio do mar, todos queriam protestar, descer no porto e gritar contra as autoridades que deixaram aquela tragédia acontecer! Como não houve união, o que imperava era a lei do cada um por si, os grupos não se entendiam e entravam em conflito e depressão. Muita gente se atirou no mar. Os passageiros que tentaram liderar os "despreocupados" e os ocupantes do convés 2, vendo que o veleiro AERUS estava quase afundando, pegaram o que sobrou das suas provisões, embarcaram nos botes salva-vidas e pediram asilo ao veleiro APRUS que passava ao largo e se dirigia ao porto onde poderiam protestar e exigir o fornecimento das suas provisões!


O grande veleiro Aerus ficou encalhado com a maioria dos seus ocupantes esperando socorro do sindicato dos aposentados despreocupados!
Título e Texto: Alberto José, 04-08-2014

7 comentários:

  1. Pelo visto, estamos começando bem o mês de agosto, que ao contrário de desgosto tem muito a nos mostrar nas penas dos tripulantes deste veleiro, que não vão parar de escrever as suas cartas, colocando-as nas garrafas que um dia à praia chegarão.
    Parabéns Alberto, pelo reinício da sua jornada
    José Manuel

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  2. Parabéns, Alberto José. Você escreve com a desenvoltura de um sábio velho lobo do mar, mar esse, agora encrespado com vagalhões enormes, devido a tormenta que atinge aos navegantes do Aerus. Quando o mar era um espelho e o veleiro singrava lépido, muitos marujos míopes, deixaram encantar-se com os cantos da sereia. Agora,sentem que estavam na nau dos insensatos pois... era tudo miragem. Jonathas Filho

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    1. É isso mesmo, Nau dos Insensatos seria o título que eu pensei mas não adotei. Obrigado.

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    2. O texto realmente é muito bom mas poderia explicar que antes o comandante havia esvaziado o convés número um para abastecer o número dois, muito antes da carestia.
      E que esse motivo é que realmente tirou as provisões do convés um, já que o comandante há muito tempo não o abastecia.

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    3. Lembro que o "armador" que organizou o veleiro convidou todos para passarem para o convés 2! O que seria interessante para os "organizadores"da viagem do veleiro. Eu, por exemplo, fui convidado várias vezes e não aceitei pois não tive garantias de que seria uma opção segura! Alias, eu nunca achei que o Veleiro Aerus era seguro ... eu só não sabia de que maneira ele seria assaltado!!!

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    4. Realmente, o armador convidou, ele já não abastecia o convés número um, e ofereceu um mirabolante convés 2, onde por incrível que pareça comia-se mais, pagando-se menos. Enquanto os que ficaram, comiam menos e pagavam mais.
      Os pagamentos do convés um não compravam novas provisões, apenas abasteciam o armador, enquanto o convés 2 fazia festa com as provisões retiradas do outro. Eu também não acreditei no mirabolante plano. E se recebo menos tempo não importa, eles também vão ficar sem provisões, é a lei das compensações. Às vezes fico pensando Alberto, sobre os que faleceram, e aí essa lei da compensação me diz que muitos mais vão morrer, em compensação eu também vou. Alguns se aposentaram com salários de quase o dobro de outros do plano 1, e ainda retiravam dinheiro de suas poupanças. Essa matemática até hoje não fecha a conta.
      Eu fiz um pequeno cálculo, somente os juros mensais da dívida da defasagem tarifária dá entre 85 a 100 milhões por mês, dinheiro suficiente para pagar a folha e os atrasados e rescisórias. Em juros de poupança, o governo não teria despesa nenhuma.
      O novo armador é mais cruel do que se imagina...

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    5. É isso mesmo. Todos foram ludibriados pela FRB, pelo Dr. Ayoub, pelo chinês laranja - fundo abutre - e pelo "cumpadi" do Lulla, Roberto Teixeira e agora pela Dillma! Só posso repetir: "Delenda est PT"!

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