quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O fanatismo de Ana Gomes

Rodrigo Adão da Fonseca
O que é particularmente grave nas palavras de Ana Gomes é a tentativa de aproveitamento político de um ato vil, perpetrado por terroristas fanáticos, sem rostro nem origem definida; diga-se, em abono da justiça, que este tipo de gente nem sequer é representativo da totalidade do Islão.

Adiante. A vaga de ataques terroristas em terreno ocidental tiveram o seu início nos EUA, nos anos 90*, com máxima expressão nos ataques bombistas de Oklahoma City e na destruição das Torres Gémeas. Em 2004 transitaram para a Europa, muito antes da “austeridade”, ou do aparecimento de sentimentos nacionalistas com a expressão que hoje os conhecemos. Basta recordar os atentados de Madrid de 2004 ou Londres de 2005 para se perceber que não há qualquer relação entre o terrorismo islâmico e as pretensas razões que a senhora MEP apresenta, com total leviandade.

O nível de idiotice do que aqui se escreve atinge o seu zénite se pensarmos que quem governa hoje a França é o messias socialista Hollande, que a Frente Nacional de Marine Le Pen cresce à custa dos partidos da esquerda e encontra nos emigrantes de segunda geração – muitos deles, de origem islâmica – uma parte significativa dos seus apoiantes. Longe de mim, porém, culpar Hollande ou a França por aquilo que ocorreu.

Por quê? Porque o terrorismo islâmico não é fruto das dinâmicas ou divergências existentes entre a esquerda e a direita, nem tem qualquer relação direta com o sucesso ou o insucesso das políticas sociais de integração. França e Reino Unido são os países que mais investem, a par da Alemanha, nas políticas de integração, e nem por isso têm estado menos expostos aos atos fanáticos dos terroristas islâmicos. Os esforços franceses no sentido da integração, nos últimos 20 anos, de governos de vários quadrantes políticos, são aliás louváveis e merecedores do nosso respeito. Recorde-se finalmente que boa parte dos terroristas islâmicos não são pessoas de baixa instrução ou “desintegradas”, mas gente educada e com estudos, muitos deles doutorados e com posições de relevo nos países de acolhimento. Basta recordar o perfil dos indivíduos que se imolaram contra as Torres Gémeas, ou que praticaram os ataques em Madrid ou Londres, para perceber que o simplismo com que Ana Gomes aborda este tema há muito deveria ter tido consequências políticas – não nos prestigia ter gente tão ignorante a representar-nos no PE, ou onde quer que seja, que não num Grupo Folclórico.

O que está em causa são questões civilizacionais mais profundas, de choque entre uma visão pluralista, cosmopolita e tolerante daquilo que é a laicidade e o papel da religião na sociedade, e outra perspectiva, teocrática e pre-moderna, que recusa a tolerância e a separação entre Leis Religiosas e Estado. Não deixa de ser chocante que Ana Gomes misture questões de política corrente com algo de tão estrutural, que resulta do facto evidente de uma parte do Islão viver hoje num estádio de desenvolvimento cultural semelhante ao que se encontrava a nossa Cristandade na época da Inquisição. Receio, aliás, que se vivesse na Idade Média, Ana Gomes seria um specimen exótico de Torquemada, de saia travada e mão na anca. Graças a Deus (ou ao acaso do Destino), Ana Gomes só veio ao mundo em pleno século XX, pelo que as únicas vítimas dos seus devaneios são os nossos olhos e ouvidos e, já agora, o nosso sentido de paciência e tolerância, regularmente postos à prova.

(* ) Convém não misturar a vaga de ataques terroristas ligados a conflitos regionais do Médio Oriente, como os da OLP, ou do marxismo arabista, com este tipo de terrorismo, que tem apenas como inspiração a recusa do Ocidente enquanto tal. 
Título e Texto: Rodrigo Adão da Fonseca, O Insurgente, 7-1-2015

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