Rodrigo Adão da Fonseca
O que é particularmente grave nas palavras de Ana Gomes é a tentativa de
aproveitamento político de um ato vil, perpetrado por terroristas fanáticos,
sem rostro nem origem definida; diga-se, em abono da justiça, que este tipo de
gente nem sequer é representativo da totalidade do Islão.
Adiante. A vaga de
ataques terroristas em terreno ocidental tiveram o seu início nos
EUA, nos anos 90*, com máxima expressão nos ataques bombistas de Oklahoma
City e na destruição das Torres Gémeas. Em 2004 transitaram para
a Europa, muito antes da “austeridade”, ou do aparecimento de sentimentos
nacionalistas com a expressão que hoje os conhecemos. Basta recordar os
atentados de Madrid de 2004 ou Londres de 2005 para se perceber que não há
qualquer relação entre o terrorismo islâmico e as pretensas razões que a senhora MEP apresenta, com total leviandade.
O nível de idiotice do que aqui se
escreve atinge o seu zénite se pensarmos que quem governa hoje a França é o
messias socialista Hollande, que a Frente Nacional de Marine Le Pen cresce à
custa dos partidos da esquerda e encontra nos emigrantes de segunda geração –
muitos deles, de origem islâmica – uma parte significativa dos
seus apoiantes. Longe de mim, porém, culpar Hollande ou a França por
aquilo que ocorreu.
Por quê? Porque
o terrorismo islâmico não é fruto das dinâmicas ou divergências
existentes entre a esquerda e a direita, nem tem qualquer
relação direta com o sucesso ou o insucesso das políticas sociais de
integração. França e Reino Unido são os países que mais investem, a par da
Alemanha, nas políticas de integração, e nem por isso têm estado menos expostos
aos atos fanáticos dos terroristas islâmicos. Os esforços franceses no sentido
da integração, nos últimos 20 anos, de governos de vários quadrantes políticos,
são aliás louváveis e merecedores do nosso respeito. Recorde-se
finalmente que boa parte dos terroristas islâmicos não são pessoas de
baixa instrução ou “desintegradas”, mas gente educada e com estudos, muitos
deles doutorados e com posições de relevo nos países de acolhimento. Basta
recordar o perfil dos indivíduos que se imolaram contra as Torres Gémeas, ou
que praticaram os ataques em Madrid ou Londres, para perceber que o simplismo
com que Ana Gomes aborda este tema há muito deveria ter tido consequências
políticas – não nos prestigia ter gente tão ignorante a representar-nos no PE,
ou onde quer que seja, que não num Grupo Folclórico.
O que está em causa são
questões civilizacionais mais profundas, de choque entre uma visão pluralista,
cosmopolita e tolerante daquilo que é a laicidade e o papel da religião na
sociedade, e outra perspectiva, teocrática e pre-moderna, que recusa a
tolerância e a separação entre Leis Religiosas e Estado. Não deixa de ser chocante que Ana Gomes misture questões de política
corrente com algo de tão estrutural, que resulta do facto evidente de uma
parte do Islão viver hoje num estádio de desenvolvimento cultural
semelhante ao que se encontrava a nossa Cristandade na época da Inquisição.
Receio, aliás, que se vivesse na Idade Média, Ana Gomes seria um specimen exótico
de Torquemada, de saia travada e mão na anca. Graças a Deus (ou ao acaso do
Destino), Ana Gomes só veio ao mundo em pleno século XX, pelo
que as únicas vítimas dos seus devaneios são os nossos olhos e ouvidos
e, já agora, o nosso sentido de paciência e tolerância, regularmente postos à
prova.
(* ) Convém não
misturar a vaga de ataques terroristas ligados a conflitos regionais do Médio
Oriente, como os da OLP, ou do marxismo arabista, com este tipo de terrorismo,
que tem apenas como inspiração a recusa do Ocidente enquanto tal.
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